terça-feira, 30 de junho de 2009

USO DA ZIPRAZIDONA EM ESQUIZOFRENIA REFRATÁRIA: UM ESTUDO DE CASO

IDENTIFICAÇÃO: E.R.M, 29 anos, sexo feminino, solteira, estudante universitária, brasileira, maranhense.

HISTÓRIA PESSOAL: Nasceu de parto eutócito e a termo, é a primogênita de uma prole de 3. Teve bom desenvolvimento psicomotor e intelectivo. Apresentou as viroses comuns da infância. Não há registro de episódios convulsivos, traumas, cirurgias ou outras doenças significativas.

HISTÓRIA FAMILIAR: Pais vivos. A mãe tem história de doença depressiva (sic). O pai goza de boa saúde. Possui 2 irmãs, todas vivas e gozando de boa saúde. Não há informação de doença mental (psicose) na família.

HISTÓRIA SOCIAL: Mora em casa própria em boas condições de salubridade. O pai é comerciante e a mãe doméstica. Participam do orçamento doméstico o pai e uma irmã (revendedora de produtos Natura). A paciente estudou e concluiu todas as etapas do ensino fundamental e ensino médio em escola pública, tendo interrompido no pré-vestibular aos 19 anos por conta da sua enfermidade. É evangélica e suas diversões se limitam à participação nos cultos da sua Igreja, assistir televisão e estudar. Tem pouca vida social. Atualmente faz o 6º período do curso de pedagogia na Universidade Estadual do Maranhão. Nega uso de bebidas alcoólicas, tabaco ou drogas ilícitas.

HISTÓRIA CLÍNICA: Paciente em tratamento psiquiátrico desde o dia 20/03/1997, sendo encaminhada por neurologista, devido apresentar perda do interesse por atividades habituais, preocupações excessivas e irrealistas, sentimento de inutilidade, diminuição da vontade, empobrecimento afetivo, alucinações auditivas, delírios, risos imotivados e solilóquios. Encontrava-se em uso de fluoxetina 20 mg/dia. Nessa ocasião prescrevemos haloperidol 5 mg/dia e biperideno 2 mg/dia, que devido a presença de efeitos adversos (rigidez muscular, tremores e sialorréia) substituímos o haloperidol pelo pimozide 4mg/dia. Apesar do controle dos sintomas extrapiramidais, houve aumento da intensidade dos sintomas produtivos (delírios e alucinações) incomodando a paciente e comprometendo o seu funcionamento sócio-familiar. Iniciou o uso de risperidona 6 mg/dia e biperideno 4 mg/dia, sendo interrompido o tratamento devido protusão da língua, crises oculógiras, contorsão do pescoço e galactorréia. Suspenso o tratamento neuroléptico, foi sugerido a administração de prometazina 25 mg/dia por via IM de 12/12 horas até a remissão dos efeitos adversos.
A partir do dia 30/09/1997, 48 horas após remissão dos efeitos colaterais do neuroléptico, o tratamento foi reiniciado com o uso de olanzapina 5 mg/dia e posteriormente 10 mg/dia, havendo melhora dos sintomas positivos e pouca melhoras dos sintomas negativos. A paciente fez uso dessa medicação até o dia 30/01/1998, tendo interrompido o tratamento devido o alto custo da medicação (olanzapina) e também por não apresentar a melhora esperada pelos familiares.
A referida consultante, por influência da sua genitora, alegando “influências malignas”, suspendeu totalmente o tratamento psiquiátrico e envolveram-se com o movimento Pentecostal da sua cidade, ficando até o dia 30/04/1998 sem acompanhamento especializado, quando apresentou quadro de alucinações auditivas, delírios de culpa, inquietação motora, fugas domiciliares, impulsos agressivos e depredatórios e resistência para o tratamento ambulatorial, sendo encaminhada para internação em clínica psiquiátrica. Recebeu alta 15 dias depois usando levomepromazina 300 mg/dia, haloperidol 15 mg/dia, biperideno 4 mg/dia e prometazina 75 mg/dia (VO). Permaneceu com esta prescrição até o dia 30/03/1999 quando apresentou nova recaída, sendo encaminhada para nova internação, ficando mais 15 dias internada e recebendo alta em uso de pimozide 4 mg/dia, biperideno 4 mg/dia, levomepromazina 100 mg/dia e diazepan 20 mg/dia.
Em 23/05/2001 devido inquietação motora e idéias delirantes intensas e incomodativas, a paciente foi encaminha para hospital dia, apresentando durante a internação melhora apenas do quadro produtivo (delírios). Fez uso de pimozide 4 mg/dia, levomepromazina 100 mg/dia, biperideno 2 mg/dia e olanzapina 10 mg/dia.
A partir de 26/02/2002, devido os constantes episódios de reagudização ou pelo prejuízo cognitivo, a paciente fez uso de risperidona, tioridazida, olanzapina, pimozide, levomepromazina e biperideno sem apresentar melhora significativa global do quadro psicopatológico. No dia 30/12/2002 a paciente começou a fazer de clozapina 150 mg/dia, sendo suspenso a medicação no dia 26/03/2003 devido alterações hematológicas.
No dia 05/05/2003 a paciente iniciou tratamento com ziprazidona, inicialmente 80 mg/dia e posteriormente 160 mg/dia. Os efeitos benéficos se tornaram evidentes quando a consultante, após 60 dias de tratamento demonstrou interesse em fazer vestibular, matriculou-se em um cursinho preparatório e foi aprovada 6 meses depois para o curso de pedagogia da Universidade Estadual do Maranhão. Atualmente apresenta um desempenho acadêmico satisfatório, comparece sempre desacompanhada no consultório para as consultas de avaliação, informa queixas e se preocupa com sua recuperação global. Demonstra pelo tempo de enfermidade e pela dificuldade em alcançarmos a terapêutica farmacológica ideal leve prejuízo cognitivo, sem comprometer sua capacidade de atuação. Não evidenciamos delírios e alucinações. Possui bom desempenho sócio-familiar e normalmente passa suas férias em outro estado em casa de parentes e costuma viajar sozinha.

