sábado, 22 de março de 2025

 CINEMAS E A IMPORTÂNCIA CULTURAL DOS TAJRAS (do livro Crônicas das Minhas Memórias)

Hamilton Raposo Miranda Filho


Dia desses conversei com um amigo sobre cinema, ou melhor, conversei sobre filmes e salas de exibição. O amigo, por ser mais jovem, não conheceu os antigos cinemas, lembrou-se apenas do Cine Roxy e das sessões pornôs que eram exibidas na década de 1980. Não conheceu o Éden, Rialto, Monte Castelo ou Passeio. Nasceu na decadência das grandes salas de exibição.


Comentei com ele sobre a importância de José Bernardo Tajra no contexto cultural da cidade. José Bernardo foi um dos maiores conhecedores de cinema no Brasil e um grande colecionador, seu acervo era fantástico. Possuía todos os filmes da Metro Gold Meyer e se dizia portador de uma doença chamada “metrite”, dada a sua paixão pelos filmes produzidos pela Metro. José Bernardo era filho do libanês Moisés Tajra, o maior empresário de cinema que o Maranhão já teve.


A nossa conversa se transformou em um monólogo, dada a minha verborrágica exposição sobre Moisés Tajra. O empresário foi proprietário dos Cines Éden, Roxy, Rialto, Rival e Ribamar (este localizado na cidade de São José de Ribamar). O Cine São Luís, Monte Castelo e Passeio eram de uma outra família descendente de libaneses, os Dualibe, da cidade de Viana. O Cine São Luís funcionou no Teatro Artur Azevedo. Era muito cinema para uma cidade com uma população de 300 mil habitantes. Talvez por serem uma das poucas diversões da cidade, os cinemas tinham público e qualidade.


A conversa voltou-se para o campo afetivo e confessei que o primeiro filme que assistir foi “A Paixão de Cristo”, no Cine Ribamar, em companhia da minha mãe, que chorou a sessão inteira, emocionada com o sofrimento de Jesus. O Cine Ribamar ficava ao lado da casa dos meus pais, naquele município. E como em toda cidade do interior, havia no Cine Ribamar um serviço de alto-falantes, “A Voz Caramuru”, que anunciava as atrações cinematográficas e os pedidos musicais. 


Logo depois da “Paixão de Cristo”, assisti a alguns filmes de Mazzaropi e a algumas chanchadas da Atlântida, no Cine São Luís. Em todas as ocasiões estava sempre na companhia dos meus pais ou do meu irmão José Franklin ou da minha irmã Hamilena. Meu pai tinha um gosto apurado, preferia a ópera e os filmes do Charles Chaplin. Seu gosto musical também era refinado, e a prova disso era a sua fantástica coleção de discos de músicas clássicas, que conservo, junto com a coleção de ópera. Alguns destes discos são de 45 rot./min.


A década de 1960 talvez tenha sido a mais profícua para o cinema, todas as salas exibiram os grandes clássicos de crítica e de bilheteria. A sensibilidade artística e o bom gosto estético de José Bernardo e a visão comercial de Moisés Tajra fizeram de São Luís uma cidade de cinemas.


A minha lembrança cinematográfica vai muito além da “Paixão de Cristo”, dos filmes de Carlito ou das chanchadas da Atlântida. Uma das melhores experiências que tive com a chamada telona foi ouvir o grito do Tarzan, e tenho quase certeza que toda a minha geração ouviu ou repetiu o grito do Tarzan. 


A década produziu filmes como Lawrence da Arábia, Bem-Hur, o premiadíssimo musical A Noviça Rebelde, o épico Spartacus, o revolucionário Perdidos na Noite, a ficção extraordinária de 2001: Uma odisseia no espaço, os românticos Dr. Jivago, Candelabro Italiano e Romeu e Julieta, o assustador Bebê de Rosemary, o clássico do western Os Brutus Também Amam e o lento e apaixonante pop do cinema francês Um homem e Uma mulher. Todos exibidos em salas com lotação completa. Foram muitos filmes e muitas histórias. Certa vez contabilizei mais de 100 filmes de sucesso da década de 1960, incluindo o Cinema Novo brasileiro.


A diferença de idade entre mim e o interlocutor não impediu que formássemos um consenso: São Luís é uma cidade vocacionada ao cinema.

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