A utopia revolucionária no sertão maranhense *
Estamos diante de um conto longo e de um romance pequeno, o que para a crítica dogmática, ainda existente, no entendimento de Otto Maria Carpeaux, diz ser esta “A utopia revolucionária no sertão maranhense”, uma novela, uma representação abreviada entre a vida real e a ficção, entremeada, por isso, como é vezo e natural acontecer no cenário em que se transcende o autor, para assim poder contraponteá-la com lances correlatos e coloridos, de nuances atemporais e surrealistas, como base de sustentação à trama proposta.
A saga, em si, de cunho regionalista, tem como cenário o sertão maranhense a estender-se ao do Piauí, a passar por chãos e barrancas os mais diversos, aonde o autor, como personagem indireta e também aventureira, se propõe determinado a procurar seu avô Abílio Ricardo de Miranda, embrenhado, sem noticias e sem rastros, nas sombras daquelas paragens.
A novela começa com um imigrante português com nome de santo, Francisco de Assis a desembarcar sem lenço e sem documento em Paris, indo morar, Deus sabe como, no Quartier Latin, a vislumbrar-se de inicio com o prédio da Sorbonne, com o Jardim Istambul, com a Igreja de Santa Geneviève e com o Pantheon, onde estão em sossego eterno, os luminares da literatura e das artes francesas, um arremedo de alegria ali viver para a índole curiosa de Francisco, logo ali, um ponto de encontro divertido de artistas e intelectuais.
Talvez esse desassombro de Francisco advenha de sua eugenia, herdada, de um lado, de uma portuguesa com características físicas mais alentejana do que alfacinha, dada por si, sem saber quem eram seus pais, a dizer apenas ter sido criada nas ruas de Lisboa, a receber ajuda e conforto das irmãs do Sagrado Coração de Jesus. Tereza, cujo prenome, em sendo da “santa terrinha”, deveria ser de Jesus, e não de Ávila, cidade de Espanha encastelada por muralhas ciclópicas celebradas por Unamuno. Tereza D’Ávila Moura da Silva, é esse seu nome por inteiro, o seu natural, que nada tem com a imagem barroca da santa castelhana vislumbrada nos altares; mas tudo a ver com a mulher Teresa de Ávila, missionária de cruzadas e martírios o que resultou em nossa irrequieta personagem, atarefada de quefazeres e carregada de aventuras, o codinome de “Tereza Caçambeira”, pela prática de comércio que exercia no interior maranhense. Com esse apelido da mãe e com sua disposição tenaz para a luta, Francisco ficou conhecido por “Francisco de Tereza”. Mas Francisco não era filho do acaso, filho de geração espontânea, o sangue da “Tereza Caçambeira” juntou-se ao do português João Manoel, um operário da indústria naval, de algum estaleiro às bordas de Lisboa, um anarquista envolvido em embates e protestos que morreu durante um confronto com a policia, a atestar, assim, em ser realmente o pai de Francisco, portador em sua corrente sanguínea, da veracidade cientifica e inconteste do sumo das ervilhas, mesmo cozidas, de que nos fala Mendel.
Esse é o foco, o objeto irradiador de outras muitas personagens que compõem esta história de coronéis e de jagunços, à moda de “Tropas e Boiadas”, de Hugo Carvalho Ramos, de “O Tronco” de Bernardo Élis e de “Arraial e Coronel”, de Lena Castelo Branco, este, em razão do desenrolar psíquico-social da história, onde a figura do jagunço, nosso velho conhecido, é aquele ente fiel e subserviente ao mando do coronel, que por sua vez é o oligarca, cujo título se torna hereditário pelas tradições das famílias, aliadas sempre à burguesia urbana, com influência preponderante na região que administra em perfeita simbiose com o meio circundante, em uma espécie de conúbio entre o homem e a terra. É em suma um misto de caudilho e de jagunço por todos nós conhecida, a encontrar-se perfeita, tanto no conceito econômico-político que o faz um ator social, como no conceito econômico-social que o faz um ator político.