DIAGNÓSTICO: F20.0 – Esquizofrenia tipo paranóide.

CONCLUSÃO: O quadro descrito demonstra a dificuldade de como escolher um medicamento, observando a eficácia e a tolerabilidade, dentro das estratégias terapêuticas do médico assistente e do quadro clínico apresentado. É evidente as diversas tentativas farmacológicas aplicada ao caso, como também é evidente a presença de diversos efeitos colaterais típicos dos antipsicóticos devido a susceptibilidade da paciente. Dentre as tentativas farmacológicas, ressalta-se o uso inicial de neuroléptico clássico isolado e combinado com outro clássico ou com atípico. O uso de neuroléptico atípico isolado ou combinado, também é evidente e com resultados iniciais não satisfatórios. A presença de efeitos adversos comprometeu o tratamento em diversos momentos.
Há evidências no caso clínico apresentado, da persistência da paciente e dos familiares na manutenção do tratamento, havendo apenas um registro de abandono, situação que motivou sua 1ª internação.
Apesar da procura farmacológica mais adequada para a paciente (remissão de sintomas e baixa incidência de efeitos adversos), observou-se que em alguns momentos havia melhora de alguns sintomas (sintomas positivos) e permanência dos sintomas negativos (pobreza afetiva, desinteresse, apatia,...), fato que comprometia a funcionabilidade sócio-familiar e a reintegração social da paciente. O uso de neurolépticos atípicos foi comparável ao uso de neurolépticos clássicos, tanto na questão de benefício como na tolerabilidade. Em alguns houve necessidade de interrupção imediata devido efeitos extrapiramidais ou por alterações hematológicas, em outro caso a interrupção se deu por não haver melhora dos sintomas negativos na dose recomendada. O emprego isolado da ziprazidona em dose crescente, possibilitou uma adequação da substância ao organismo, sendo que o único efeito adverso foi observado nos primeiros dias de uso, a sonolência, que desapareceu com o reajuste da dose recomendada 15 dias depois.
O uso de ziprazidona na dose de 160 mg/dia dividido em 2 tomadas, fez com que a paciente retomasse as suas atividades sociais e culturais interrompidas pela enfermidade, principalmente pelo alívio dos sintomas positivos (delírios e alucinações) e pela melhora acentuada dos sintomas negativos (apatia, desinteresse, ....). Ressalta-se o excelente perfil de tolerabilidade da medicação e a baixa incidência de efeitos colaterais, não sendo preciso interrupção do tratamento ou modificação da substância farmacológica.
A evolução do quadro mostra a eficácia da ziprazidona para o tratamento da esquizofrenia, a boa tolerabilidade e conseqüente adesão satisfatória do paciente ao tratamento tanto na fase aguda como na fase de manutenção.

