domingo, 18 de maio de 2008

PARAFILIAS: O DESVIO DO NORMAL
HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO
PROFESSOR DO UNICEUMA – ÁREA MÉDICA







RESUMO



Este artigo apresenta um estudo sobre as disfunções sexuais e as parafilias em seus diferentes aspectos e sob uma concepção moralista, as possíveis explicações de tais comportamentos. Relata-se um histórico sobre as diversas correntes, a partir da psicanálise de Freud, na tentativa de desmistificar os desvios sexuais. Aborda-se ainda a liberação sexual e a revolução feminista que elevou o mercado pornográfico permitindo uma visão liberal do comportamento sexual, concebendo assim explicações científicas sobre estas atividades através de uma revisão da literatura sobre os desvios sexuais ou parafilias.

Palavras-Chave: Desvios sexuais, Parafilias.



ABSTRACT


This article shows a study about the sexual disfunctions and its consequences among their different aspects and according to a moralist conception, the possible explanations about some behaviors.It expresses a historical point to the various points of view, starting from Freud’s Psychanalise, trying to understand some sexual problems. It discuss, yet, the sexual liberation and feminist revolution that took up the pornographic business giving a permission to a liberal vision about the sexual behavior, promoting, then, scientific explanations on these activites based on a revision of that kind of literature.

Key-words: Sexual disfunctions, Paraphilia.








1 INTRODUÇÃO

Nas sociedades mais evoluídas, principalmente nas sociedades ocidentais, a questão sexual, em particular a sexualidade, além dos princípios biológicos e psicológicos determinantes na formação do caráter e do comportamento humano, uma outra questão vem também determinar a forma dos contatos sociais que fazemos, este determinante, fator social, agrega valores e conceitos estabelecidos pelas normas sociais e contatos determinando o modelo e a forma de expressão da sexualidade. (STORR, 1976, p.7).
Todo o interesse científico a respeito do assunto começa com Sigmund Freud, sendo anos mais tarde explicados por Kinsey e seus colaboradores (1950), através dos “relatórios de Kinsey”, onde diversos assuntos relacionados com a sexualidade começaram a ser abordados sem preconceitos, como a masturbação, o homossexualismo, o incesto, a frigidez e a impotência. A questão sexual chega próximo da sociedade. A publicação desses trabalhos popularizou-se através da mídia, rádios, jornais, televisão e cinema que exploraram e ajudaram na discussão desses temas.
A compreensão dos relatórios de Kinsey, registros estatísticos da sociedade americana devem ser perfeitamente entendidos de acordo e em relação com o tempo da pesquisa, portanto, influenciável pela época, costumes, modismos e lugar. Entretanto, o referido “relatório” não perdeu seu caráter contemporâneo e muito menos a sua intenção em provocar discussões e controvérsias. Apesar da quebra de “tabus”, esses “relatórios” jamais foi uma unanimidade nos meios acadêmicos, os métodos utilizados e as influências recebidas sempre foram contestados, mais sem dúvida representaram um avanço científico no entendimento e na expressão da sexualidade e, principalmente, por ter levado um assunto polêmico para discussão não só no meio acadêmico, mas também aos lares americanos. Diversos comportamentos sexuais, considerados como anormais, passaram a ser visto de outra maneira, como forma individual de expressão da sexualidade, sem haver conotação de defeito de caráter ou modificação da personalidade.
Os desvios sexuais, ou melhor, os delitos sexuais, sempre despertaram interesse e comoção social. O homem sempre se sentiu atraído pelo assunto. O Direito, guardião da sociedade, normatiza o certo e o errado, o lícito e ilícito e, por influência da moral e da religião, penalizou até algum tempo o homossexualismo e o casamento entre parentes, sendo preciso diversas reformulações legais para adequação da Lei com o comportamento humano, manifestações liberalizantes e com o fator tempo.

As grandes transformações sociais começaram com o advento da pílula anticoncepcional. A liberdade sexual, alcançada por este fenômeno, modificou os costumes sexuais, fazendo emergir a indústria do sexo, uma revolução mercadológica que ultrapassa valores morais e econômicos. A indústria do sexo, fenômeno globalizante, distancia-se da prostituição e alcança o mundo familiar convencional, trazendo, através de fantasias, formas de entretenimento e valores a pessoas ansiosas e preocupadas com suas perfomaces. Adentra-se em questões sobre normalidade e anormalidade sexual e, aquilo, conceitualmente ou preconcebidamente, visto como “desvio”, pode dentro de uma visão de “mercado” ser considerado “normal”, prevalecendo o conceito lúdico ou o prazer.
A liberdade sexual não pode ferir a liberdade pessoal, muito menos agredir ou ameaçar a integridade de outro. A liberdade entre duas pessoas maiores e conscientes dos seus atos, transcende conceitos moralistas e implicações religiosas. O homem, apesar do “livre arbítrio”, sempre se submeteu às influências culturais e sociais, estando sujeito à regras e preceitos capazes de “minimizarem ou educarem” aquilo convencionalmente chamado de “apetite sexual” ou a liberdade da escolha ou de sua preferência sexual.
A liberdade sexual ofendida caracteriza-se por grave ameaça à integridade física ou psíquica, que em se tratando de sexualidade, pode-se afirmar, então, o caráter obsceno do fato. A obscenidade é definida como “ato de ofender o pudor, utilizar a sexualidade para excitar a libido de outrem. A finalidade do obsceno é de ferir e corromper o próximo” (SZMICH, 1992, p.151). O caráter obsceno extrapola a liberdade sexual, violenta regras e costumes, agride a consciência e macula, às vezes, definitivamente, a personalidade. Ser livre é exercer o livre direito da escolha, sem comprometer ou ferir o outro ou a sociedade.
Segundo Rotondo(1998), a sexualidade constitui uma dimensão fundamental da personalidade humana que não pode ser vista como uma conduta meramente instintiva, constituindo-se, assim, de diversas vertentes integradoras, tais como: biológica, psicológica, social, cultural e antropológica. O mesmo autor cita Ricoeur para definir melhor a sexualidade, como sendo “lugar de todas as dificuldades, de todas as dúvidas, dos perigos e dos impasses, do fracasso e da alegria”.
A Organização Mundial de Saúde (1993) considera a sexualidade como:

Energia que nos motiva, à procura do amor, contato, ternura e intimidade, que se integra no modo de nos sentirmos, movermos, tocarmos e sermos tocados. É sermos sensuais e ao mesmo tempo sexuais. Influencia comportamentos, sentimentos, ações e interações. Influencia a nossa saúde física, mental e social.