As publicações acima citadas, todas do regionalismo goiano, o qual dantes, se separava do maranhense apenas pelo Rio Tocantins, continua a interagir, um com outro, por fortes laços parentais, em meio a outros tantos, a nos fazer espectadores, por estes muitos brasis.
E assim caminha esta “A Utopia Revolucionária no Sertão Maranhense”, à moda de trote de Sendero, onde encontramos a figura eclesiástica, política e autoritária de Dom Amarelim, Bispo de Caxias, onde nos deparamos com práticas de exorcismos, com amores e traições, com os conluios do Padre Ângelo ante o seu curioso superior, com os comentários do Sebastião da Bayer, manipulador prático e dono da farmácia e de outras muitas personagens com atuações de destaques, uns, e coadjuvantes, outros.
Não podemos e nem devemos nos alongar neste novelo emaranhado de acontecimentos e surpresas, para não tirarmos do leitor aquela sensação que se espera do desfecho, de como “Francisco de Tereza” virou anjo, e de como se deu a descoberta e o desaparecimento em definitivo do velho Abílio, avô do autor da bem trabalhada aventura aqui escrita, fio à meada de todo novelo desta saga sertaneja, que nos é chegada pela pesquisa metodológica e pela fértil criação ficcional do médico Hamilton Raposo de Miranda, que com esta emocionante novela se inaugura de modo brilhante na historiografia romanceira maranhense.
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*Fernando Braga, em apontamentos para o livro “A utopia revolucionária no sertão maranhense”, de Hamilton Raposo de Miranda, a ser publicado.
Ilustração: cena do filme “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos.
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019
HISTÓRIAS DE SÃO LUÍS
AOS AMIGOS QUE SE EMBRIAGARAM COM RUM MONTILA NAS MATINAIS DO LITERO
A minha adolescência se passou em uma São Luís tranquila com
pouco mais de 300 mil habitantes. A efervescência cultural e social
restringia-se pelas tardes e noites esportivas do Clube Recreativo Jaguarema ou
do Grêmio Litero Recreativo Português. Nos períodos de férias funcionava uma
boate sempre aos finais de semanas nestes clubes e todos os namoros da minha
geração começavam e terminavam no Litero ou no Jaguarema.
Durante o período escolar a cidade adormecia as 22 horas após
Saramandaia, Ossos do Barão ou após as peripécias políticas e sexuais do
prefeito Odorico Paraguaçu na novela o Bem-Amado. Frequentávamos obrigatoriamente
nos finais de tarde a Rua Grande, o nosso shopping center da época, e nas
manhãs tínhamos a nossa obrigação em frequentar o Marista, Liceu, Escola
Normal, Rosa Castro, Santa Teresa, Atheneu, São Luís, São Vicente, Cardoso
Amorim, Escola Técnica ou Centro Caixeral, as escolas que existiam ou de maior
tradição.
A rotina da cidade começou a se perturbar quando alguns
automóveis com descarga aberta ou sem abafador começaram a circular pelas ruas
sem engarrafamento, sem semáforos ou qualquer tipo de fiscalização, surgia o “playboy”
maranhense. Sempre arrumado e com cheiro de Vitess, o “playboy” maranhense
fazia sucesso entre as garotas, principalmente as garotas do Colégio Santa Teresa.
Alguns setores sociais
começavam a organizar festas e surgem na década de 1970 as primeiras boates
fora do contexto juvenil clubista. Diversas turmas se formaram como a turma do
muro, turma da Rua das Hortas e figuras sociais marcantes como Sérgio Costa,
Garrido, Pedro Henrique, Gilman, Sérgio Santos, Paulo Juca Chaves, Zé Peru,
Nazaré, José Aniesse, Zé Nilson, Tampinha, Perereca, Xerebreu, Silvinho boca de
bilha e tantos outros que agitaram a vida social da cidade e marcaram uma época
lúdica e inocente de São Luís. As turmas ou grupos sociais comandavam a farra e
os principais acontecimentos sociais, e foi com eles que surgiram todos os
modismos que seriam seguidos e incorporados pela provinciana sociedade. As
garotas da época? Estas ficarão para uma outra história.