REFERÊNCIAS:
DALGALARRONDO, PAULO. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Ed: Guanabara-Koogan, RJ, 2000

EPUSTAHL, STEPHEN M. Psicofarmacologia- Base Neurocientífica e Aplicações Práticas. Ed: Guanabara-Koogan, RJ, 2002.

KAPLAN, HAROLD. Compêndio de Psiquiatria. Ed: Artes Médicas, Porto Alegre, 2000


HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO
MÉDICO ESPECIALISTA EM PSIQUIATRIA
PROFESSOR DO CURSO DE MEDICINA DO UNICEUMA
hamiltonraposo@gmail.com

domingo, 21 de junho de 2009

CRIME E DOENÇA MENTAL: NEXO DE CAUSALIDADE

CRIME E DOENÇA MENTAL: UM NEXO DE CAUSALIDADE


INTRODUÇÃO:

Tem-se observado uma banalização da violência, principalmente nas grandes cidades. Os indicadores de criminalidade alcançaram níveis alarmantes, demonstrando o clima de insegurança em que vivem os moradores dessas cidades. A onda de assassinatos em nosso país e em particular nos grandes centros urbanos compara-se somente com países em guerra. Os crimes contra a vida ganham destaque nas primeiras páginas e nos horários nobre dos principais órgãos da imprensa e quanto mais cruel for o crime, mais destaque e importância terão na imprensa sensacionalista.

Os crimes cometidos com requintes de crueldade, sempre ganham pelo seu caráter absurdo, violento e às vezes sem nenhuma explicação que justifique a ação ou ato, uma dúvida sobre a sanidade mental do agente agressor, sugerindo ou supondo-se uma possível doença mental como causa ou fator determinante para os atos mais terríveis e temíveis da violência humana. Diversas questões a respeito vêm sendo discutida ao longo dos anos, tais como: as hipóteses biológica, psicológica, sociológica, antropológica, política e cultural. Parece que nenhuma satisfaz ou explicam plenamente a origem do ato condenável.

O crime, apesar da sua multicausalidade, necessita e depende do fenômeno violência, não existe crime sem violência. A Organização Mundial da Saúde define a violência como: o uso intencional de força ou poder físico, sendo somente uma intimidação ou ato efetivo contra si próprio, outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que resulte em / ou tenha uma alta probabilidade de danos, mortes, prejuízos psicológicos, que impeça um desenvolvimento ou que este seja insatisfatório (www.wilkipedia.org)

A violência é uma forma de afirmação, de controle e de poder. Grande parte dos atos de violência, mais precisamente o homicídio, as pessoas que as cometem, agem por impulsos e são consideradas normais (STRÜBER, MONIKA E ROTH, 2006, p.40). Entretanto por razões subjetivas, num dado momento, que lhes parecem justificáveis, muitos tomam consciência da gravidade e da irreversibilidade do ato somente depois de cometê-lo (Abdala, 2006, p.40). Fica explícita a imprevisibilidade da violência, assim como características comuns do agente agressor: baixa tolerância a frustração, capacidade reduzida de compreensão e instantaneidade no ato.

