sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

 A BEATA DA IGREJA DA SÉ (PERSONAGENS DE SÃO LUÍS).

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

Diariamente uma mulher negra, com a aparência cansada, de baixa estatura, emagrecida e sempre vestida como se fosse uma freira, amanhecia no pátio da Igreja da Sé com uma bíblia desgastada pelo tempo e pelo uso, e ali começava a falar verborragicamente e initerruptamente versículos bíblicos e palavras desconexas todos os dias, e só se retirava no final da tarde quando as portas da igreja se fechavam.


Aquela mulher era uma “beata” para uns ou louca para outros, pouco se alimentava ou ingeria algum líquido durante a sua pregação solitária. Passava o dia falando de Deus, do mundo e de qualquer coisa que florescesse em sua mente.


A jornalista Patrícia Cunha em janeiro de 2018, em uma matéria para o Jornal Imparcial, descrevia a mística da Igreja da Sé com uma aparência altiva e falante. “A beata da Sé” como a jornalista preferiu chama-la, tinha o nome de Joana Vieira Muros e uma história de vida, sacrifício, luta e devoção.


O sofrimento, a viuvez, o abandono e a incompreensão de muitos, inclusive de clérigos, aos pouco foram consumindo o pouco que restava de sua saúde mental.


Conheci a “beata” e tive a oportunidade de conversar com ela no Hospital Nina Rodrigues, acho que no final da década de 1980 ou começo de 1990, quando a elite religiosa de São Luís tentou interna-la compulsoriamente neste hospital. Pouco falamos, e após a retirada dos policiais que a levaram para o hospital, apontei para a “beata” a porta de saída do hospital, informando que ela só ficaria internada se quisesse, logicamente que do jeito que ela chegou, ela saiu.


A minha atitude contrariou o diretor do hospital que temia alguma represália judicial para mim e para ele, por desobediência a uma ato judicial, afinal era uma internação compulsória, porém injusta.


A “beata da Sé” saiu pela porta da frente do Hospital Nina Rodrigues e nunca mais voltou.


Dona Joana Vieira Muros, a “beata da Igreja da Sé”, é mais uma personagem de São Luís

sábado, 18 de janeiro de 2025

 

TRADIÇÃO, BARES E A MEMÓRIA AFETIVA (2023).

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

No último final de semana conversei com meu cunhado e afilhado, o cineasta Beto Maatuck, sobre a perda de referências na cidade ou a despreocupação do maranhense em conservar as mais autênticas identidades do povo e da cidade de São Luís. Comparamos com Belo Horizonte e ali se preservou uma cultura rigorosamente mineira: a cultura do pão de queijo, cachaça, leitão a pururuca, torresminho e doce de leite.

Certa vez neste espaço de convivência social, comentei sobre o pão cheio, o primeiro fast food genuinamente maranhense, sobre o quebra-queixo e do sorvete de coco na casquinha. Tudo isto deveria ser preservado como patrimônio cultural, histórico e gastronômico de São Luís. Uma identidade alimentar popular que o americano costuma chamar de comida de rua.

A nossa conversa contou com a participação do meu sogro, Ribamar Mathias, padeiro de profissão e filho do imigrante libanês Neif Mathias, antigo proprietário da Farmácia Popular, situada no Largo do Carmo. Nas proximidades da Farmácia Popular, a paisagem urbana e humana oferecia ao ludovicense o indiscutível sanduiche de peru, vendido na entrada do Edifício São Luís pelo empreendedor e futurólogo Moacir Neves, responsável por diversos empreendimentos imobiliários na cidade, dotado de inúmeras funções sociais e uma chamava atenção, a capacidade de vidência, que lhe fez guru de diversas autoridades.

O Bar do Castro situado no final da Rua do Sol, além da cerveja antártica estupidamente gelada na salmoura, o bar dispunha de mesas de sinuca para lazer e apostas. Reduto de boêmios, jornalistas, intelectuais e mortais comuns, fez época e não se fez tradição.

O Moto Bar o mais tradicional reduto boêmio da cidade fechou com o falecimento de Serafim Tavares Roque. Poucos se lembram do Moto Bar e do português Serafim, e muito menos das especialidades da casa: refresco de maracujá, azeitona portuguesa no azeite, pernil de porco, queijo de cuia e presunto de fabricação caseira.