O conceito da Organização Mundial de Saúde integra diversos elementos que estruturam e modelam a formação da personalidade, enfocando as influências biológicas, principalmente a genética, como também as influências externas, o papel do meio social na formação e na identidade sexual. Integra-se o conceito holístico para a formação da personalidade e da sexualidade, não se eximindo de nenhuma influência ou de nenhum fator para o desenvolvimento sexual do homem.
Seria então a sexualidade um fenômeno psicológico e social? Seria a sexualidade um fenômeno puramente biológico? Estas indagações com certeza se perdem entre as diversas correntes doutrinárias do comportamento humano. Kimura (2006, p. 34) trata o assunto afirmando as evidências acumuladas recentemente, que os hormônios sexuais interferem de forma precoce, ainda na fase embrionário-fetal, na organização cerebral, participando diretamente do processo de identificação sexual. Ainda segundo Kimura, a concepção do macho está relacionada diretamente de forma complexa com o cromossomo Y, formando-se por influências deste, os testículos ou gônadas masculinas, produtoras de hormônios sexuais masculinos ou androgênios. A ausência da influência hormonal masculina ou a presença do cromossomo X possibilita o desenvolvimento dos caracteres e do comportamento feminino. Adquiri dessa forma os hormônios sexuais no inicio da vida características organizacionais, estruturando o comportamento e direcionando a identidade sexual. Pode-se afirmar que, do ponto de vista biológico, a orientação sexual e a identidade sexual estão relacionadas às estruturas anatômicas cerebrais localizadas no hipotálamo, que se interliga através de conexões nervosas com a hipófise, principal glândula do corpo humano e responsável pela secreção dos principais hormônios sexuais.
Luck e Struber (2006, p. 38-45) cita diversas condições biológicas como causa de violência, desde as lesões cerebrais precoces, influência da testosterona até as alterações fisiológicas do sistema límbico e no córtex pré-frontal.
A visão psicodinâmica mostra a sexualidade como elemento essencial para o desenvolvimento da personalidade e não apenas como conseqüência de fatores neuroanatômicos e fisiológicos. Segundo Mezer (1974, p. 17),

A personalidade humana surge de três tipos de fatores: o constitucional (elementos hereditários ou congênitos), evolutivo (elementos do processo de crescimento) e o situacional (oriunda de situações do ambiente). Os fatores evolutivos, aqueles que ocorrem durante o crescimento, são considerados de grande importância para o equilíbrio biopsicossocial. Segundo a concepção psicodinâmica, trata-se do desenvolvimento psicossexual ou teoria da libido.

Mezer (1974, p. 20-27) afirma que o desenvolvimento psicossexual ocorre por etapas ou estágios. O primeiro estágio se estende nos primeiros anos de vida e é caracterizado por atividades orais (chorar, vomitar, succionar, mastigar, comer), estando toda a libido do bebê centralizado na área oral e se expressa por uma necessidade irresistível de alimento que, quando satisfeita se realiza, segundo conceitos psicodinâmicos, uma atividade psicossexual. O segundo estágio, o anal, permanece por alguns anos e coincide com o amadurecimento da inervação do trato gastrintestinal e conseqüente controle do trânsito intestinal, como também pelo aumento das exigências sociais, ficando este estágio relacionado com o treinamento intestinal e gratificação da libido. O terceiro estágio, também chamado de estágio genital, estende-se aproximadamente do segundo ao sexto ano de vida, que fisiologicamente representa o amadurecimento das fibras sensoriais dos órgãos genitais e psicologicamente representa a fase do complexo de Édipo. O quarto estágio representa o período de latência e se estende aproximadamente dos seis aos doze anos de vida. O quinto estágio ou período fálico ou do clitóris, começa na adolescência, coincide com o início da ação das glândulas endócrinas que determinarão os caracteres sexuais masculinos e femininos.
A teoria freudiana ou psicodinâmica encontra grandes resistências nas suas explicações, devidos aos recentes achados neurofisiológicos e anatômicos, determinados pela importância genética, o papel de neurotransmissores e as descobertas dos mecanismos de ação das diferentes áreas cerebrais. Entretanto, as concepções psicológicas são ainda motivos de explicações para diversas indagações a respeito da sexualidade, do comportamento sexual e da formação da personalidade em si. O equilíbrio, a homeostase entre corpo e mente, a formação adequada da personalidade, a identidade sexual e o comportamento sexual estariam na dependência de uma boa superação de cada etapa do desenvolvimento psicossexual. A fixação em uma dessas etapas ou a superação distorcida ou defeituosa representariam a quebra da homeostase e a possibilidade de uma identificação sexual ou de um comportamento sexual anômalo ou da formação defeituosa da personalidade. A teoria freudiana de desenvolvimento da personalidade tem como premissa básica a solução do complexo de Édipo, estando toda a saúde mental de uma pessoa, ou toda a formação da sua personalidade, na dependência da solução desse complexo. A solução defeituosa representaria o “caos psicológico”, a presença de diversas doenças e a possibilidade de uma identidade sexual ou de um comportamento sexual anormal ou defeituoso.
A teoria psicanalítica trata o desenvolvimento da sexualidade pelo atravessamento de fases do desenvolvimento psicossexual e pelos mecanismos de defesa específicos dessas fases. O anômalo, a formação defeituosa, é explicado dentro da visão psicanalítica como perversão. Freud(1990) afirma que a perversão é a permanência na vida adulta de características perverso-polimorfos, típicos da sexualidade pré-genital infantil, em detrimento da sexualidade genital por ele considerado normal.
A contribuição biopsicológica explicaria os fenômenos sexuais sem influência do meio ou de interferências sociais, a sexualidade seria resultado de achados biológicos e psicológicos, o meio social, a convivência em sociedade, o aprendizado através da experiência pouca importância teriam na formação da sexualidade ou da identidade sexual. De forma diferente, dando um entendimento com características sociológicas. Gabron e Simon (2006) tratam a sexualidade como fenômeno social, os autores, em “o aprendizado da sexualidade”, afirmam que as experiências sexuais decorrem de aprendizados sociais, isto é, foram apreendidas, codificadas e inscritas na consciência dos indivíduos, os quais aprendem a identificar e mesmo produzir situações potencialmente sexuais. Os autores, ao contrário das contribuições biopsicológica, ignoram as dimensões naturais e biológicas da sexualidade, valorizando a importância do social na formação e da identidade sexual.
A sexualidade é uma das áreas mais pessoais e em geral, mais privada na vida de um indivíduo. (DAVISON; NEALE, 2003, p. 368). A individualidade, desejos, fantasias e formas de comportamentos podem fazer parte de um funcionamento normal, desconsiderando o menos freqüente como bizarro ou patológico. A satisfação do desejo e o seu compartilhamento devem ser vistos como situações normais, desde que não haja prejuízo a um dos parceiros ou à sociedade. A necessidade de companhia, e de companhia sexual, é característica de todo ser vivente, extrapola conceitos moralistas e religiosos, que simbolizam e reduzem a vida sexual do homem ao ato da procriação, deixando o sentimento de prazer como ato acessório e “pecaminoso”. O conhecimento tanto biológico e, principalmente psicológico vigente na sociedade contemporânea, aponta para o inverso nos relacionamentos sexuais, primeiro, o prazer e, depois, a necessidade ou desejo de procriação. De acordo com este raciocínio, o psiquiatra Oliveira (2002, p. 38) publica o artigo “Fantasia é essencial no exercício da sexualidade”, onde introduz a afirmativa de que a imaginação é o tempero básico para os relacionamentos entre o casal e, sua falta, o termômetro do que não está bem; a ausência de fantasias sexuais, em si, já denota um empobrecimento do prazer erótico.
O entendimento da sexualidade significa vencer dogmas e preconceitos, admitir fatos e transgredir tabus sociais, que em muitas situações são valores marcados pelo tempo e não se configuram como anormais ou amorais. Goldim (2002, p. 38) afirma “que uma das primeiras dificuldades do amadurecimento sexual é admitir a sexualidade dos pais, é admitir que os pais também praticam o sexo, que possuem uma vida erótica”. O entendimento, segundo o autor, seria o primeiro passo para o enfretamento de uma batalha silenciosa, que se trava em cada um de nós, entre o instinto animal e as normas sociais, entre a satisfação imediata e os valores sociais, que freiam e controlam estes impulsos. A transgressão não significa criminalizar um comportamento ou amoralizar uma conduta, não significa um distanciamento dos padrões sociais estabelecidos e sim adequar as pulsões instintivas aos parâmetros sociais pré-concebidos. A adequação do comportamento instintivo aos valores sociais depende exclusivamente da formação da personalidade, a maneira de ser única e indivisível de cada um depende também das variáveis de perfis e suas formas de expressão. A disfunção dessa tentativa de harmonizar o psicológico com o social ou a influência direta de fatores biológicos, comprometendo vida sexual e trazendo prejuízo individual e ou social, podem sim, nessas situações afirmar um comportamento sexual anormal.
A identidade sexual não é um achado exclusivo do psicológico e muito menos uma exclusividade biológica, a indivisibilidade do ser humano é mais bem retratada nas questões sexuais do que em questões meramente fisiológica de outros órgãos e funções, nada é tão intrínseco quanto a sexualidade. O determinismo sexual, a sua identidade e a função sexual necessitam de uma expressão social, que além da convivência, gerem julgamento através de influências e regras. Este é o processo de formação da identidade sexual e da função sexual, mecanismo complexo e multifatorial, que extrapola concepções doutrinárias gerando perplexidade, dúvidas e anseios.















