segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

A utopia revolucionária no sertão maranhense *

Estamos diante de um conto longo e de um romance pequeno, o que para a crítica dogmática, ainda existente, no entendimento de Otto Maria Carpeaux, diz ser esta “A utopia revolucionária no sertão maranhense”, uma novela, uma representação abreviada entre a vida real e a ficção, entremeada, por isso, como é vezo e natural acontecer no cenário em que se transcende o autor, para assim poder contraponteá-la com lances correlatos e coloridos, de nuances atemporais e surrealistas, como base de sustentação à trama proposta.
A saga, em si, de cunho regionalista, tem como cenário o sertão maranhense a estender-se ao do Piauí, a passar por chãos e barrancas os mais diversos, aonde o autor, como personagem indireta e também aventureira, se propõe determinado a procurar seu avô Abílio Ricardo de Miranda, embrenhado, sem noticias e sem rastros, nas sombras daquelas paragens.
A novela começa com um imigrante português com nome de santo, Francisco de Assis a desembarcar sem lenço e sem documento em Paris, indo morar, Deus sabe como, no Quartier Latin, a vislumbrar-se de inicio com o prédio da Sorbonne, com o Jardim Istambul, com a Igreja de Santa Geneviève e com o Pantheon, onde estão em sossego eterno, os luminares da literatura e das artes francesas, um arremedo de alegria ali viver para a índole curiosa de Francisco, logo ali, um ponto de encontro divertido de artistas e intelectuais.
Talvez esse desassombro de Francisco advenha de sua eugenia, herdada, de um lado, de uma portuguesa com características físicas mais alentejana do que alfacinha, dada por si, sem saber quem eram seus pais, a dizer apenas ter sido criada nas ruas de Lisboa, a receber ajuda e conforto das irmãs do Sagrado Coração de Jesus. Tereza, cujo prenome, em sendo da “santa terrinha”, deveria ser de Jesus, e não de Ávila, cidade de Espanha encastelada por muralhas ciclópicas celebradas por Unamuno. Tereza D’Ávila Moura da Silva, é esse seu nome por inteiro, o seu natural, que nada tem com a imagem barroca da santa castelhana vislumbrada nos altares; mas tudo a ver com a mulher Teresa de Ávila, missionária de cruzadas e martírios o que resultou em nossa irrequieta personagem, atarefada de quefazeres e carregada de aventuras, o codinome de “Tereza Caçambeira”, pela prática de comércio que exercia no interior maranhense. Com esse apelido da mãe e com sua disposição tenaz para a luta, Francisco ficou conhecido por “Francisco de Tereza”. Mas Francisco não era filho do acaso, filho de geração espontânea, o sangue da “Tereza Caçambeira” juntou-se ao do português João Manoel, um operário da indústria naval, de algum estaleiro às bordas de Lisboa, um anarquista envolvido em embates e protestos que morreu durante um confronto com a policia, a atestar, assim, em ser realmente o pai de Francisco, portador em sua corrente sanguínea, da veracidade cientifica e inconteste do sumo das ervilhas, mesmo cozidas, de que nos fala Mendel.
Esse é o foco, o objeto irradiador de outras muitas personagens que compõem esta história de coronéis e de jagunços, à moda de “Tropas e Boiadas”, de Hugo Carvalho Ramos, de “O Tronco” de Bernardo Élis e de “Arraial e Coronel”, de Lena Castelo Branco, este, em razão do desenrolar psíquico-social da história, onde a figura do jagunço, nosso velho conhecido, é aquele ente fiel e subserviente ao mando do coronel, que por sua vez é o oligarca, cujo título se torna hereditário pelas tradições das famílias, aliadas sempre à burguesia urbana, com influência preponderante na região que administra em perfeita simbiose com o meio circundante, em uma espécie de conúbio entre o homem e a terra. É em suma um misto de caudilho e de jagunço por todos nós conhecida, a encontrar-se perfeita, tanto no conceito econômico-político que o faz um ator social, como no conceito econômico-social que o faz um ator político.
As publicações acima citadas, todas do regionalismo goiano, o qual dantes, se separava do maranhense apenas pelo Rio Tocantins, continua a interagir, um com outro, por fortes laços parentais, em meio a outros tantos, a nos fazer espectadores, por estes muitos brasis.
E assim caminha esta “A Utopia Revolucionária no Sertão Maranhense”, à moda de trote de Sendero, onde encontramos a figura eclesiástica, política e autoritária de Dom Amarelim, Bispo de Caxias, onde nos deparamos com práticas de exorcismos, com amores e traições, com os conluios do Padre Ângelo ante o seu curioso superior, com os comentários do Sebastião da Bayer, manipulador prático e dono da farmácia e de outras muitas personagens com atuações de destaques, uns, e coadjuvantes, outros.
Não podemos e nem devemos nos alongar neste novelo emaranhado de acontecimentos e surpresas, para não tirarmos do leitor aquela sensação que se espera do desfecho, de como “Francisco de Tereza” virou anjo, e de como se deu a descoberta e o desaparecimento em definitivo do velho Abílio, avô do autor da bem trabalhada aventura aqui escrita, fio à meada de todo novelo desta saga sertaneja, que nos é chegada pela pesquisa metodológica e pela fértil criação ficcional do médico Hamilton Raposo de Miranda, que com esta emocionante novela se inaugura de modo brilhante na historiografia romanceira maranhense.

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*Fernando Braga, em apontamentos para o livro “A utopia revolucionária no sertão maranhense”, de Hamilton Raposo de Miranda, a ser publicado.
Ilustração: cena do filme “Vidas Secas”, de  Graciliano Ramos.

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