sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

 CARNAVAL COM RUM MONTILA E COCA-COLA

HAMILTONRAPOSO DE MIRANDA FILHO

Venho acompanhando à distância, como dizia o imortal Herbert Fontenele, a resistência e discussões dos promotores da cultura e carnavalescos com os gestores públicos, diante da situação financeira do país, do estado, da capital e da briga de confete e serpentina entre o governador e o prefeito para quem faz o melhor carnaval em São Luís. Confesso que venho de uma São Luís bem mais tranquila, com pouco mais de 300 mil habitantes e que não tinha nenhuma preocupação com a realização do carnaval, ele acontecia naturalmente, espontaneamente.


Havia, indiferente às crises sociais, econômicas ou políticas, uma efervescência indisciplinada e transgressora, que movia a cidade em seu conjunto cultural e social voltada exclusivamente para a desorganização do carnaval. Existia porém, uma lógica cartesiana, as tardes pertenciam aos blocos de sujos, blocos tradicionais e escolas de sambas sem abre-alas, comissão de frente ou destaques; as noites eram reservadas para os clubes sociais, Jaguarema, Litero, Cassino Maranhense, Montese, Clube dos Sargentos e Califórnia Clube de Campo para os mais afoitos e corajosos. 


As crises pessoais, sociais e econômicas acabavam sempre após a primeira dose de Rum Montila com Coca-Cola, a bebida da época, causadora de uma ressaca mortífera, e em termo comparativo, seria o Corote contemporâneo.


O cotidiano da cidade era bem rígido, São Luís adormecia às 22 horas após as novelas Saramandaia, Ossos do Barão ou após as peripécias políticas e sexuais de Odorico Paraguaçu no Bem-Amado. As manhãs eram reservadas para as obrigações escolares, frequentávamos o Liceu, Marista, Escola Normal, Rosa Castro, Santa Teresa, Atheneu, São Vicente, Escola Técnica, Cardoso Amorim, CEMA, Centro Caixeral e Colégio São Luís. A tarde tínhamos a única opção de lazer na cidade, passear ou marcar ponto, como se dizia na época, na Rua Grande, o nosso shopping center, ali tínhamos cinema, lanchonetes e a única escada rolante da cidade. 


A cidade guardava-se pacientemente para o carnaval. Não havia preparação oficial, a espontaneidade transgressora organizava a bagunça, e todos se pervertiam na inocência do carnaval de São Luís. 


As manhãs carnavalescas e pré-carnavalesca passavam pelo Grêmio Litero Recreativo Português com suas matinais carnavalescas. A noite a alegria se repetia também nos outros clubes sociais. Vale lembrar a disputa que existia entre os clubes sociais para quem fazia a melhor festa, ou qual a melhor banda carnavalesca. Era um privilégio ter um Nonato e seu Conjunto ou os Fantoches animando as festas e somente a presença destas bandas, já era garantia de sucesso em qualquer festa carnavalesca. Havia o desfile de fantasias no Jaguarema com as presenças alegre e divertida de Benys, Bezerra e de Chico Coimbra.  Os namoros juvenis começavam no Jaguarema, mas não resistiam às matinais do Litero. 


As festas tinham o perfume proibido do lança-perfume e o sabor de Rum Montila com Coca-Cola. Aos poucos o confete e serpentina deram lugar à maisena. São Luís mudava e com ela o carnaval também mudava, a Turma do Quinto perdeu o seu clarim, a Águia do Samba desapareceu e o Imperador do Samba perdeu a sua autoridade monárquica.

Viva o carnaval e renove-se.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

 BARILOCHE FUTEBOL CLUBE E O MURO DA CASA DE GEDEÃO

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

O transporte coletivo de São Luís sempre foi um problema. Houve um tempo, em decorrência da falta de ônibus, que a maioria dos veículos de transporte eram kombis, a simpática van da Volkswagen, chamadas pela população de lotação e que hoje seriam as vans de transporte alternativo. E justamente nestas Kombis é que o Bariloche Futebol Clube embarcava e desembarcava para as suas partidas de futebol no Jaguarema ou na Ponta D’Areia.


O Bariloche era um time de pelada que foi formado durante as férias de julho em São José de Ribamar na década de 1970 e permanecido como time de pelada por alguns anos.

Jogavam no Bariloche Rui e Rubem Lamar, Stelinho, Geraldo Mathias, Paulo, Paulista, Valois, eu, Zé Lopes, Gedeão, Afonso e outros que passavam temporariamente para reforçar o time em algum clássico de “pernas de pau”.