2 DEFINIÇÃO

O termo perversão, advindo das teorias freudianas, corresponde o que hoje corretamente se classifica como parafilias. A palavra perversão deriva do latim e significa a troca do bem pelo mal e a conseqüente corrupção dos costumes, ficando atualmente restrito ao discurso psicanalítico. As classificações internacionais dos transtornos psiquiátricos, sempre atentas ao não convencional, aos comportamentos anormais, aos prejuízos sociais e individuais, preferem usar a palavra parafilia ou desvios sexuais, mesmo quando o desvio sugere uma censura moral. O termo parafilia (ao lado de + de amor à) deriva do grego e significa afinidade pelo anormal ou preferência pelo funcionamento desordenado, estando desvinculado de assertivas desmoralizantes ou depreciativas.
O desvio sexual não afeta e nem compromete a resposta sexual, caracteriza-se pelo desvio na escolha ou predileção do objeto sexual, na relação com a parceira e nas circunstâncias da prática sexual. O desvio nem sempre requer um julgamento ético ou moral, apesar de que em diversas situações esteja sobre uma censura de valores pré-estabelecidos.
As parafilias têm geralmente um curso crônico e sua origem segue conceitos biosociopsicológicos, impossibilitando o seu controle pela vontade. É algo impulsivo e irresistível, e muitas vezes contra os interesses e dignidade do próprio sujeito. As parafilias são transtornos persistentes e diferentes das práticas recreativas e ocasionais, resultantes de fantasias para evitar rotina em casais durante a prática sexual. A persistência, o caráter duradouro, a repetição e o prejuízo ao outro, resultantes destas práticas é que pode configurar um desvio sexual. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da American Psychiatric Association apud Duque (2004, p. 298) a respeito das parafilias, como sendo “fantasias, anseios sexuais ou comportamentos recorrentes, intensos e sexualmente excitantes, em geral, envolvendo objetos não humanos, sofrimento ou humilhação próprios ou do parceiro, criança ou outras pessoas sem o seu consentimento, ocorrendo durante um período mínimo de seis meses (Critério A). Requer-se, ainda para diagnóstico, que tais anseios e/ou fantasias causem sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo ao funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo (Critério B)”.
Vargas (1990, p. 334-335) considera os desvios sexuais como variante dos transtornos de personalidade e cita a classificação semiológica de Dupré como indicativo de tais transtornos, e que a perturbação de um dos elementos desta classificação representaria um desvio ou anormalidade. A classificação de Dupré enfatiza as principais perturbações em três instintos básicos:
a) instinto de conservação: piromaníacos, cleptomaníacos, jogadores compulsivos, pródigos, avarentos.
b) instinto de reprodução: masoquistas, sádicos, bestiais, fetichistas
c) instinto de associação: explosivos, anti-sociais, fanáticos, os tentativos, perversos, paranóicos.
A avaliação conceitual de qualquer transtorno sexual, baseada na classificação de Dupré, apesar do caráter didático da classificação, limita as perturbações da sexualidade apenas na perturbação do instinto de associação, ou seja, no campo das perversões e classifica estas perturbações em;
a) quantitativas: satiríase, ninfomania, impotência, anafrodisia.
b) qualitativas: sadismo, masoquismo, necrofilias e homossexualismo.
c) objetos: bestialismo, pigmalionismo, fetichismo e exibicionismo.
A referida classificação prende-se muito mais ao caráter psicopatológico do que ao contexto biopsicossocial. As limitações encontradas e até mesmo alguns comportamentos, não podem e não são consideradas alterações do instinto sexual ou “perversão”. Trata-se, de acordo com a evolução do homem e com novas formas de interpretação do comportamento humano, como preferência sexual ou elemento incorporado à vida sexual do homem e não conduta patológica ou reprovável.
A sexualidade humana em termos práticos é aquela que traz prazer às pessoas envolvidas, sem prejudicar ou molestar uma delas. A sexualidade anormal é um comportamento sexual destrutivo para o próprio indivíduo ou para os outros, ou está associada a sensação de ansiedade, culpa, medo ou é compulsivo (PORTELA, BUENO, NARDI, 2000, p. 189). Podemos então afirmar que as parafilias são atividades sexuais diferentes daquelas permitidas ou aceitas pela sociedade, são atividades exclusivas, ao ponto de prejudicar as pessoas que a praticam, sendo, portanto anormais perante a sociedade.
Athayde (1979, p.116-213) cita que todas as pulsões instintivas do homem, inclusive as pulsões sexuais, podem-se apresentar pervertidas, podendo existir formas substitutivas ou simbólicas de atração sexual, ou deformação na escolha do objeto sexual. Em alguns casos, o autor refere-se que é o ato sexual que se apresenta alterado e o prazer encontra-se exatamente no sofrimento do próprio sujeito, ou do objeto amoroso, no olhar, nas funções digestivas ou urinárias.
A definição das parafilias parece conduzir a um consenso quanto a não aceitação social do desvio, mesmo se considerarmos determinadas mudanças de comportamento, expansão do mercado pornográfico, principalmente pela internet, e as diversas solicitudes sociais em relação ao domínio sexual. Cale e Berlin (2003, p. 53-76), afirma que “parafilia é uma desordem psiquiátrica caracterizada pelo desvio e por fantasias, por pensamentos, e/ou comportamentos sexuais não aceitos socialmente”. Chegam a afirmar em seu artigo que muitos sofrem de alguma doença mental. Consideram os autores, além do caráter associal do ato, um desequilíbrio psiquiátrico, que por si só, estabelece uma condição de anormalidade.
