quinta-feira, 27 de março de 2025

 REI, REINALDO FARAY (sem correção do Livro Personagens de São Luís)

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

Quem poderia imaginar que um maranhense Cururupu, descendente de libaneses, poderia ser o maior e mais prestigiado ator, diretor, autor, produtor e bailarino clássico do Maranhão e um dos maiores do Brasil? 


Pois este maranhense que saiu de Cururupu, cidade do litoral maranhense, para estudar e se tornar oficial da Marinha Brasileira na cidade de Belém do Pará, acabaria descobrindo nesta cidade o talento para representar, produzir peças teatrais e dançar. Este grande maranhense se chamava Reinaldo Faray.


A vida teatral de Reinaldo Faray apesar de se iniciar em Belém, ganhou contorno profissional no antigo território do Amapá, onde dirigiu a Fundação de Cultura daquele território.


Reinaldo Faray estudou teatro e ballet clássico na Fundação Brasileira de Teatro na cidade do Rio de Janeiro, e no início da década de 1950, a convite do SESC, retornou para o Maranhão e se estabeleceu em São Luís, onde fundou nesta instituição o Teatro Escola do SESC. Nesta mesma década, se desliga do SESC e funda um grupo de teatro chamado de Teatro de Equipe do Maranhão.

Algum tempo depois, no início da década de 1960, Reinaldo Faray fundou o Teatro Experimental do Maranhão, o TEMA, que aglutinou grandes artistas de São Luís como Eugênio Giust, Lúcia Nascimento, Regina Teles, Aldo Leite, Tácito Borralho, Carlos Lima, Domingos Tourinho e tantos outros artistas que desfilaram os seus talentos artísticos juntos com Reinaldo Faray no Teatro Artur Azevedo, Teatro da Escola Técnica, Teatro da Igreja de São Pantaleão e no Teatro do SESC. Ressalto que a primeira peça teatral que assistir foi no Teatro da Igreja de São Pantaleão e chamava-se “As Sandálias do Pescador” e que tinha como atores principais, Reinaldo Faray e Carlos Lima.


O Teatro Experimental do Maranhão representou para as artes cênicas do Maranhão o que o Teatro Tablado, um grupo e escola de teatro fundado por Maria Clara Machado, representou para as artes cênicas do Rio de Janeiro e do Brasil.


Reinaldo Faray tinha inúmeras facetas. Produziu, dirigiu e atuou em diversos programas de televisão, como telenovelas, ballet e entretenimento; produziu, dirigiu e atuou em inúmeras peças teatrais em Macapá, Belém, São Luís e outras capitais do Brasil.


Entretanto, o Reinaldo Faray que conhecíamos e privamos um pouco da sua convivência, era o Reinaldo bailarino, o pioneiro do ballet clássico no Maranhão e que fundou a primeira escola de ballet em São Luís, situada no Clube das Mães. Através da Escola de Ballet do Clube das Mães vieram todos os bailarinos e bailarinas do Maranhão, todos com talento reconhecidos no Brasil e no mundo.


Aquele homem que produzia, dirigia e atuava no Teatro Experimental do Maranhão e que encantava a sociedade ludovicense com passos de “plié, feté, petit jeté ou tendu,..”esperava pacientemente fevereiro chegar e deixava tudo que era clássico de lado e mergulhava na cultura popular, transformando-se em um grande folião, participando dos desfiles de fantasias nos clubes sociais da época ou desfilando como destaque na Favela do Samba, sua escola preferida.


E como toda farra, alegria e despojamento tinha um fim, tudo acabava e começava na quarta-feira de cinzas. Reinaldo Faray não descansava, o prazer pela dança e pelo teatro recomeçava e como fazia todos os anos, começava com os ensaios da peça teatral a Paixão de Cristo.


Reinaldo Faray de despediu da vida aos 72 anos, no dia 18 de fevereiro de 2003. E aquele adolescente que saiu de Cururupu para ser oficial da Marinha Brasileira, se transformou no maior artista de artes cênicas do Maranhão e com certeza não merecia apenas o nome em uma concha artística como homenagem. O Maranhão tem um débito muito grande com seu maior artista.


