terça-feira, 30 de junho de 2009

USO DA ZIPRAZIDONA EM ESQUIZOFRENIA REFRATÁRIA: UM ESTUDO DE CASO

IDENTIFICAÇÃO: E.R.M, 29 anos, sexo feminino, solteira, estudante universitária, brasileira, maranhense.

HISTÓRIA PESSOAL: Nasceu de parto eutócito e a termo, é a primogênita de uma prole de 3. Teve bom desenvolvimento psicomotor e intelectivo. Apresentou as viroses comuns da infância. Não há registro de episódios convulsivos, traumas, cirurgias ou outras doenças significativas.

HISTÓRIA FAMILIAR: Pais vivos. A mãe tem história de doença depressiva (sic). O pai goza de boa saúde. Possui 2 irmãs, todas vivas e gozando de boa saúde. Não há informação de doença mental (psicose) na família.

HISTÓRIA SOCIAL: Mora em casa própria em boas condições de salubridade. O pai é comerciante e a mãe doméstica. Participam do orçamento doméstico o pai e uma irmã (revendedora de produtos Natura). A paciente estudou e concluiu todas as etapas do ensino fundamental e ensino médio em escola pública, tendo interrompido no pré-vestibular aos 19 anos por conta da sua enfermidade. É evangélica e suas diversões se limitam à participação nos cultos da sua Igreja, assistir televisão e estudar. Tem pouca vida social. Atualmente faz o 6º período do curso de pedagogia na Universidade Estadual do Maranhão. Nega uso de bebidas alcoólicas, tabaco ou drogas ilícitas.

HISTÓRIA CLÍNICA: Paciente em tratamento psiquiátrico desde o dia 20/03/1997, sendo encaminhada por neurologista, devido apresentar perda do interesse por atividades habituais, preocupações excessivas e irrealistas, sentimento de inutilidade, diminuição da vontade, empobrecimento afetivo, alucinações auditivas, delírios, risos imotivados e solilóquios. Encontrava-se em uso de fluoxetina 20 mg/dia. Nessa ocasião prescrevemos haloperidol 5 mg/dia e biperideno 2 mg/dia, que devido a presença de efeitos adversos (rigidez muscular, tremores e sialorréia) substituímos o haloperidol pelo pimozide 4mg/dia. Apesar do controle dos sintomas extrapiramidais, houve aumento da intensidade dos sintomas produtivos (delírios e alucinações) incomodando a paciente e comprometendo o seu funcionamento sócio-familiar. Iniciou o uso de risperidona 6 mg/dia e biperideno 4 mg/dia, sendo interrompido o tratamento devido protusão da língua, crises oculógiras, contorsão do pescoço e galactorréia. Suspenso o tratamento neuroléptico, foi sugerido a administração de prometazina 25 mg/dia por via IM de 12/12 horas até a remissão dos efeitos adversos.
A partir do dia 30/09/1997, 48 horas após remissão dos efeitos colaterais do neuroléptico, o tratamento foi reiniciado com o uso de olanzapina 5 mg/dia e posteriormente 10 mg/dia, havendo melhora dos sintomas positivos e pouca melhoras dos sintomas negativos. A paciente fez uso dessa medicação até o dia 30/01/1998, tendo interrompido o tratamento devido o alto custo da medicação (olanzapina) e também por não apresentar a melhora esperada pelos familiares.
A referida consultante, por influência da sua genitora, alegando “influências malignas”, suspendeu totalmente o tratamento psiquiátrico e envolveram-se com o movimento Pentecostal da sua cidade, ficando até o dia 30/04/1998 sem acompanhamento especializado, quando apresentou quadro de alucinações auditivas, delírios de culpa, inquietação motora, fugas domiciliares, impulsos agressivos e depredatórios e resistência para o tratamento ambulatorial, sendo encaminhada para internação em clínica psiquiátrica. Recebeu alta 15 dias depois usando levomepromazina 300 mg/dia, haloperidol 15 mg/dia, biperideno 4 mg/dia e prometazina 75 mg/dia (VO). Permaneceu com esta prescrição até o dia 30/03/1999 quando apresentou nova recaída, sendo encaminhada para nova internação, ficando mais 15 dias internada e recebendo alta em uso de pimozide 4 mg/dia, biperideno 4 mg/dia, levomepromazina 100 mg/dia e diazepan 20 mg/dia.
Em 23/05/2001 devido inquietação motora e idéias delirantes intensas e incomodativas, a paciente foi encaminha para hospital dia, apresentando durante a internação melhora apenas do quadro produtivo (delírios). Fez uso de pimozide 4 mg/dia, levomepromazina 100 mg/dia, biperideno 2 mg/dia e olanzapina 10 mg/dia.
A partir de 26/02/2002, devido os constantes episódios de reagudização ou pelo prejuízo cognitivo, a paciente fez uso de risperidona, tioridazida, olanzapina, pimozide, levomepromazina e biperideno sem apresentar melhora significativa global do quadro psicopatológico. No dia 30/12/2002 a paciente começou a fazer de clozapina 150 mg/dia, sendo suspenso a medicação no dia 26/03/2003 devido alterações hematológicas.
No dia 05/05/2003 a paciente iniciou tratamento com ziprazidona, inicialmente 80 mg/dia e posteriormente 160 mg/dia. Os efeitos benéficos se tornaram evidentes quando a consultante, após 60 dias de tratamento demonstrou interesse em fazer vestibular, matriculou-se em um cursinho preparatório e foi aprovada 6 meses depois para o curso de pedagogia da Universidade Estadual do Maranhão. Atualmente apresenta um desempenho acadêmico satisfatório, comparece sempre desacompanhada no consultório para as consultas de avaliação, informa queixas e se preocupa com sua recuperação global. Demonstra pelo tempo de enfermidade e pela dificuldade em alcançarmos a terapêutica farmacológica ideal leve prejuízo cognitivo, sem comprometer sua capacidade de atuação. Não evidenciamos delírios e alucinações. Possui bom desempenho sócio-familiar e normalmente passa suas férias em outro estado em casa de parentes e costuma viajar sozinha.