As questões que dizem respeito a violência e criminalidade, principalmente o comportamento impulsivo, podem ser explicadas biologicamente através de alterações no sistema límbico e no córtex pré-frontal ou lesões cerebrais ainda em vida embrionária modificando circuitos das aminas biogênicas (STRÜBER, MONIKA E ROTHR, 2006, p.42). Outra questão é a influência social: a pobreza, desigualdade social e má distribuição de renda seriam fatores determinantes para o crime. Condições genéticas, genes envolvidos com MAO-A, causando uma redução de serotonina e alterações no córtex pré-frontal em indivíduos, apontam como causa do comportamento anti-social (ADRIAN RAINE, 2008).

O que levaria um homem considerado normal, sem antecedentes criminais a cometer um ato ilícito de considerada gravidade?

Francisco Ramos de Farias, psicanalista e professor da UFRJ, afirma que basta ser humano para ser potencialmente assassino (2007, p.24-29) Através dessa observação, pesquisadores chegaram a conclusão da multifatoriedade causal para o impulso à violência, não bastando somente as condições biológicas, mas também às condições sociais em que está inserido o agente agressor. Relacionou o autor, que os crimes de homicídios estão mais relacionados com a instabilidade sócio-familiar, enquanto a desvantagem econômica a todas as categorias de crimes. Questões sociais não podem isoladamente serem causa de crime, a indicação simplesmente da miséria como causa da violência, minimiza todas as outras questões envolvidas com a violência e criminalidade, parecendo haver uma exclusão das classes sociais mais beneficiadas para o crime. STÜBER, MONIKA e ROTH (2006, p.42), apontam níveis do hormônio masculino testosterona elevados, que ultrapassando a barreira hemato-encefálica se conectam a receptores no hipotálamo e amígdala desencadeando mecanismos competitivos relacionados com a agressividade, podendo deixar o sexo masculino mais susceptíveis a atos de violência.

A violência é multifacetada, não se restringe somente aos atos de grandes proporções causando nas vítimas sérios danos físicos, psíquicos e sociais. Algumas vezes a violência se utiliza de subterfúgios, situações não explícitas, mas que causam danos significativos para o funcionamento psíquico e social da vítima inclui-se nesta parte da violência o racismo, preconceito, ofensa, calúnia e difamação.

Outra visão sobre violência e criminalidade, é a participação de pessoas com transtornos mentais, insere neste contexto uma relação complexa de doentes e doenças a exposição à violência. Alguns indivíduos com esquizofrenia são mais prováveis de serem violentos do que a população geral, entretanto em relação a toda a violência social, a participação destes é muito pequena estatisticamente no mapa da criminalidade. E o principal fator motivador para os atos de violência nestes pacientes é o delírio, principalmente o delírio com conteúdo de controle ou paranóide. (TEIXEIRA, DALGALARRONDO, 2008, p.171-173).

A esquizofrenia apontada acima como doença com tendência a atos de violência é considerada um transtorno psicótico com graves perturbações no pensamento, na emoção e no comportamento. É uma doença multicausal, porém as hipóteses genéticas confirmam a idéia de que a esquizofrenia pode ser transmitida geneticamente, entretanto estas evidências não representam um fator determinante ou exclusivo na formação da doença esquizofrenia. Os fatores ambientais (fenotípicos) podem ser responsáveis por várias mudanças de comportamento, assim como o estresse psicológico, que através de mudanças no eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal, podem interagir com uma possível vulnerabilidade biológica e desencadear a doença. A hipótese genética se relaciona com um excesso de receptores supersensíveis a dopamina e não com o excesso de dopamina e esta evidência se deve a estudos em esquizofrênicos, onde os valores do principal metabólito da dopamina (ácido homovanílico) estão compatíveis com pessoas normais. Mostra-se aqui a complexidade da esquizofrenia. (DAVISON E NEALE, 2003 p.271-273).

MORANA, STONES E ABDALA-FILHO (2006, p. 74-79) descrevem o transtorno de personalidade como uma perturbação grave da constituição caracteriológica e das tendências comportamentais do indivíduo, havendo uma anomalia do desenvolvimento psíquico. Estes apresentam uma desarmonia da afetividade, do controle dos impulsos, das atitudes e das condutas, manifestando-se desarmonicamente no relacionamento interpessoal. Ficando sujeitos, principalmente aqueles com características anti-sociais, a toda espécie de crime.