Reinaldo Faray, presente!

sábado, 22 de março de 2025

 CINEMAS E A IMPORTÂNCIA CULTURAL DOS TAJRAS (do livro Crônicas das Minhas Memórias)

Hamilton Raposo Miranda Filho


Dia desses conversei com um amigo sobre cinema, ou melhor, conversei sobre filmes e salas de exibição. O amigo, por ser mais jovem, não conheceu os antigos cinemas, lembrou-se apenas do Cine Roxy e das sessões pornôs que eram exibidas na década de 1980. Não conheceu o Éden, Rialto, Monte Castelo ou Passeio. Nasceu na decadência das grandes salas de exibição.


Comentei com ele sobre a importância de José Bernardo Tajra no contexto cultural da cidade. José Bernardo foi um dos maiores conhecedores de cinema no Brasil e um grande colecionador, seu acervo era fantástico. Possuía todos os filmes da Metro Gold Meyer e se dizia portador de uma doença chamada “metrite”, dada a sua paixão pelos filmes produzidos pela Metro. José Bernardo era filho do libanês Moisés Tajra, o maior empresário de cinema que o Maranhão já teve.


A nossa conversa se transformou em um monólogo, dada a minha verborrágica exposição sobre Moisés Tajra. O empresário foi proprietário dos Cines Éden, Roxy, Rialto, Rival e Ribamar (este localizado na cidade de São José de Ribamar). O Cine São Luís, Monte Castelo e Passeio eram de uma outra família descendente de libaneses, os Dualibe, da cidade de Viana. O Cine São Luís funcionou no Teatro Artur Azevedo. Era muito cinema para uma cidade com uma população de 300 mil habitantes. Talvez por serem uma das poucas diversões da cidade, os cinemas tinham público e qualidade.


A conversa voltou-se para o campo afetivo e confessei que o primeiro filme que assistir foi “A Paixão de Cristo”, no Cine Ribamar, em companhia da minha mãe, que chorou a sessão inteira, emocionada com o sofrimento de Jesus. O Cine Ribamar ficava ao lado da casa dos meus pais, naquele município. E como em toda cidade do interior, havia no Cine Ribamar um serviço de alto-falantes, “A Voz Caramuru”, que anunciava as atrações cinematográficas e os pedidos musicais. 


Logo depois da “Paixão de Cristo”, assisti a alguns filmes de Mazzaropi e a algumas chanchadas da Atlântida, no Cine São Luís. Em todas as ocasiões estava sempre na companhia dos meus pais ou do meu irmão José Franklin ou da minha irmã Hamilena. Meu pai tinha um gosto apurado, preferia a ópera e os filmes do Charles Chaplin. Seu gosto musical também era refinado, e a prova disso era a sua fantástica coleção de discos de músicas clássicas, que conservo, junto com a coleção de ópera. Alguns destes discos são de 45 rot./min.


A década de 1960 talvez tenha sido a mais profícua para o cinema, todas as salas exibiram os grandes clássicos de crítica e de bilheteria. A sensibilidade artística e o bom gosto estético de José Bernardo e a visão comercial de Moisés Tajra fizeram de São Luís uma cidade de cinemas.


A minha lembrança cinematográfica vai muito além da “Paixão de Cristo”, dos filmes de Carlito ou das chanchadas da Atlântida. Uma das melhores experiências que tive com a chamada telona foi ouvir o grito do Tarzan, e tenho quase certeza que toda a minha geração ouviu ou repetiu o grito do Tarzan. 


A década produziu filmes como Lawrence da Arábia, Bem-Hur, o premiadíssimo musical A Noviça Rebelde, o épico Spartacus, o revolucionário Perdidos na Noite, a ficção extraordinária de 2001: Uma odisseia no espaço, os românticos Dr. Jivago, Candelabro Italiano e Romeu e Julieta, o assustador Bebê de Rosemary, o clássico do western Os Brutus Também Amam e o lento e apaixonante pop do cinema francês Um homem e Uma mulher. Todos exibidos em salas com lotação completa. Foram muitos filmes e muitas histórias. Certa vez contabilizei mais de 100 filmes de sucesso da década de 1960, incluindo o Cinema Novo brasileiro.