Lachcar (2004, p. 315-319) afirma que “o caráter dinâmico da vida sexual das pessoas e que alguns comportamentos sexuais novos adquirem muito mais um comportamento provocativo que transgressor”, deixando o autor de considerar, em seu trabalho, a visão puramente patológica, aprofundando o conceito de comportamento apreendido e contestador das normas sociais. De acordo com o autor, “existe uma diferença entre o desvio sexual, as parafilias e o transgressor sexual. O desvio sexual pode ser visto como um comportamento diferente, anormal, mas nem sempre transgride a lei, pode até ser não aceito pela sociedade, mas a transgressão não é obrigatória. O transgressor sexual, o agressor sexual pratica obrigatoriamente o crime sexual, sempre o seu ato será, além de imoral, ilegal, transgressor da lei. E os indivíduos agressores sexuais, muitas vezes são portadores de transtornos da personalidade ou criminosos comuns”.
A respeito da atividade criminal dos agressores sexuais, Lussier (2005, p. 269-292), da Escola de criminologia da Universidade Simon Frauser – Canadá, sugere duas hipóteses para descrever a atividade criminal dos agressores sexuais: a primeira hipótese indica que os agressores são especialistas e que tendem a repetir o delito sexual; a segunda hipótese sugere que o agressor seja um generalista, tendendo à prática de outros delitos, não se restringindo a um tipo particular de crime”. O autor expõe uma discussão de que tanto o especialista quanto generalista podem coexistir em uma mesma pessoa; a hipótese de ser especialista é baseada no recidivismo criminal, enquanto a hipótese da generalização baseia-se na dinâmica criminal, na possibilidade de outros crimes estarem associados à ofensa sexual.
A psiquiatra Galvão (2007) considera que “estes comportamentos, são atitudes diferentes daqueles permitidos pela sociedade, sendo que as pessoas praticantes, não têm atividade sexual normal, ou seja, a sua preferência sexual torna-se exclusiva”. A condição de anormalidade médica ou social é definida como situação determinante para o diagnóstico de parafilias. Ballone (2007) define parafilias como transtorno da sexualidade, enfocando o aspecto de anormalidade da sexualidade, ou seja, “a parafilia seria a atividade substitutiva da atividade sexual convencional, na qual adquire a função de ser, por seu caráter repetitivo, de uma conduta compulsiva, impedindo outras alternativas sexuais, que não sejam aquelas voltadas para objetos, animais, sofrimentos, humilhações, assédios e outras inadequações”.
Abreu (2007) psicóloga licenciada pela Universidade Lusíada do Porto, Portugal, 2005 cita em trabalho de conclusão de curso, o médico inglês Havelock Ellis, a respeito de sexualidade normal ou anormal: “todas as pessoas não são como você, nem como os seus amigos e vizinhos, inclusive, seus amigos e vizinhos podem não ser tão semelhantes a você como você supõe”. A autora mostra a questão da atividade sexual como comportamento individual, afastando a hipótese de que toda variação da atividade sexual seja anormal ou patológica.
A definição sobre parafilias caminha para o consenso de que, além do caráter recorrente e do aparecimento de fantasias sexuais ou de condutas não aceitas que englobam atração a objetos ou animais, crianças ou adultos que não dão o seu consentimento ou de produzir dor ou sofrimento no (a) parceiro (a) ou em si mesmo, as parafilias representam um padrão de comportamento sexual onde a fonte de prazer não acontece através da cópula sexual convencional, não sendo compreendida ou aceita pela sociedade, apesar de que muitas práticas, supostamente parafílicas, serem encontradas dentro da sexualidade normal e não provocarem dor, sofrimento ou repúdio por parte do (a) parceiro (a), apesar de haver o risco de repúdio social. O marco da conduta patológica é o desejo incontrolável, impulsivo, compulsivo e substitutivo das relações sexuais convencionais, trazendo prejuízo funcional, pessoal e social ao portador do desvio, ao acompanhante e ao meio social.
O desejo irrefreável das parafílias visto como compulsivo, obsessivo e impulsivo deve ser perfeitamente distinguido. A obsessão, idéia, pensamento ou situação intrusa, tem o poder de dominar a pessoa e adquirir o caráter da obrigatoriedade. Não há regra obsessiva, o desejo ou pensamento tanto pode ser único como múltiplo, neste caso, várias idéias estão presentes, dominando o sujeito de forma imperiosa, comprometendo a sua vontade e seu discernimento, expondo a pessoa ao perigo eminente da ação. A compulsão que envolve os parafílicos parece ter um significado especial para eles, não se evidencia o ato como conseqüência da obsessão e como possibilidade de alívio da ansiedade causada por idéias, pensamentos e situações indesejáveis através de repetições, e sim, como a ação pode significar para ela, de maneira que satisfaça seus desejos. A característica do ato parafílico extrapola o desejo e denuncia o comprometimento da vontade em uma verdadeira catástrofe impulsiva, de tal maneira que o prejuízo social se mostra através da ação e da falta de compartilhamento para os seus atos.