A cidade se guardava e se preparava para o carnaval, e todos
se pervertiam na matinais pré-carnavalescas do Grêmio Litero Recreativo
Português e nas festas noturnas de sábado e segunda-feira de carnaval do Clube
Recreativo Jaguarema. Lembram-se de que todos os namoros começavam no
Jaguarema? E todos os namoros indubitavelmente acabavam nas matinais
pré-carnavalesca do Litero. Nenhum namoro “mais sério” resistia as matinais do Litero
e a explosão sonora de Nonato e seu conjunto ou dos Fantoches.
As festas do Litero e do Jaguarema tinham o cheiro de lança-perfume
e o gosto de Rum Montilha com Coca-Cola. Não havia mais confete e serpentina,
começava a onda de Maisena. A juventude de São Luís começava a dar sinais de
rebeldia e a inocência típica das cidades provincianas se perdia com o
crescimento urbano da cidade.
Foi o fim da festa, fim de uma época e de um sonho. São Luís
tinha mudado!
.
domingo, 10 de fevereiro de 2019
HISTÓRIAS DE SÃO LUÍS – DIÁRIOS, COLEÇÕES E O MEU BAÚ DE
OSSOS (A DESCOBERTA DE MANOELA).
Sem nenhuma pretensão em ser Pedro Nava o emérito médico e
escritor de Baú de Ossos, transcrevo hoje a surpresa em abrir o meu baú com a
falante e indagativa Manoela, a minha neta. Sou obrigado a confessar que também
tenho o meu baú de ossos e ali guardo com muito orgulho clássicos e originais
da Psiquiatria, como Pacheco e Silva, Henrique Roxo, Nobre de Melo, Henry Ey,
Alves Garcia, livros com páginas amareladas, recordações e uma coleção de
selos.
A minha geração foi marcada por diários e coleções. Não havia
nenhum ou nenhuma adolescente que não tivesse um diário. Confidências, segredos
e ingenuidade tudo era registrado e escondido dos adultos fiscalizadores. Os
diários tinham formato e características o próprias, alguns artisticamente
desenhados, outros mais simples, todos cheios de segredos.
As coleções também faziam parte do universo lúdico juvenil.
Havia coleção de tudo: selos, lápis, flâmulas, moedas, times de botões, caixas
de fósforos, tampinhas ou figurinhas. Tudo podia ser colecionado e
compartilhado. Ainda hoje mantenho guardada uma coleção de selos. Cada selo tem
uma conquista ou uma história.
A coleção de revista do meu tio Franklin me fascinava. Ele
guardava em um guarda-roupa na casa da minha avó Flora uma fantástica coleção de
revistas e jornais. As revistas Cruzeiro, Tico-Tico e Revista dos Esportes, os
Jornais Globo e dos Esportes me fascinava e me entretinha. Acho que aprendi a
gostar de futebol lendo a Revista dos Esportes e a respeitar o América Futebol
Clube pela admiração e respeito ao meu Tio Franklin.
Na década de 1970 um casal de publicitário americano resolveu
declarar o amor que um sentia pelo outro com uma mensagem ingênua: “amar é....”
Este fenômeno invadiu o Brasil e São Luís não podia ficar de fora dessa onda ,
com mensagem, bonecos, desenhos e botons, não havia uma adolescente que não
tivesse em seu caderno de escola a mensagem: “amar é...”.
O álbum de figurinhas foi outra diversão da minha geração.
Acho que nunca conclui um álbum, sempre faltava uma ou duas figurinhas para
encerrar. A minha mãe costumava encapar os meus álbuns de tão importantes que
eram. A cidade se envolvia e se motivava na compra e troca de figurinhas. Os
álbuns geralmente eram de filmes épicos, jogadores futebol, artistas, clubes e
países. Tudo era diversão, não havia pressa, não havia wi-fi .