A Praça João Lisboa, o antigo Largo do Carmo, sempre foi o coração da cidade, e de onde saia as decisões políticas e de onde se podia deliciar com o chá de pega-pinto na Fonte Maravilhosa ou tomar uma cafezinho no Bar do Jorge, restou apenas a lembrança.

O Bar do Hotel Central o mais eclético bar de São Luís, ponto de encontro de juristas, jornalistas, boêmios e da sociedade. O bar oferecia muito além de uma cerveja gelada ou do cigarro importado, oferecia o melhor sorvete de ameixa e de chocolate do mundo, nada se compara com estes sorvetes, nem isto restou como tradição.

Na Rua Grande, em frente da Padaria Cristal, ficava um dos bares mais tradicionais de São Luís, o Bar do Narciso, famoso por sua cerveja gelada e que disputava a preferência com o Bar do Castro. A Padaria Cristal rivalizava com Padaria Portuguesa a preferência por pães e doces na Rua Grande. Restaurantes famosos existiram, todos simples e com comida honesta, e cito o Restaurante Colombo, situado em frente ao Edifício Caiçara, com o seu famoso bife acebolado ou bife a cavalo, que saciou a fome de muitos e não fez tradição.

O Bar do Chico com seus pasteis e do suco de laranja da terra não existe mais e nem fez tradição, assim como o Bar do Cajueiro na Rua Afonso Pena, restou apenas o espaço material e a falta de memória.

O abrigo da Praça João Lisboa sobreviveu sem o olhar da vigilância sanitária e sem a lembrança da lanchonete do Guará com sua famosa abacatada e pão com ovo frito. Nada mais existe e muito menos a tradição.

Ozias Filho

Quando estudava no Liceu Maranhense,

sábado, 11 de janeiro de 2025

 CASAS, RESIDÊNCIAS, HISTÓRIA E RESISTÊNCIA.

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

As construções residenciais de São Luís referentes às décadas de 1950 e 1960 representam a primeira e mais profícua transformação paisagística da cidade, uma das fases mais transformadora para o que a cidade é hoje ou pensa em ser.


Diversas residências situadas no centro de São Luís ou em bairros próximos e emergentes para época, ainda se mantêm em sua opulência e beleza, alguns desfigurados ou transformados em pontos comerciais, repartições públicas ou em estacionamentos privados. Estas construções que resistem às transformações da cidade e passam despercebidas dentro do contexto de valorização do mal cuidado centro histórico e colonial.


Na Rua de Santa Rita a residência de Heitor Franklin da Costa se enquadra neste contexto estético. O piso da garagem em cerâmica vermelha, encerado com cera de carnaúba é de uma beleza indescritível. Na Rua dos Remédios, esquina com a Rua dos Afogados, tem um dos mais belos exemplares da arquitetura maranhense, a residência do Dr. Ernane Barros, hoje uma clínica de Ortopedia. Na Rua das Hortas podemos ainda admirar o prédio da Justiça Federal em frente a Praça Odorico Mendes, a residência de Dr. Gabriel Cunha, hoje Fundação Josué Montelo e diversas outras construções da década de 1950. Na Rua do Sol, esquina com a Rua de Santa Rita, chama à atenção a antiga residência da família Francis. A Avenida Beira-Mar conserva diversas casas belíssimas e de grande valor histórico, como a residência do ex-governador Pedro Neiva de Santana e do ex-prefeito Haroldo Tavares.


Saindo do centro da cidade, no coração do Canto da Fabril, uma residência resiste ao tempo, ao abandono e ao descaso público, a residência da família de Cesar Aboud, construída em pré-moldados importados da Inglaterra. Este exemplar da arquitetura maranhense, que se encontra em ruína, resiste a pouca importância dos gestores públicos com a história. Esta casa conta a história têxtil e política do Maranhão e não entendo como se joga no lixo a história de um passado progressista. No bairro do Monte Castelo a residência de Eduardo Aboud, onde funcionou uma clínica urológica, é outra construção que merece ser vista pela beleza e importância social e histórica. A residência da família Mendonça, chamada casa das bolas, adquiridas pela família de um famoso maçom da cidade, que retratava através daquelas bolas moldadas em toda a sua fachada, os triângulos referentes a simbologia maçônica. Mais acima, no chamado bairro do Apeadouro, um conjunto de residências representam a imponência deste período, e ali ficavam as residências da família Moraes Correia, de Robert e Edna Abreu, Gentil e Noris Garrido, Carlos e Zelinda Lima, e da família de Manduca Bogéa com a famosa águia guardando a entrada da casa e de outros belos exemplares do período que fizeram a cidade mais bonita e mais feliz.