A dissolução do Bariloche aconteceu por absoluta falta de vitórias e nas poucas que aconteciam, tivemos a providencial ajuda de São Pedro, sempre chovia nos dias em conseguimos vencer algum adversário. O desempenho do time era sofrível se comparado com o Fluminense de Ricardo Dualibe, Paulo Sérgio Oliveira e Fred; do Flamengo de Fernando Sarney, Tininho e Lobatinho. Resolvemos acabar o time, afinal de conta não queríamos ser um Íbis da vida, considerado como o pior time do mundo!


Após a dissolução do time, eu, Rubem e Rui fomos jogar na Medicina; Paulo e Paulista formaram um grupo de pagode e resolveram estudar, na música eram piores que no futebol, Paulo é administrador em Belém e Paulista trabalha em São Paulo; Geraldo é engenheiro aposentado; Valois foi escrivão da Polícia Federal e foi descansar no céu; Zé Lopes e Stelinho são comerciantes; Gedeão é advogado. Penso que o Bariloche além de formar amigo, serviu também para formar cidadãos e profissionais.


Éramos muitos unidos e aprendemos a dirigir ao mesmo tempo e da maneira mais irresponsável e menos recomendável que existe. Rubens Lamar sabia passar a marcha ré no automóvel do seu pai. Retirávamos escondido o carro sempre depois das 22 horas, enquanto dormia embalado pela brisa de São José, e nos revezarmos na direção. O percurso era grande, contornávamos a Igreja, subíamos a Rua Grande até o Cruzeiro e voltávamos pela Rua Grande repetindo o percurso com cada um na direção, sem nenhuma responsabilidade ou orientação.


Essa autoescola improvisada e ilegal acabou quando Paulo e Rubens derrubaram o muro da casa de Gedeão. A confusão estava formada. Todos foram punidos, inclusive Gedeão, vítima e algoz ao mesmo tempo. O assunto foi amplamente discutido entre as meninas, companheiras das férias: Lucia e Fátima Mathias, Celinha irmã de Paulo, Fátima Queiroz, Maria Estela, Lídia e Liduina, Raquel, Helena, Gracinha, Mônica e Ana Maria irmã de Stelinho. 


As férias acabaram, nossos pais tiveram que pagar o prejuízo e o grupo nunca mais se encontrou com o fim do Bariloche Futebol Clube, uma pena, mas ficou a lembrança e o meu casamento com a Lúcia anos depois

sábado, 15 de fevereiro de 2025

 CHAUFFEUR, UMA HOMENAGEM AO SEU JACINTO, ASTROLÁBIO E TODOS OS CHOFERES DE SÃO LUIS (PERSONAGENS DE SÃO LUÍS)!

HAMILTON RAPOSODE MIRANDA FILHO


A vocação cosmopolita de São Luís é surpreendente. São Luís é ilha rebelde, Atenas Brasileira, Jamaica Brasileira, ilha do amor ou simplesmente, São Luís.


São Luís nasceu com o charme típico dos franceses, foi cortejada por piratas holandeses e foi a musa inspiradora dos portugueses. A cidade é indiscutivelmente a mais europeia das cidades brasileiras, ou melhor, da zona equatorial, e o que se discute há algum tempo, muito antes do que as outras cidades, é a questão da mobilidade urbana, transporte público, tarifa única, bilhete eletrônico e concorrência pública. Até um VLT já tentaram implantar como solução de transporte público, ligando o nada a coisa alguma. Agora a discussão é sobre o BLT.


Houve um tempo, mais precisamente na década de 1960, que todas as categorias profissionais se manifestavam, e se um entrava em greve, logo o outro também entrava. Eram bancários, marinheiros, motorneiros, comerciários, estudantes, funcionários públicos e camponeses, todos reclamavam de alguma coisa, geralmente se a questão era sobre o piso salarial, condição de trabalho ou liberdade democrática. 


Havia em São Luís uma categoria profissional, os choferes, que não se manifestavam por nada e nem se deixavam manifestar. Automóveis e ônibus quase não existiam. O ônibus mais conhecido na cidade era o “cara baixo” e disputava a preferência dos usuários com os bondes, principalmente para os que se dirigiam para o João Paulo, Cutim do Padre e Anil. 


Chauffeur ou chofer em um afrancesado maranhense, era o profissional que dirigia um veículo automotor, e como a nossa vocação sempre foi em virar Paris, assim tratávamos os nossos condutores de veículos, motoristas eram os que lidavam com motores, depois, com a massificação do transporte urbano, os choferes passaram a ser chamados de motorista. 


O termo motorista, sem nenhum charme maranhense, foi incorporado ao nosso palavreado através do contato com o proletariado paulista, substituindo o chauffeur por motorista.


O chauffeur não fazia paralização e ninguém imaginava um Jacinto, Astrolábio, Vadeco, Alemãozinho, Sebastião, Paulo Veiga, Zé Espicha ou Jacu parando um Bel Air 56, Dodge 51, Hudson, Studeback, Citroen ou Perfect em plena Praça João Lisboa e impedir a passagem do Bonde de São Pantaleão. Isto seria um absurdo. 