FLÁVIO JOSEF E JORGE ADELINO (2003, p. 275-282), informam que a psicopatia, o transtorno de personalidade anti-social, como uma das principais causas no contexto da criminalidade violenta. Os autores identificaram também que o consumo de álcool e outras drogas (ilícitas) estão relacionados em situações de violência e homicídio. O álcool em torno de 50 a 64% dos casos e as drogas ilícitas (maconha e cocaína) em 37 a 59% dos crimes violentos em 24 cidades americanas.

ROBERTO MOSCATELLO (2001. p. 34-35), em trabalho sobre recidiva criminal em internos do Manicômio Franco da Rocha, explica a falta de estudo conclusivo sobre o assunto, mais demonstra que 41% dos internos cometeram somente 1 crime e 59% cometeram mais de 1 crime. Entre os internos que cometeram 1 crime a esquizofrenia com 43%, retardo mental 19% e transtornos de personalidades 17%, em menor número apareceram psicoses delirantes, epilepsia, dependência de drogas e demência. Entre estes, as tentativas e os homicídios consumados foram mais freqüentes. Em menos número e proporção mais homogênea, notaram a agressão, atentado ao pudor, estupro, furto e seqüestro. Na questão da recidiva criminal, o diagnóstico mais freqüente é a esquizofrenia com 55%, transtorno de personalidade 38%, retardo mental 16% e em menor número e de forma homogênea a dependência de drogas, alcoolismo, epilepsia e psicose confusional. Neste item os delitos mais cometidos foram o furto, roubo, homicídio e agressão; menos freqüente o porte de drogas, tentativa de homicídio, estupro e atentado ao pudor.

O crime é uma atividade antijurídica, portanto ilícita e culpável. Entretanto o doente mental, em particular o esquizofrênico, após ato ilícito e de fato for comprovada a existência da doença mental, pode ser considerado inimputável, pressupondo-se a não intenção de causar dano, inexistindo o sujeito da culpa. Devem-se considerar os limites de responsabilidade e de capacidade de entendimento e de autodeterminação no momento da ilicitude, somente assim as exigências legais para inimputabilidade, imputabilidade e semi-imputabilidade deverão ser cumpridas.


O exame de aferição da sanidade mental utiliza o conceito de periculosidade para aqueles casos em que o infrator, por conta da sua anormalidade psíquica, pode significar risco a sua convivência ou quando a situação ilícita apresente aspectos que fogem da compreensão habitual ou mobilizem fortes descargas emocionais (Aspectos controversos da periculosidade. Sidnei Celso Corrocine. Revista Psicologia Jurídica nº , vol. Pág.61)

Para a existência do crime, necessariamente precisa da culpa, do sentido de culpabilidade, aspecto subjetivo do delito, elemento que concerne a intenção do fato e tem como características:
1- Aspecto intelectual: ter consciência do ato antijurídico:
2- Aspecto afetivo: quando o indivíduo tem vontade de dirigir suas ações com uma finalidade

De acordo com estas características, é necessário para a existência do crime, o pleno estado de sanidade mental e vontade em cometer o ato antijurídico, portanto intencionalidade (dolo) ou execução de um ato que poderia e deveria ser previsto e que, por falta de previsão do agente, produz um dano, não há intencionalidade (culpa). Aquele que praticou a ação que resulta em dano deve suportar as conseqüências do seu procedimento, isto é, ter responsabilidade (COHEN, FERRAZ E SEGRE. 2006, p.60-70).

O doente mental quando pratica uma ilicitude, principalmente um ato de violência, falta-lhe consciência da ilicitude ou grave prejuízo na vontade. MIGUEL CHALUB (2007, p. 64-71) afirma que os doentes mentais, principalmente os esquizofrênicos, os portadores de transtorno bipolar, retardo mental grave e os dementes, estes quando cometem crime, podem, em decorrências de graves prejuízos em diversas funções mentais, não entender o que está cometendo ou não ter controle sobre as suas atitudes.

