TRADIÇÃO, BARES E A MEMÓRIA AFETIVA (2023).
HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO
No último final de semana conversei com meu cunhado e
afilhado, o cineasta Beto Maatuck, sobre a perda de referências na cidade ou a
despreocupação do maranhense em conservar as mais autênticas identidades do
povo e da cidade de São Luís. Comparamos com Belo Horizonte e ali se preservou
uma cultura rigorosamente mineira: a cultura do pão de queijo, cachaça, leitão
a pururuca, torresminho e doce de leite.
Certa vez neste espaço de convivência social, comentei sobre
o pão cheio, o primeiro fast food genuinamente maranhense, sobre o
quebra-queixo e do sorvete de coco na casquinha. Tudo isto deveria ser
preservado como patrimônio cultural, histórico e gastronômico de São Luís. Uma
identidade alimentar popular que o americano costuma chamar de comida de rua.
A nossa conversa contou com a participação do meu sogro,
Ribamar Mathias, padeiro de profissão e filho do imigrante libanês Neif
Mathias, antigo proprietário da Farmácia Popular, situada no Largo do Carmo.
Nas proximidades da Farmácia Popular, a paisagem urbana e humana oferecia ao
ludovicense o indiscutível sanduiche de peru, vendido na entrada do Edifício
São Luís pelo empreendedor e futurólogo Moacir Neves, responsável por diversos
empreendimentos imobiliários na cidade, dotado de inúmeras funções sociais e
uma chamava atenção, a capacidade de vidência, que lhe fez guru de diversas
autoridades.
O Bar do Castro situado no final da Rua do Sol, além da
cerveja antártica estupidamente gelada na salmoura, o bar dispunha de mesas de
sinuca para lazer e apostas. Reduto de boêmios, jornalistas, intelectuais e
mortais comuns, fez época e não se fez tradição.
O Moto Bar o mais tradicional reduto boêmio da cidade fechou
com o falecimento de Serafim Tavares Roque. Poucos se lembram do Moto Bar e do
português Serafim, e muito menos das especialidades da casa: refresco de
maracujá, azeitona portuguesa no azeite, pernil de porco, queijo de cuia e
presunto de fabricação caseira.
A Praça João Lisboa, o antigo Largo do Carmo, sempre foi o coração
da cidade, e de onde saia as decisões políticas e de onde se podia deliciar com
o chá de pega-pinto na Fonte Maravilhosa ou tomar uma cafezinho no Bar do
Jorge, restou apenas a lembrança.
O Bar do Hotel Central o mais eclético bar de São Luís, ponto
de encontro de juristas, jornalistas, boêmios e da sociedade. O bar oferecia
muito além de uma cerveja gelada ou do cigarro importado, oferecia o melhor
sorvete de ameixa e de chocolate do mundo, nada se compara com estes sorvetes,
nem isto restou como tradição.
Na Rua Grande, em frente da Padaria Cristal, ficava um dos
bares mais tradicionais de São Luís, o Bar do Narciso, famoso por sua cerveja
gelada e que disputava a preferência com o Bar do Castro. A Padaria Cristal
rivalizava com Padaria Portuguesa a preferência por pães e doces na Rua Grande.
Restaurantes famosos existiram, todos simples e com comida honesta, e cito o
Restaurante Colombo, situado em frente ao Edifício Caiçara, com o seu famoso
bife acebolado ou bife a cavalo, que saciou a fome de muitos e não fez
tradição.
O Bar do Chico com seus pasteis e do suco de laranja da terra
não existe mais e nem fez tradição, assim como o Bar do Cajueiro na Rua Afonso
Pena, restou apenas o espaço material e a falta de memória.
O abrigo da Praça João Lisboa sobreviveu sem o olhar da
vigilância sanitária e sem a lembrança da lanchonete do Guará com sua famosa
abacatada e pão com ovo frito. Nada mais existe e muito menos a tradição.
Ozias Filho
Quando estudava no Liceu Maranhense,
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