A diferença de idade entre mim e o interlocutor não impediu que formássemos um consenso: São Luís é uma cidade vocacionada ao cinema.

sábado, 8 de março de 2025

 PREPARAÇÃO PARA O EXAME DE ADMISSÃO (do livro Crônicas das minhas memórias).

HHamilton Raposo Miranda Filho


Em 1969 os meus pais decidiram que eu deveria estudar na mais tradicional escola do Maranhão, o Liceu Maranhense. Assim tive que deixar o Colégio Zoé Cerveira, uma escola menor, onde fiz uma parte do ginásio. O Zoé Cerveira era de propriedade de uma família de intelectuais e de renomados professores, a família Nascimento de Moraes. Ali fui aluno de grandes mestres, como o professor e intelectual Paulo Nascimento de Moraes, um dos maiores conhecedores da geopolítica israelense e do mundo árabe; Raimundo Nascimento de Moraes, excelente matemático, que, com sua formidável didática, fazia com que os alunos se apaixonassem por equações, contas e números; dona Nadir, era um caso a parte: rígida e extremamente disciplinadora, ensinava Geografia e o com seu vozeirão nos fazia conhecer o mundo; e por fim o imortal poeta, um dos primeiros ambientalistas brasileiros e esquerdistas de carteirinha, Nascimento de Moraes Filho, que fazia da sala de aula uma reunião da academia de letras, recitava poemas e ensinava Português, por meio de obras de inestimável valor literário. A eles sou eternamente grato.


Por causa deles adquiri uma certa base escolar, mas precisava de um reforço para enfrentar o dificílimo exame de admissão do Liceu Maranhense, espécie de vestibular para o colegial; no meu caso para a 4ª série do ginásio. Eram cinquenta vagas para mais de mil inscritos. Tinha necessidade de conhecimento adicional, sobretudo, nas disciplinas de Português e Matemática. Coube às professoras Ceci Mota e Maria da Graça Jorge, todas renomadíssimas, a tarefa de me ensinarem todos os macetes de Matemática e Português, respectivamente, para enfrentar o exame de admissão do Liceu Maranhense.


As aulas de Matemática da professora Ceci Mota, eram ministradas na sala de jantar de sua residência, uma casa muito simpática, situada na Rua do Pespontão. A professora Ceci Mota tinha um irmão que divertia a todos os alunos com sua malandragem e picardia, um boêmio e contador de histórias e de estórias. Conheci-o pelo apelido de “Maneta”. Ele dava o seu show à parte, antes de iniciar a aula preparatória, que acontecia duas vezes por semana, às terças e quintas-feiras, pela manhã.


As aulas de Português da professora Maria da Graça Jorge, uma renomada professora maranhense e reconhecida pela disciplina e saber linguístico, eram ministradas também em sua residência, uma bela casa de dois andares, situada no Caminho da Boiada. Neste imóvel havia um pequeno cômodo adaptado para sala de aula, com carteiras e um quadro verde, diferente dos quadros negros do Colégio Zoé Cerveira. As aulas, muito rígidas e disciplinadas, aconteciam também duas vezes por semana, no período vespertino.


Chegou o dia do tão esperado exame de admissão, eu me sentia preparadíssimo para as provas da seleção. Fui até o local das provas acompanhado da minha mãe, dona Helena, que não deixaria jamais o seu filho, conhecido pela sua hiperatividade, ir sozinho se submeter a tão importante exame para o mais tradicional colégio do Maranhão.


Fiz a seleção em janeiro, e quinze dias depois, na véspera de um carnaval, saiu o tão esperado resultado. Era enfim um liceista, tinha sido aprovado com louvor para o Liceu Maranhense.