Pretendemos demonstrar neste trabalho, a relação da doença mental com a criminalidade, em particular, identificar um nexo de causalidade entre a infração e a hipótese diagnóstica identificada.


METODOLOGIA:
O trabalho foi conduzido após ampla revisão da literatura especializada. Trata-se de um estudo retrospectivo compreendendo o período de janeiro de 2007 a maio de 2009, do qual participaram 67 pessoas acusadas de ilícitos e com suspeita de perturbação na sua saúde mental. Foram encaminhados pelo Poder Judiciário do Maranhão para o Hospital Nina Rodrigues e diretamente para este facultativo, afim de serem aferido o grau de responsabilidade, capacidade de discernimento e de determinação durante a prática delituosa e o estado mental atual.

O estudo procura revelar a prevalência de determinadas condutas ilícitas e o perfil diagnóstico dos acusados definidos pelos critérios diagnósticos da CID-10 e a possibilidade de um nexo de causalidade entre a ação e o diagnóstico sugerido.

Os participantes (periciados) foram submetidos a avaliação clínica (anamnese completa e história criminal) com conclusão diagnóstica e médico-legal. Alguns também foram submetidos a escala de avaliação para diagnóstico de psicopatia (PCR-L).


DISCUSSÃO:
De acordo com os achados na literatura pesquisada não há evidências de maior prevalência da esquizofrenia em crimes de violência contra pessoas quando comparados com a população de pessoas normais ou portadora de outros diagnósticos psiquiátricos. O trabalho apresentado “Crime e doença mental: um nexo de causalidade” apresentou, através da entrevista, exame mental, formulação de diagnóstico através da CID-10 e em alguns, aplicação da escala PCR-L, em 67 pessoas do sexo masculino, todas acusadas de ilícitos de violência contra pessoas, o seguinte resultado:

1-Homicídio:
1.1-Total de periciados: 14 pessoas
1.2- sem diagnóstico psiquiátrico: 4 pessoas = 28,5%.
1.3- envolvimento com consumo de múltiplas drogas: 3 pessoas = 21.4%.
1.4- diagnóstico de esquizofrenia tipo paranóide: 2 pessoas = 14,2%
1.5- transtorno de personalidade tipo anti-social: 2 pessoas = 14,2%
1.6- transtorno de personalidade tipo bordeline: 2 pessoas = 14,2%
1.7- outros diagnósticos psiquiátricos: 3 pessoas = 21,4%

Interpretação: O resultado apresentado não difere da maioria dos achados da literatura, observa-se uma prevalência maior para os crimes de homicídios em pessoas consideradas normais (28,5%) em comparação com a esquizofrenia (14,2%). É considerando o tipo paranóide nestes tipos de ilícito como de maior relevância. Outras enfermidades psiquiátricas como consumo múltiplas drogas tiveram prevalência maior que a esquizofrenia (21,4%), assim como os transtornos de personalidade (anti-social e bordeline) valores iguais a da esquizofrenia (14,2% cada transtorno). Apesar da existência de risco, a esquizofrenia não tem indicadores maiores que as pessoas sem diagnóstico psiquiátrico para a pratica de homicídio. O resultado encontrado é relevante e talvez possa em exames periciais ser considerado um nexo de causalidade. Outro fator considerado é a relação exagerada entre homicídio e consumo de múltiplas drogas, neste diagnóstico não foi considerado o viés do comércio ilegal, consideramos apenas a ação final do acusado.

2-Agressão:
2.1- Total de periciados: 17 pessoas
2.2- envolvimento com consumo de múltiplas drogas: 6 pessoas = 35,2%
2.3- transtorno de personalidade tipo anti-social: 4 pessoas = 23,5%
2.4- esquizofrenia tipo paranóide: 2 pessoas = 11%
2.5- transtorno de personalidade paranóide: 1 = 5,8%
2.6- transtorno de personalidade bordeline: 1= 5,8%
2.7- outros diagnósticos psiquiátricos: 3 = 17,6%