3 ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS

A sexualidade humana, em termos práticos, é aquela que traz prazer às pessoas envolvidas, sem prejudicar ou molestar uma delas. A sexualidade anormal compromete o funcionamento pessoal e os transtornos a ela relacionados, principalmente os transtornos de identidade sexual e os transtornos de preferência sexuais não raros, a dificuldade encontra-se na identificação diagnóstica destes desvios. 50% dos transtornos de preferência sexual antes dos 18 anos e os transtornos de identidade sexual se iniciam antes dos 21 anos. Sendo que a pedofilia constitui-se o transtorno mais comum, admitem-se que 15% de todas as crianças já foram molestadas alguma vez antes de atingir 18 anos. (PORTELA, BUENO, NARDI, 2000, p. 190).

Apesar da freqüência, os transtornos sexuais não são facilmente diagnosticados, muitos são ignorados e outros negados. A resistência em expor uma intimidade ou o desconforto ou despreparo do médico em ouvir e lidar com a situação, talvez sejam a principal causa da não identificação diagnóstica do transtorno sexual.(TASSMAN, 2002, p. 35).

A não identificação precoce do desvio sexual ou parafilia deve-se ao estigma que existe sobre a sexualidade e as possíveis alterações do instinto sexual, acobertadas muitas vezes pela família ou escondidas em uma intimidade influenciada por questões educacionais e religiosas, negam a dor, a angústia e o sofrimento pessoal e/ou social do desviado.
Geralmente as parafilias se iniciam na infância ou adolescência, coincidindo com a intensidade e freqüência das fantasias sexuais. As manifestações parafílicas caracterizam-se pelo caráter intenso, recorrente e duradouro dessas fantasias, o que compromete a funcionabilidade do indivíduo, evidenciando, assim, o caráter patológico da sexualidade humana. Dentre as alterações mais evidentes no diagnóstico das parafilias, a pedofilia, o voyeurismo e o exibicionismo são os mais freqüentes. Um dado significativo, é que os indivíduos portadores de parafilias, são em sua maioria do sexo masculino, casados ou com algum compromisso conjugal. (MORFA, 2007).

O comportamento sexual desviado e a conduta criminal estão freqüentemente associados, dando a impressão de que todos os desviados sexuais sejam criminosos violentos. A maioria dos que sofrem de desvios sexuais são pessoas menos agressivas e menos tendentes à violência do que as normais, e grande parte delas jamais comete qualquer transgressão que venha a ser notada pela polícia e aqueles que realmente cometem crimes, a maioria é composta por pessoas que mais incomodam do que ameaçam, são transgressões triviais, não havendo comprovação de que um criminoso sexual trivial venha cometer uma transgressão sexual mais grave. (STORR, 1976, p. 9-15).

A Profª. Senna(2007), informa que epidemiologicamente a pedofilia é a parafília mais comum e que 10 a 20% das crianças já sofreram abuso sexual até os 18 anos; que as parafilias são predominantemente masculina, que mais de 50% dos parafílicos iniciam antes dos 18 anos, tendo o pico entre 15 e 25 anos e declinam gradualmente em freqüência com a idade; que os parafílicos possuem de 3 a 5 parafilias diferentes, ao mesmo tempo, ou em diferentes momentos da vida.

Apesar das parafilias serem praticadas por uma pequena porcentagem da população, a natureza insistente e repetitiva do transtorno resulta na alta freqüência do cometimento dos atos parafílicos. Alguns destes atos são de pequena gravidade e se limitam na intimidade do indivíduo de casais concordantes, outros de maior gravidade, provocam sofrimento e implicações legais e sem dúvida alguma, a pedofilia é a mais comum e de maior gravidade. O exibicionismo contra crianças e também contra adultos, o voyeirismo e o sadomasoquismo são também observados com certa freqüência” (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2006, p. 635-637).

Thibaut (2000, p. 4), em amplo estudo sobre o assunto, aponta no capítulo sobre epidemiologia que:
[...] uma mesma pessoa pode associar vários tipos de parafílias, informando que 1/3 dos pedófilos são exibicionistas e, entre os exibicionistas 30% têm realizado atividades pedofílicas e entre os adolescentes com este transtorno, 20% cometem algum tipo de violação sexual; cita o número médio de incidentes sexuais praticados por uma pessoa com desvio sexual durante a sua existência, varia de 30 a 75; ressalta que as parafilias são transtornos essencialmente masculinos, porém, dados estatísticos revelam que, nos Estados Unidos, o número de mulheres autoras de delitos sexuais alcança 10% e, entre as mulheres autoras de delitos sexuais, existe uma maior incidência em portadoras de transtornos mentais, alcoolismo e retardo mental. Reforça o autor que 30% das mulheres e 15% dos homens da população geral dos Estados Unidos já sofreram algum tipo de abuso sexual antes dos 18 anos. Revela ainda, que 15% a 20% dos estudantes do sexo masculino e 2% a 3% dos estudantes admitiam a possibilidade de manterem relação sexual com uma criança se não fossem punidos pela lei e 40% dos estudantes do sexo masculino admitiam violarem uma mulher se o ato não fosse denunciado a polícia. O autor complementa o estudo informando que, tanto na França quanto nos Estados Unidos, 14,5% a 20% da população carcerária haviam cometido crimes sexuais e a maior parte admitia que seu comportamento desviante começou antes dos 18 anos e em grande parte com um transtorno mental associado, sendo 20 a 40% portadores de transtorno de personalidade tipo anti-social. Em relação a reincidência, consideram-se que 15% dos parafílicos reincidem em 10 anos; os pedófilos homossexuais apresentam um alto risco de reincidência, em torno de 30% a 40%; pais incestuosos reincidem em torno de 9% e os exibicionistas em 4%.