DIAGNÓSTICO: F20.0 – Esquizofrenia tipo paranóide.

CONCLUSÃO: O quadro descrito demonstra a dificuldade de como escolher um medicamento, observando a eficácia e a tolerabilidade, dentro das estratégias terapêuticas do médico assistente e do quadro clínico apresentado. É evidente as diversas tentativas farmacológicas aplicada ao caso, como também é evidente a presença de diversos efeitos colaterais típicos dos antipsicóticos devido a susceptibilidade da paciente. Dentre as tentativas farmacológicas, ressalta-se o uso inicial de neuroléptico clássico isolado e combinado com outro clássico ou com atípico. O uso de neuroléptico atípico isolado ou combinado, também é evidente e com resultados iniciais não satisfatórios. A presença de efeitos adversos comprometeu o tratamento em diversos momentos.
Há evidências no caso clínico apresentado, da persistência da paciente e dos familiares na manutenção do tratamento, havendo apenas um registro de abandono, situação que motivou sua 1ª internação.
Apesar da procura farmacológica mais adequada para a paciente (remissão de sintomas e baixa incidência de efeitos adversos), observou-se que em alguns momentos havia melhora de alguns sintomas (sintomas positivos) e permanência dos sintomas negativos (pobreza afetiva, desinteresse, apatia,...), fato que comprometia a funcionabilidade sócio-familiar e a reintegração social da paciente. O uso de neurolépticos atípicos foi comparável ao uso de neurolépticos clássicos, tanto na questão de benefício como na tolerabilidade. Em alguns houve necessidade de interrupção imediata devido efeitos extrapiramidais ou por alterações hematológicas, em outro caso a interrupção se deu por não haver melhora dos sintomas negativos na dose recomendada. O emprego isolado da ziprazidona em dose crescente, possibilitou uma adequação da substância ao organismo, sendo que o único efeito adverso foi observado nos primeiros dias de uso, a sonolência, que desapareceu com o reajuste da dose recomendada 15 dias depois.
O uso de ziprazidona na dose de 160 mg/dia dividido em 2 tomadas, fez com que a paciente retomasse as suas atividades sociais e culturais interrompidas pela enfermidade, principalmente pelo alívio dos sintomas positivos (delírios e alucinações) e pela melhora acentuada dos sintomas negativos (apatia, desinteresse, ....). Ressalta-se o excelente perfil de tolerabilidade da medicação e a baixa incidência de efeitos colaterais, não sendo preciso interrupção do tratamento ou modificação da substância farmacológica.
A evolução do quadro mostra a eficácia da ziprazidona para o tratamento da esquizofrenia, a boa tolerabilidade e conseqüente adesão satisfatória do paciente ao tratamento tanto na fase aguda como na fase de manutenção.

REFERÊNCIAS:
DALGALARRONDO, PAULO. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Ed: Guanabara-Koogan, RJ, 2000

EPUSTAHL, STEPHEN M. Psicofarmacologia- Base Neurocientífica e Aplicações Práticas. Ed: Guanabara-Koogan, RJ, 2002.

KAPLAN, HAROLD. Compêndio de Psiquiatria. Ed: Artes Médicas, Porto Alegre, 2000


HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO
MÉDICO ESPECIALISTA EM PSIQUIATRIA
PROFESSOR DO CURSO DE MEDICINA DO UNICEUMA
hamiltonraposo@gmail.com

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