terça-feira, 19 de maio de 2009

REFLEXÕES DO PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA

Dia da luta antimanicomial: reflexões Datas comemorativas são determinadas com a finalidade de chamar atenção para fatos ou ações de interesse coletivo. Ao menos deveriam ser assim. Sabemos, porém, que muitas das barulhentas ações de dias específicos têm interesse bem marcado ideologicamente, servem para dar sustentação a políticas oficiais, evitando o diálogo técnico ou acabam se tornando francamente frágeis quando assumem posturas estigmatizadoras e reveladoras de pífio compromisso cotidiano com as causas que querem defender.Falo de assistência a doentes mentais, e não poderia ser diferente. Falo de movimentos que consideram que a loucura seria entendida como a expressão de “subjetividades individuais”. Esse discurso é tão ultrapassado quanto os hospícios e manicômios e claramente descompromissado com o bem estar dos acometidos por transtornos mentais, cuja liberdade, contrariamente ao que teorizam, é comprometida pela variada gama de sintomas de doença mental. Isso não significa que negamos que as condições humanas diversas fazem parte ou espelham a cultura e a sociedade.Além disso, doenças mentais têm origem em causas diversas, não excludentes. Defender causas isoladas é falta de conhecimento. Antes que indaguem, não deixarei de dizer que “subjetividades individuais” devem ser levadas em conta, na medida em que isto signifique que o profissional de saúde deve se ocupar de cada indivíduo em seu contexto sócio cultural, sem desconsiderar a possibilidade de doença mental.Todos nós psiquiatras somos anti-manicomiais. Por outro lado, indicações precisas de internação existem, quer se goste ou não. E, para esses casos, bons hospitais ou unidades psiquiátricas em hospital geral são necessários, além de outras ferramentas terapêuticas. Somente quem não está familiarizado com transtornos mentais e de comportamento pode afirmar que o risco de uma descompensação aguda pode ser anulado e a internação totalmente abolida.Defendemos o acesso universal do cidadão a todos os instrumentos terapêuticos necessários e indicados que, no caso da assistência aos pacientes com transtornos mentais, só pode ser feito adequadamente em rede assistencial integrada, com níveis de complexidade hierarquizados e sistema de referência e contra-referência, que englobaria desde a unidade básica e os centros de reabilitação até o ambulatório e o hospital especializado.Ainda existem doentes mentais crônicos em hospitais? Sim. E são muitos. Inclusive já comentamos esses casos recentemente. Aliás, se uma parte deles está em instituições do SUS, é necessário pensar sobre a diária paga aos hospitais. Isso não significa defender a estrutura asilar, mas prezar pelos pacientes. Se permaneceram nas instituições, o Estado continua responsável por eles.Muito grave é oferecer assistência precária ou incompleta e falta de recursos terapêuticos adequados. O que dizer da dificuldade assistencial em áreas distantes e remotas do país, como é do conhecimento de todos? Qual a proposição para este problema grave, de maneira realista? E por que o silêncio de grupos tão ruidosos diante desta realidade?E os pacientes em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico? Na série de visitas que nossa instituição fez a alguns desses estabelecimentos, ficou evidente a falta de condições para um atendimento adequado. Voltamos a perguntar: por que o silêncio de grupos tão ruidosos diante desta realidade? Por acaso existem categorias diferentes de brasileiros? Os doentes que moram nas grandes capitais e contam com estrutura familiar têm mais direitos que os portadores de transtorno mental tradicionalmente marginalizados? O Poder Judiciário tem dado inúmeras demonstrações de preocupação com esses pacientes e se mobilizado ativamente. A ABP tem participado e o faz há muito tempo, cotidianamente.Sabemos das diferentes responsabilidades das distintas esferas do governo. Por que não pensar conjuntamente? Por que não dialogar? São os mesmos pacientes, com a diferença de que estes são duplamente estigmatizados. O que o Ministério da Saúde tem a dizer sobre essa população? Afinal, boa parte deles, em sua história de vida, passou por alguma forma de tratamento público ou sofreu com a falta dele.Está claro: a psiquiatria atua preventivamente, trata, se opõe à assistência precária, tem disponibilidade para trabalhar conjuntamente, dialoga com o poder público mas entende que isso não significa deixar de cobrar energicamente quando necessário. Isso é ação cotidiana, de quem vive cuidando de doentes e não apenas usando uma retórica exibicionista.João Alberto CarvalhoPresidente da ABP

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