Diz-se que somente uma proporção pequena de indivíduos do sexo masculino acusados de perversões sexuais está envolvida em comportamentos que são materialmente diferentes da maior parte dos homens na população. Este grupo pequeno, cujo número se encontra em torno de 5% a 10%, é que atrai nossa atenção como psiquiatras. Daqui por diante serão designados como delinqüentes sexuais” (KOLB, 1979)







4 FATORES ETIOLÓGICOS

Apesar das parafilias serem praticadas por uma pequena porcentagem da população, a natureza insistente e repetitiva do transtorno resulta em alta freqüência do cometimento dos atos parafílicos, ficando sempre uma indagação para aqueles casos de incômodo individual ou social, de como se processaria o transtorno ou qual seria a causa de tão estranho comportamento. Inúmeros estudos e amplas discussões estão sempre presentes, tentando decifrar a parafília ou explicar a causa e o comportamento. Dessa forma, tentaremos, através de várias correntes doutrinárias em psiquiatria, explicar o fenômeno parafílico, informando os seus conceitos e critérios de identificação.
Gabron e Simon (2006) tratam a sexualidade como fenômeno social, afirmando que as experiências sexuais decorrem de aprendizado social, apreendidos, codificados e inscritos na consciência dos indivíduos, os quais aprendem a identificar e produzir situações potencialmente sexuais. D’Angelo (2006) afirma que a sexualidade humana não pode ser vista fora do contexto da civilização, os desvios sexuais, em sua maioria, são desvios da civilização. Miller (2002, p. 94) publica artigo de que a cultura humana é feita e entendida, através de dispositivos, utilizados pelo homem para tornar-se mais atrativo sexualmente, acreditando o autor, na capacidade da mente humana em criar meios e fins, capazes de seduzir e atrair pessoas para práticas sociais. Kaplan, Sadock e Grebb (2006, p. 635) atribuem o desenvolvimento da parafilia a experiências precoces que condicionam ou socializam a criança no sentido de cometer o ato parafílico, segundo os autores, a criança molestada, pode, quando adulta, predispor-se a receber contínuos abusos ou tornar-se alguém que abusa dos outros.
A teoria psicanalítica oferece um modelo etiológico dirigido às perversões, o qual seria um desvio do impulso sexual dos seus fins e do seu objeto, em resposta à angústia de castração. Tratando-se muito mais de uma alteração da relação do EU com os objetos do que uma anormalidade da pulsão sexual.
O Profº Miranda (1990) segundo ensaio de Freud que “só se pode distinguir a perversão da normalidade, porque a perversão se caracteriza por uma fixação prevalente, até mesmo total, do desvio quanto ao objeto, e pela exclusividade da prática quanto ao desvio com relação ao objeto”.

O descobrimento da sexualidade infantil permitiu a elaboração de hipóteses sobre a causa das parafílias. As perversões, doutrinariamente, segundo ensaios psicanalíticos, seria um momento natural do desenvolvimento psicossexual da criança, que se utiliza simbolicamente de objetos, excrementos e figuras parentais como objeto de desejo e prazer. Desse modo, as parafilias seriam fixações ou regressões ao inconsciente perverso que existe na mente adulta. O parafílico é um indivíduo que não completou o processo de desenvolvimento normal até o ajuste heterossexual. O fracasso para resolver a crise edipidiana pela identificação com o pai-agressor (para os meninos) ou mãe-agressiva (para as meninas) acarreta uma identificação inapropriada com o genitor do sexo oposto ou uma escolha inadequada de objeto para liberação da libido. Cologuese Junior(2007), professor do departamento de formação em psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, afirma ser a perversão um componente sexual infantil que não sofre repressão e não foi modificado pelos diques naturais, permanecendo, na vida adulta, como algo infantil.
Diversos fatores orgânicos anormais podem ser citados. Kaplan; Sadock e Grebb, (2006, p. 636) evidenciaram, entre os parafílicos, que 74% dos avaliados possuíam níveis hormonais anormais, 27% apresentavam sinais neurológicos leves ou acentuados, 24% apresentavam anormalidades cromossômicas, 9% tinham convulsões e dislexia e 4% apresentavam transtornos psiquiátricos maiores e retardo mental.
Kimura (2006) afirma que

a influência dos hormônios sexuais na organização cerebral, estando o hormônio sexual masculino, testosterona, além de funções organizacionais e da formação de caracteres sexuais, a estrutura o comportamento e direcionar a identidade sexual, ficando claro o papel desse hormônio no comportamento sexual e na agressividade.

Melnyk apud Thibaut (2000) afirma que a incidência da anomalia cromossômica XYY nos delinqüentes sexuais que apresentam deficiência intelectual, seria oito vezes superior a encontradas na população de homens não delinqüentes com retardo mental. Observa o autor que a testosterona encontra-se elevada em homens com antecedentes criminais e também em pessoas com cariótipo XYY. Em se tratando do comportamento sexual e do controle de andrógenos (hormônios sexuais masculinos), neuromediadores (peptídeos opiáceos) intervém na regulação dessas funções e qualquer desequilíbrio nestes neuromediadores, pode desencadear comportamentos sexuais desviados ou parafílicos. Lesões cerebrais, principalmente em regiões frontais, também podem causar transtornos sexuais. Evidenciam-se também modificações no comportamento sexual entre os usuários de bebidas alcoólicas e de cocaína, provavelmente pelo efeito desinibidor dessas substâncias que acontece principalmente pelos seus efeitos dopaminérgicos.
A concepção etiológica do desvio sexual ao que tudo indica é multifatorial, as diversas contribuições doutrinárias a respeito da causa das parafílias não estabelecem uma conclusão e todas as pesquisas a respeito indicam tanto influências biológicas quanto psicossociais. O parafílico difere do criminoso comum na gênese do seu comportamento, enquanto o comportamento do primeiro independe da sua vontade, da estruturação sociofamiliar, das relações afetivas entre seus membros ou da imposição de limites e regras sociais, os criminosos comuns sofrem grande interferência dessas influências, a falta ou prejuízo de uma dessas causas, pode servir de forma incitadora para o crime. Existem, naqueles com desvio sexual, causas biológicas bem definidas e influências psicossociais que determinarão o caráter desviante do indivíduo. O desvio sexual obedece a regras e motivações próprias, diferentemente das motivações delituosas comuns.
A criminalidade de fantasia, aquela que acontece apenas na mente humana onde não há exteriorização da idéia ou do impulso, sendo contida pelos freios morais e éticos do psiquismo; pode os diversos desvios sexuais ser contidos por estes diques naturais e, em muitos casos, como em um ato compulsivo, a idéia, força incontrolável da mente humana, necessitar para alívio da angústia inerente ao mal estar causado pela idéia, pensamento ou situação serem liberados para o meio exterior, causando assim prejuízo ao indivíduo e à sociedade. A necessidade e a integridade da vontade parecem ser de grande importância para consumação do desvio sexual, o comprometimento dessa função mental pode desencadear atos impulsivos, ação incontrolável e irrefreável, própria dos estados anormais da vontade e indicadora de desvio sexual ou parafilia. A perda do controle e a impossibilidade de detenção do impulso caracterizam o estado de anormalidade sexual.