Visitei neste final de semana o meu baú de recordações e respondi
como pude as perguntas de Manoela e descobrir que cada selo, cada livro ou
carta contavam um pouco da história das pessoas em que convivi e da cidade que
nasci e me criei. Manoela entra sem querer para a história do meu baú de ossos.
Um bom domingo a todos!
domingo, 3 de fevereiro de 2019
HISTÓRIAS DE SÃO LUÍS - O
FILIPINHO E AS MUDANÇAS SOCIAIS
A cidade São Luís viveu
no último século um processo de expansão urbanístico significativo. O parque
têxtil maior empregador privado da cidade em meados do século passado foi o
principal responsável pelo tipo de mudança habitacional. Surge as vilas como
solução de moradia para os trabalhadores da indústria têxtil.
As vilas eram um tipo de
moradia comum nas décadas de 1940 a 1960 e foram os embriões dos atuais
conjuntos habitacionais, modelo adotado a partir da década de 1970 com a
finalidade de solucionar o problema de moradia da cidade. E assim a cidade
cresceu com o aspecto de vila ou de conjunto residencial.
A Vila Gracinha situada nas
proximidades da Rua do Passeio, as residências geminadas habitadas por
trabalhadores no Canto da Fabril, as residências com pequenos terraços no
bairro do Anil próximo à Fábrica Rio Anil são exemplos de vilas ocupadas por
operários da indústria têxtil, que visavam substituir os cortiços, um tipo de
habitação popular comum naquela época.
Na década de 1950, o
Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários (IAPC), entrega à cidade
de São Luís o Conjunto Filipinho, projeto residencial moderno e diferenciado,
integrando habitação e funcionalidade. Um pouco depois, na Avenida Getúlio
Vargas no bairro do Monte Castelo, foi entregue pela Fundação da Casa Popular,
o conjunto residencial conhecido como Populazinho e na Avenida Kennedy casas
populares que separavam as duas oreias, a Coreia de baixo e a Coreia de cima, e
no bairro da Alemanha o Conjunto Aldenora Belo.
O Filipinho foi criado
para os trabalhadores do comércio e na década de 1970 em consequência de uma
série de mudanças sociais que aconteciam na cidade, principalmente pela
extinção dos bondes, o principal meio de condução, e a dificuldade de acesso da
população aos meios de transportes automotivos, a classe média emergente começa
a deixar o centro da cidade e o Filipinho ganha status de bairro de classe
média. O bairro estava próximo ao centro e dos dois principais centros de lazer
desta classe social, Clube Litero Português e Clube Recreativo Jaguarema, foi o
bairro preferido para esta mudança de estilo de moradia.
No Filipinho surgiu a
principal churrascaria e sorveteria da cidade. Ponto de lazer e entretenimento,
a Churrascaria Filipinho foi pioneira neste tipo serviço. Tempo depois, no
mesmo local, surgia uma boate com luz negra que rivalizava com a boate Cedro,
situada no então Clube Libanês, atrás do Ginásio Costa Rodrigues.
O bairro do Filipinho
teve a primeira quadra de esporte comunitária construída pelo poder público e ali
pontificavam os amigos Carlito, Braga, Zé Pequeno, Gimba, Tribi, Gildomar e
tantos outros.
A minha irmã tinha uma
casa no Filipinho que servia de ponto de encontro dos amigos e familiares para
as festas de carnaval no Jaguarema. Foi nesta casa que comemorei a minha
aprovação no vestibular do curso de Medicina e tive minha cabeça raspada como
mandava a tradição em uma manhã de domingo pelo meu cunhado Januário.
Uma lembrança de São
Luís!
HAMILTON RAPOSO DE
MIRANDA FILHO.
sábado, 2 de fevereiro de 2019
COMENTÁRIO IV - O POR QUE DO MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA: A evolução da sociedade fez com que surgisse novas classes sociais. Surge a revolução industria e a manufatura passa a ser necessária. O crescimento do mercado tornou a manufatura insuficiente, surge a máquina e a produção industrial. Nasce o novo burguês, tão explorador quanto o feudal
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