CARNAVAL COM RUM MONTILA E COCA-COLA
HAMILTONRAPOSO DE MIRANDA FILHO
Venho acompanhando à distância, como dizia o imortal Herbert Fontenele, a resistência e discussões dos promotores da cultura e carnavalescos com os gestores públicos, diante da situação financeira do país, do estado, da capital e da briga de confete e serpentina entre o governador e o prefeito para quem faz o melhor carnaval em São Luís. Confesso que venho de uma São Luís bem mais tranquila, com pouco mais de 300 mil habitantes e que não tinha nenhuma preocupação com a realização do carnaval, ele acontecia naturalmente, espontaneamente.
Havia, indiferente às crises sociais, econômicas ou políticas, uma efervescência indisciplinada e transgressora, que movia a cidade em seu conjunto cultural e social voltada exclusivamente para a desorganização do carnaval. Existia porém, uma lógica cartesiana, as tardes pertenciam aos blocos de sujos, blocos tradicionais e escolas de sambas sem abre-alas, comissão de frente ou destaques; as noites eram reservadas para os clubes sociais, Jaguarema, Litero, Cassino Maranhense, Montese, Clube dos Sargentos e Califórnia Clube de Campo para os mais afoitos e corajosos.
As crises pessoais, sociais e econômicas acabavam sempre após a primeira dose de Rum Montila com Coca-Cola, a bebida da época, causadora de uma ressaca mortífera, e em termo comparativo, seria o Corote contemporâneo.
O cotidiano da cidade era bem rígido, São Luís adormecia às 22 horas após as novelas Saramandaia, Ossos do Barão ou após as peripécias políticas e sexuais de Odorico Paraguaçu no Bem-Amado. As manhãs eram reservadas para as obrigações escolares, frequentávamos o Liceu, Marista, Escola Normal, Rosa Castro, Santa Teresa, Atheneu, São Vicente, Escola Técnica, Cardoso Amorim, CEMA, Centro Caixeral e Colégio São Luís. A tarde tínhamos a única opção de lazer na cidade, passear ou marcar ponto, como se dizia na época, na Rua Grande, o nosso shopping center, ali tínhamos cinema, lanchonetes e a única escada rolante da cidade.
A cidade guardava-se pacientemente para o carnaval. Não havia preparação oficial, a espontaneidade transgressora organizava a bagunça, e todos se pervertiam na inocência do carnaval de São Luís.
As manhãs carnavalescas e pré-carnavalesca passavam pelo Grêmio Litero Recreativo Português com suas matinais carnavalescas. A noite a alegria se repetia também nos outros clubes sociais. Vale lembrar a disputa que existia entre os clubes sociais para quem fazia a melhor festa, ou qual a melhor banda carnavalesca. Era um privilégio ter um Nonato e seu Conjunto ou os Fantoches animando as festas e somente a presença destas bandas, já era garantia de sucesso em qualquer festa carnavalesca. Havia o desfile de fantasias no Jaguarema com as presenças alegre e divertida de Benys, Bezerra e de Chico Coimbra. Os namoros juvenis começavam no Jaguarema, mas não resistiam às matinais do Litero.
As festas tinham o perfume proibido do lança-perfume e o sabor de Rum Montila com Coca-Cola. Aos poucos o confete e serpentina deram lugar à maisena. São Luís mudava e com ela o carnaval também mudava, a Turma do Quinto perdeu o seu clarim, a Águia do Samba desapareceu e o Imperador do Samba perdeu a sua autoridade monárquica.
Viva o carnaval e renove-se.