5 CLASSIFICAÇÃO DOS DESVIOS SEXUAIS

A classificação da parafilias só pode ser mais bem compreendida a partir da sua concepção histórica. O entendimento do processo evolutivo do conhecimento científico permitiu uma mudança na visão da sexualidade ou do instinto de reprodução ou sexual, adquirindo uma outra forma de entendimento, diferente da única e exclusiva função de perpetuação da espécie. O caráter lúdico, a necessidade do bem-estar físico e mental, relacionado com o prazer sexual, modificaram a maneira dos relacionamentos humanos. O conhecimento da genética, a influência dos hormônios, em particular a testosterona, as diversas influências psicossociais explicam e intervêm nas diversas funções, disfunções e distorções da função sexual.
Lacassagne apud Silva (1951, p. 426), que classifica os desvios sexuais em:
1º Grupo: Formas patológicas relativas à quantidade:
a) Estados de aumento ou de exaltação. Temperamento genital. Excitação genésica tão freqüente em certas afecções: ataxia, raiva e tuberculose. Onanismo. Satiríase. Ninfomania. Crises genitais momentâneas. Exaltação acompanhando certos atos fisiológicos. Psicose puerperal, psicose da menopausa.
b) Estados de diminuição ou de torpor. Frigidez habitual ou momentânea. Impotência. Ausência congênita do apetite sexual. Erotomania.

2º Grupo: Formas patológicas concernentes à qualidade:
a) Inversão do instinto sexual: duas formas correspondentes aos dois sexos: pederastia e tribadismo.
b) Desvios propriamente ditos: necrofilia, bestialidade, fetichista, ....

O mesmo autor cita nas páginas 426 e 427, a classificação de Krafft-Ebing:
1- Paradoxia: emoção sexual surgindo fora da época normal dos processos anatômico-fisiológicos nos órgãos generativos.
2- Anestesia: falta de excitação capaz de despertar a atividade sexual do indivíduo.
3- Hiperestesia: exaltação do instinto, a vida sexual impõe, com vigor anormal, exaltações orgânicas, psíquicas e sensoriais.
4- Parestesias: a exacerbação só se desperta mercê de exaltações inadequadas.