A estética da cidade não ficou restrita às construções residenciais, a cidade despertava e se expandia além do Canto da Fabril. O projeto da Avenida Kennedy e a entrega de casa populares ao longo da avenida, entre a confluência da Avenida Kennedy com a Avenida Vitorino Freire até a Praça da Bíblia, foi o marco do crescimento da cidade para a periferia. O conjunto Filipinho, projetado por uma cooperativa, mantém as mesmas características até hoje. O conjunto Aldenora Belo foi responsável pelo surgimento e crescimento dos bairros da Alemanha, Ivar Saldanha e da Avenida dos Franceses, todos resistem bravamente ao tempo e ao crescimento urbano da cidade.  


São Luís resiste a tudo, sobrevive resistindo a todas as descaracterizações, desorganização, omissão e modismos, mesmo assim, permanece sendo a cidade mais bonita do Brasil!

domingo, 5 de janeiro de 2025

 

A RESISTENCIA DA VINAGREIRA E DO JONGOME.

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

Existe uma grande disputa no mundo contemporâneo e particularmente nos canais fechados de televisão, uma guerra sem fronteiras entre os adeptos da alimentação tipo fast food e os adeptos da alimentação natural, refletindo a disputa, na quantidade de programas e de reality shows na televisão. Aqui em São Luís esta disputa é bem mais antiga e a mistura de ingredientes culinários parece ser da nossa herança cultural e multirracial.

Confesso que sou de uma época em que lanche era merenda, lancheira era merendeira, professor era professor e tia era irmã da minha mãe ou do meu pai. A hierarquia era preservada e a alimentação preparada sem alternativos. A merenda que eu levava para a escola era preparada pela minha mãe, pão com ovo ou pão com goiabada, refresco de maracujá ou laranjada. Não existia suco. Suco é contemporâneo. Cola Jesus fugia o gás e ficava sem sabor.

A contemporaneidade gastronômica ludovicense está relacionada com a chegada do milk shake de chocolate e do misto quente na lanchonete da Loja Acácia e com o Restaurante Palheta no Aeroporto do Tirirical. O pão com manteiga ou com goiabada foi substituído pelas novidades da Loja Acácia. Aos poucos os hábitos provincianos ganharam feição americanizada e aos poucos íamos deixando de ser maranhense.

O café da manhã agora é breakfast. Substituiu-se o mingau de milho ou de tapioca, o cuscuz e beiju, por granola, pão integral, queijo branco e geleia. Alguns teimam em comer panquecas no café da manhã. Cará, macaxeira e bolo frito aos poucos saíram de cena. Entraram novos ingredientes no cardápio. O famoso e inigualável Cuscuz Ideal cedeu lugar aos cereais, e a primeira vez que ouvir alguém falar de cereais matinais, foi através do meu amigo Adolfo Paraiso há muito tempo, quando ainda fazíamos judô com o Professor Major Vicente Leitão da Rocha.

A tradicional juçara com farinha d’agua e camarão seco, ganhou uma versão sofisticada, agora é açaí e passou-se a tomar com mel, banana, guaraná e com a indigesta granola. Combinações saudáveis, porem aculturais.

Substituir o peixe pedra, a pescadinha boca-mole ou o uritinga por salmão de cativeiro, além de ser um absurdo, não tem o sabor da nossa maranhensidade gastronômica. Trocar a vinagreira, o jongome ou cheiro verde por acelga, brócolis ou alho-poró, é fugir das nossas raízes, é deixar o bumba-meu-boi e sair dançando a cumbia como se estivéssemos em Bogotá.

Proponho uma resistência gastronômica, uma guerra aos invasores da nossa cultura gastronômica, para não se trocar o nosso tradicional cachorro quente com a grife do inimitável Companheiro, pelo invasor hot-dog ou cachorro quente gourmetizado; o nosso tradicional caldo de cana pelo sulista e capitalista suco de frutas vermelhas; o azeite de coco babaçu pelo condenado óleo de canola ou o famosíssimo e delicioso pão cheio pelo igualmente capitalista, invasor e dominante hambúrguer. Não troque sua pitomba pelo transgênico morango e muito menos sua seriguela pelo azedo kiwi. Resista!