Interpretação: Observa-se uma prevalência significativa entre os examinados para aqueles envolvidos no consumo de múltiplas drogas (35,2%), isto demonstra a questão da violência urbana, alto consumo de drogas e comércio ilegal de drogas em nosso estado, resultado de falta de políticas públicas para tratamento dos dependentes químicos, falta de políticas na área preventiva e falta medidas eficazes para controle do comércio ilegal. Outro dado é a presença do transtorno de personalidade anti-social (23,5%), demonstrando o grande espectro de atuação deste transtorno. A presença da esquizofrenia paranóide (11%) correspondendo a 2 pessoas com acusação de agressão, equipara-se aos valores encontrados no item homicídio, portanto com taxas inferiores a outros diagnósticos psiquiátricos.

3-Furto:
3.1- Total de periciados: 7
3.2- transtorno de personalidade tipo anti-social: 2 = 28,5%
3.3- retardo mental leve: 3 = 42%
3.4- esquizofrenia residual: 1 = 14,2%
3.5- transtorno afetivo bipolar em remissão: 1 = 14,2%

Interpretação: Neste tipo de ação ilícita, o transtorno de personalidade tipo anti-social, que possui um espectro de atuação amplo em termos de atuação criminal, é um achado significativo neste tipo de ilícito (28,5%), entretanto a predominância de retardo mental leve é extremamente relevante (42%), fato explicado pela dificuldade de entendimento e pelo comportamento impulsivo do agente. As manifestações comportamentais no retardo mental podem adquirir um viés anti-social explicado pela influenciabilidade e sugestibilidade adquirida em convívio social. Os dados percentuais (14,2%) encontrados neste ilícito para a esquizofrenia se compara com o transtorno bipolar em remissão, com índices inferiores das outras enfermidades encontradas entre os pesquisados, com pouca possibilidade de nexo de causalidade para a esquizofrenia. Considera-se de maior relevância o retardo mental leve e o transtorno de personalidade anti-social.

4-Roubo:
4.1- Total de periciados: 13
4.2- transtorno de personalidade anti-social: 5 = 38,4%
4.3- retardo mental leve: 3 = 23%
4.4- envolvimento com consumo de múltiplas drogas: 4 = 30,7%
4.5- esquizofrenia paranóide: 1 = 7,6%

Interpretação: Persiste o transtorno de personalidade anti-social através do amplo espectro de atuação na área criminal como o de maior prevalência nesta categoria de ilícitos (38,4%). O consumo de múltiplas drogas com 30,7% e o retardo mental leve com 23% são achados relevantes. A esquizofrenia com 7,6% dos pesquisados, constitui dentro das enfermidades encontradas neste ilícito a de menor prevalência e com pouca possibilidade de nexo de causalidade.

5- Estupro:
5.1- Total de periciados:
5.2- envolvimento com consumo de múltiplas drogas: 3 = 37,5%
5.3- transtorno de personalidade anti-social: 2 = 25%
5.4- esquizofrenia tipo paranóide: 1 = 12,5%
5.5- retardo mental leve: 1 = 12,5%

Interpretação: Neste tipo de crime o consumo de múltiplas drogas com 37,5% e o transtorno de personalidade anti-social são considerados os de maiores prevalência e de relevância. A esquizofrenia e o retardo mental com 12,5% de prevalência tem significado menor nesta pratica de crime.

6- Atentado violento ao pudor:
6.1- Total de periciados: 4
6.2- sem diagnóstico psiquiátrico: 2 = 50%
6.3- retardo mental leve: 2 = 50%

Interpretação: A prevalência de pessoas sem diagnóstico psiquiátrico neste tipo de ilícito é comparável na pesquisa aos portadores de pessoas com retardo mental leve. A probabilidade de cometimento do ilícito por retardados pode ser explicada pela insuficiência na capacidade de julgamento e pela inserção social dos acometidos por este tipo de transtorno.


