O DOMINGO COM MARROM GLACÊ
Hamilton Raposo Miranda Filho
Tenho me preocupado nos últimos anos com o futuro do marrom glacê. Um doce pouco lembrado, mas que tem a cara e a marca registrada da sobremesa típica da casa dos meus pais.
Não era uma sobremesa comum; tinha lá seus encantos e particularidades. A marca preferida dos meus pais era Cica, servida sempre após o almoço de domingo, na companhia do insubstituível e irresistível queijo de cuia.
O almoço especial do domingo tinha, invariavelmente, galinha ao molho pardo e algumas vezes, linguiça de Buriti Bravo, trazida pelo seu Teodoro, um amigo de infância do meu pai, e como “Petit Résistance”, alguma invenção culinária da minha irmã Hamilena, tirada dos seus inúmeros cadernos de receitas. O comando da cozinha era de Crisálida, uma negra quilombola, companheira dos meus pais, enquanto tiveram vida. De Crisálida, além do afeto e da companhia, trago a coroa de São Benedito como presente de casamento.
Durante o almoço discutíamos política, comíamos e bebíamos vinho tinto Raposa ou Cabeça de Touro. Às vezes, com a finalidade de melhorar o sabor do vinho, adicionávamos Guaraná Jesus, uma mistura bizarra que unia e divertia a família. Compartilhavam a mesa e a família: Teresa, Marli e Estela, todas irmãs de alma e que muito me ajudaram na minha formação e educação.
Após o almoço, o marrom glacê, em companhia do queijo de cuia, era servido triunfalmente e depois, em um ritual contemporâneo, brindávamos a alegria e a presença de todos sob a benção do aperitivo San Rafael, finalizando a tarde com alguns comprimidos de Metionina ou Xantinon B12.
A lembrança do marrom glacê surgiu em uma dessas conversas de fim de ano. E em época de Naked Cake, tortas, pavês e sofisticados suflês, a simplicidade do marrom glacê e dos doces caseiros perderam o espaço merecido e ganhou o esquecimento moderno da sofisticação. Aqui em casa não faltam marrom glacê, goiabada cascão e queijo de cuia, e que se dane o colesterol e o triglicérides.
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