O charme francês dos nossos choferes não tinha as mesmas características dos motoristas, não eram operários e muito menos sindicalizados, eram chauffeur.  


A elegância do seu Jacinto, que além de chauffeur, era um educador de trânsito, e assim o fez, ao se aposentar, enveredar por aquilo que fazia de melhor: Ser Professor. O seu Jacinto, como era chamado, sempre de terno de linho branco, fazia ponto no Posto Hilmam, ao lado do antigo Hotel Serra Negra.


Um chauffeur conduzia geralmente um carro de praça e em São Luís não se chamava de taxi, chamava-se de carro de praça, na verdade um antecessor dos urbes ou dos carros lotação, que os paulistas adoram e imaginam que foram eles os pioneiros deste meio de condução. 


O “carro de praça” dos elegantes choferes virou com a explosão demográfica, o popular “carrinho”, o conhecido meio de transporte que serve principalmente o bairro do Anjo da Guarda ao Centro da Cidade. O “carrinho” do Anjo da Guarda, os motorneiros dos simpáticos e saudosos bondes e os nossos choferes, por questão de elegância, charme e independência, deveriam ser considerados patrimônio imaterial de São Luís.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

 A PRAÇA JOÃO LISBOA, O REINADO DO REI DOS HOMENS!

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

A Praça João Lisboa é o coração da cidade de São Luís, também conhecida como Largo do Carmo, uma homenagem a Igreja Nossa Senhora do Carmo e ao Convento dos Frades Capuchinhos.

A praça foi inaugurada em 1901 pelo Governador João Gualberto Torreão da Costa e pelo Intendente Alexandre Colares Moreira Junior, em homenagem ao grande escritor, jornalista, historiador, deputado provincial e patrono da cadeira número 18 da Academia Brasileira de Letras, João Francisco Lisboa, nascido em 1812 no município de Pirapemas e falecido na cidade de Lisboa, no dia 26 de abril de 1863.

A Praça João Lisboa sempre foi o ponto nevrálgico de São Luís, além de ter sido importante centro financeiro, foi também importante centro comercial e político. Atrevo-me a dizer, que a Praça João Lisboa foi o mais importante centro político da capital maranhense. Foi da Praça João Lisboa que ecoaram os inflamados discursos de Neiva Moreira, deputado cassado e exilado pelo golpe militar de 1964, e de Lino Machado, fundador do Partido Republicano e deputado constituinte de 1946. Foi Lino Machado o fundador do Jornal O Combate, principal veículo de oposição ao PSD de Vitorino Freire.

Foi na Praça João Lisboa que se iniciou a greve de 1950, que transformou a cidade de São Luís em clima de guerra civil. Foi na Praça João Lisboa, na sacada da Igreja Nossa Senhora do Carmo, que Jânio da Silva Quadros fez o mais inflamado discurso da eleição presidencial de 1960.

A Praça João Lisboa ou o Largo do Carmo, sempre será o coração e o sistema nervoso da cidade e ali, bem em frente a igreja, funcionou durante anos, até o final da década de 1970, o senado da praça ou senadinho, como costumavam chamar os seus membros, entre estes tinha jornalistas, advogados, empresários, políticos, estudantes, professores, médicos,..., todos liderados pelo “Presidente Vitalício”, Michel Nazar.

Entretanto, quem reinou na Praça João Lisboa de forma altiva, às vezes petulante, outras vezes com um comportamento ameaçador, foi um personagem caricato e popularmente chamado de Rei dos Homens.

Rei dos homens estava sempre vestido com um paletó surrado pelo tempo, e por baixo, várias camisas puídas e desgastada pelo uso, dando-lhe um aspecto de maltrapilho sem realeza.

Em um artigo publicado na Folha de São Paulo em 2004, o ex-presidente e escritor José Sarney, trata o Rei dos Homens como um homem magro, alto, pálido de olhos avermelhados.

Rei dos Homens entre um trago e outro, fazia previsões, falava sozinho e se dizia enviado de Deus e em seus delírios místicos, confundia santidades com pessoas comuns e mortais.

Rei dos Homens, segundo o escritor José Sarney, tinha o nome Iwalter; para alguns frequentadores do abrigo da Praça João Lisboa, companheiros de copo e de cruz do Rei dos Homens, afirmavam que o verdadeiro nome de Rei dos Homens era Raimundo Nonato e que ele tinha familiares que moravam no bairro do Monte Castelo.

Rei dos Homens é um personagem da Praça João Lisboa e de São Luís que infelizmente não deixou nenhum herdeiro em seu reinado