7- Tráfico de entorpecentes:
7.1- Total de periciados: 4
7.2- envolvimento com o consumo de múltiplas drogas: 3 = 75%
7.3- sem diagnóstico psiquiátrico: 1 = 25%

Interpretação: Neste tipo de crime os envolvidos com o consumo de drogas com 75% dos casos, estão em situação de maior vulnerabilidade e de disposição para o comércio ilegal de drogas, explicando assim esta prevalência, muito mais de necessidade do que predisposição criminológica.


CONCLUSÃO: A maioria dos estudos epidemiológicos que tratam da relação da doença mental com o crime, principalmente o crime com violência física, tanto nos EUA como na Europa, relatado na introdução, consideram baixos indicadores de violência entre os portadores de transtornos mentais, apontando, entretanto a esquizofrenia, o abuso de substância e o transtorno de personalidade, como de maiores tendências para os ilícitos de violência. Outra informação da literatura, é que nos países com altos indicadores de violência social, pode haver aumento de violência entre os portadores de transtornos mentais. O transtorno de personalidade tipo anti-social possui um amplo espectro de atuação criminológica e pode está presente com dados significativos em todos os tipos de crimes, fato observado com dados significativos em todos os ilícitos pesquisados. A esquizofrenia tipo paranóide tem incidência a ser considerada nos crimes de homicídios, talvez em função da atividade delirante-alucinatório do esquizofrênico, ou pela falta de adesão ao tratamento indicado ou pela falta deste. O usuário de múltiplas drogas tem valores considerados importantes nos crimes de homicídios, agressão, roubo, estupro e tráfico de entorpecentes, comparando-se com o transtorno de personalidade anti-social no campo de atuação delituosa. Neste tipo de transtorno, o consumo de múltiplas drogas, pode coexistir em comorbidade com o transtorno de personalidade anti-social, aumentando o risco de probabilidade à violência, viés que pode ter acontecido com os achados da pesquisa. O retardo mental leve de inclusão social fácil, mas extremamente influenciável, com pouca capacidade de discernimento e com disposição de demonstrar eficiência, tem taxas significativas nos crimes de furto, roubo e atentado violento ao pudor, igualando-se em probabilidade menor com a esquizofrenia nos crimes de estupro. Outros diagnósticos psiquiátricos (epilepsia, transtorno de personalidade tipo borline) tiveram taxas significativas nos crimes de homicídio e agressão; o transtorno bipolar foi encontrado prevalência igual a esquizofrenia no crime de furto













REFERÊNCIAS


COHEN, FERRAZ E SERPE. Saúde Mental e Justiça. Ed: USP, 2006.

CHALUB, MIGUEL FILHO. Revista Psicologia Jurídica. Ed: Escala. Ano I ,nº 5, 2007,

DAVISON E NEALE. Psicologia do Comportamento Especial. 8ª Ed. Ed: LTC. RJ, 2003.

CORROCINE, SIDNEI CELSO. Aspectos controversos da periculosidade. Revista Psicologia Jurídica. Ed. Escala. Ano I, nº 5 , 2007

FARIAS, FRANCISCO RAMOS Revista Psique. Ed. Escala, ano II, nº 13, 2007, SP.

FLÁVIO JOSEF E JORGE ADELINO. Homicídio: aspectos epidemiológicos, fenomenológicos e vitimológicos. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. Vol. 52, jul/ago. 2003,

MORANA, STONES E ABDALA-FILHO. Transtornos de personalidades, psicopatia e serial killer. Revista Brasileira de Psiquiatria – Suplemento Psiquiatria Forense: Vol.28, out. 2006.

MOSCATELLO, ROBERTO. Recidiva criminal em 100 internos do manicômio Judiciário Franco da Rocha. Revista Brasileira de Psiquiatria. . Vol 23, nº1, mar 2001

RAINE, ADRIAN. O crime biológico: implicações para a sociedade e para o sistema de justiça criminal. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. Vol. 30. Nº 1., 2008

STRÜBER, MONIKA E ROTH. Revista Viver: Mente e Cérebro. Ed. Duetto. Ano XIV, nº 166, nov-2006.

TEIXEIRA, DALGALARRONDO. Bases Psicopatológica do Crime Violento. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. Vol 57, nº 3 – 2008


(www.wilkipedia.org/OMS/violencia