Garcia (1979, p. 213), considera as parafílias ou desvios sexuais como psicopatia. Alega falha na classificação de Kurt Scheneider para os distúrbios na personalidade (psicopatia), por não incluir os desvios sexuais como psicopatias sexuais.
Kolb (1979, p. 473) considera os portadores de desvios sexuais como portadores de defeitos na personalidade, “o termo psicopata sexual ou desviado deveria limitar-se aos indivíduos com impulso sexual, através de transtornos nas etapas de desenvolvimento da personalidade ou permanecem imaturos ou criam um desvio no curso de sua maturação”.
Vargas (1990,p.334-335), considera as parafilias uma perturbação da personalidade e, para isto, cita a teoria semiológica de Dupré, nas quais se evidenciam anomalias constitucionais nos instintos básicos (sono, apetite, vida sexual, funções fisiológicas), provocando alterações comportamentais, morais e sociais. Baseado com a vida instintiva, Dupré assim classificou as parafilias:
1) Quantitativas: satiníase, ninfomania, impotência sexual e anafrodisia.
2) Qualitativas: sadismo, masoquismo, necrofilismo, homossexualismo.
3) Objetos: bestialismo, pigmalionismo, fetichismo, exibicionismo
Ey (1978, p.342-349) coloca os desvios sexuais no capítulo referente ao desequilíbrio mental, juntamente com as “personalidades psicopáticas e toxicomanias”, distinguindo o desvio sexual dos distúrbios da personalidade, admitindo desta forma, ser os desvios sexuais entidade nosológica independente dos distúrbios de personalidade, com características e mecanismos etiopatogênicos próprios. O autor classifica essas anomalias em:
1- Anomalias de eleição do objeto: autoerotismo (onanismo), pedofilia, gerontofilia, incesto, homossexualidade, zoofilia, fetichismo, necrofilia, vampirismo, travestismo, transexualismo, etc
2- Anomalias do ato ou do fim: voyeurismo, exibicionismo, ataques substitutivos, sadismo e masoquismo.
A partir de 1917, a Associação Psiquiatria Americana (APA) começa a classificar as doenças mentais em categorias psicopatológicas e somente em 1952 surge o primeiro manual estatístico e diagnóstico das desordens mentais o DSM-I, sucedendo-se em anos seguintes até o atual DSM-IV Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais editado pela APA e que nomeia e classifica as parafílias. De acordo com o DSM-IV Manual ... (1995, p. 495 - 504), as características essenciais de uma parafília consistem em fantasias, anseios sexuais ou comportamentos recorrente, intensos e sexualmente excitantes, em geral, envolvendo: 1-objetos não-humanos; 2- sofrimento ou humilhação, próprios ou do parceiro ou 3- crianças ou outras pessoas sem o seu consentimento. Além destas especificações, as parafílias apresentam critérios para cada uma das características: ocorrer durante um período mínimo de 6 meses (Critério A) e que o comportamento, os anseios sexuais ou fantasias causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo (Critério B).
Classificam-se as parafilias de acordo com o DSM-IV Manual (1995) em: exibicionismo, fetichismo, frotteurismo, pedofilia, masoquismo sexual, sadismo sexual, fetichismo transvéstico, voyeurismo e parafilias sem outras especificações (escatalogia telefônica, necrofilia, parcialismo, zoofilia, coprofilia, clismafilia eurofilia. Todas essas parafilias podem se iniciar na infância ou nos primeiros anos da adolescência, mas se tornam mais definidos e elaborados durante a adolescência e início da idade adulta. Estes transtornos tendem a ser crônicos e vitalícios, com tendência a diminuírem com o avanço da idade em adultos.
A Classificação Internacional das Doenças Mentais (CID-10), elaborada pela Organização Mundial de Saúde em sua versão nº 10, classifica as parafilias no grupo relativo aos transtornos de preferência sexual, tipificando-as em fetichismo, transvestismo fetichista, exibicionismo, voyeurismo, pedofilia, sadomasoquismo, transtornos múltiplos de preferência sexuais, outros transtornos de preferência sexuais e transtornos de preferência sexuais não especificados (ORGANIZAÇÃO ..., 1993, p. 213 - 216).
As parafilias podem apresentar várias classificações, entretanto as classificações da C.I.D-10 e DSM-IV são as que mais fidedignidade demonstram e as que servem de parâmetro para qualquer definição ou avaliação de comportamento sexual.
Clinicamente os desvios sexuais são melhores compreendidos através da sua conceituação e da relação com a clínica, sendo assim, podemos analisar cada parafilia isoladamente através dos seus critérios clínicos, necessários para formulação diagnóstica:
1- Exibicionismo: Transtorno do instinto sexual, caracterizado por exteriorização, em público ou a um estranho, dos órgãos genitais, não existindo qualquer tentativa de uma atividade sexual adicional com o estranho, resumindo-se tudo somente nesse ato. Em alguns casos, o exibicionista tem conscientemente o desejo de chocar, em outras, devido suas fantasias, o exibicionista sente-se extremamente excitado quando observado por um estranho ou em público. O exibicionismo é mais freqüente em homens que em mulheres. O início ocorre antes dos 18 anos, podendo em alguns casos começar mais tarde, diminuindo de intensidade a partir dos 40 anos.
Interesse médico-legal: O exibicionismo pode acontecer em pessoas portadoras de esquizofrenia, alcoolismo, estados demenciais, retardo mental e transtorno de personalidade tipo anti-social. Nestes casos a parafilia é sintoma de uma doença mental ou de uma perturbação da saúde mental. Em alguns casos não se observa nenhuma doença mental ou perturbação mental envolvida com o transtorno, o exibicionismo é verdadeiro, está significativamente fora dos critérios de diagnóstico destas patologias, tendo critérios próprios de diagnóstico e parecendo está envolvido com perturbação nos instintos sexuais.
2- Fetichismo: Desvio do instinto sexual cujo foco parafílico ou de interesse sexual envolve o uso de objetos inanimados (fetiches ou fetichismo impessoal) ou determinada parte do corpo ou peculiaridade individual (fetichismo corporal). Os fetiches mais comuns são as calcinhas, soutiens, meias, camisolas, sapatos, botas, vestidos ou outras peças do vestuário feminino. Quanto a parte do corpo ou peculiaridade individual pode-se afirmar que as mãos, pés, nariz, orelha, nuca, seios, nádegas, cabelos, idade cor, porte físico, odor ou algum defeito físico, são sem dúvidas os mais freqüentes. Em geral o fetichista geralmente se masturba enquanto segura, cheira ou esfrega sobre seus órgãos genitais o fetiche. Outras vezes só conseguem realizar o ato sexual com a mulher vestida de acordo com suas fantasias ou apoiando-se em determinadas particularidades; distante do objeto ou dessas particularidades poderá manifestar absoluta disfunção erétil. O fetichismo é mais comum em homens do que em mulheres. Têm início na adolescência e possui tendência a cronicidade uma vez estabelecido.
Interesse médico-legal: Trata-se de uma perturbação do instinto sexual variando o grau de gravidade de acordo com o comprometimento psíquico individual e do prejuízo social e ocupacional. Alguns fetichistas sexualmente excitados podem, com o intuito de conseguir o fetiche, cometerem furto e ultraje ao pudor. Alguns, devido ao grau de comprometimento, quando casados, podem provocar anulação de casamento.
3- Fetichismo Transvéstico: É uma forma de desvio sexual encontrada em homens heterossexuais, que consiste em vestir-se com roupas femininas e em geral se masturba enquanto usa estas indumentárias. O transvéstico pode usar um único item do vestuário feminino ou vestir-se completamente como mulher. Normalmente, quando não está transvestido, os homens têm interesses exclusivamente masculinos, apesar de vida sexual restrita a poucas parceiras e de ocasionais relacionamentos homossexuais. O transtorno tem início na infância ou adolescência e tende ao agravamento na idade adulta, principalmente quando começar exposição em público, mesmo que estas aparições sejam sigilosas, a satisfação erótica faz aumentar o desafio do fetichismo. Este tipo de transtorno provoca prejuízo clínico, principalmente quadros depressivos, e prejuízo funcional e ocupacional.
Interesse médico-legal: O desvio sexual normalmente expõe e segrega o parafílico, o envolvimento com minorias, grupos homossexuais, o caráter diferente de comportar-se ou de demonstrar seu foco sexual, pode comprometer o funcionamento psíquico e levá-lo a experimentar quadros depressivos. Os transvésticos são normalmente vítimas de pilhérias e o fracasso matrimonial com anulação do casamento e divórcio são as conseqüências mais comuns desses transtornos.
4- Satiríase e Ninfomania: Exaltação mórbida do apetite sexual. A satiríase é um fenômeno que acontece nos homens e se caracteriza por uma intensa necessidade de manter relações sexuais, ereção peniana contínua e ejaculações repetidas, muitas vezes acompanhadas por agressões físicas e delírios. A ninfomania é um evento patológico que acontece em algumas mulheres, na qual se observa um exagerado interesse por atividade sexual e está, assim como a satiríase, envolvida com doença mental ou transtorno da saúde mental.
Interesse médico-legal: Freqüentemente os portadores destas parafilias estão envolvidos com escândalos, atentados contra o pudor, prostituição, adultério, agressão e homicídio. São fenômenos que podem ser encontrados nos portadores de transtornos de personalidade tipo anti-social, nos episódios maníacos do transtorno bipolar e em alguns casos demenciais.
5- Erotomania: Caracteriza-se este desvio pela fixação de uma idéia referente a paixão ou amor eterno. O erotômano vive a fantasia do amor ideal, puro e sem imperfeições, não manifestando pela pessoa amada qualquer desejo sexual. Geralmente são tímidos e retraídos e vivenciam suas paixões de maneira discreta e as escondidas, em segredo demonstram todo o seu amor através de poesias, cartas nunca mandadas ou com nomes fictícios em chats ou sala de bate-papos virtuais. Alguns, mais impulsivos, telefonam, escrevem cartas com declarações de amor eterno, emitem e-mails ou seguem todos os passos da pessoa. Conhecedores da vida desta costumam escreverem diários ou acompanhar toda a sua trajetória de vida com grande contentamento, como se estivesse próximo ou com algum tipo de envolvimento afetivo.
Interesse médico-legal: O erotômano geralmente é portador de transtorno de personalidade tipo bordeline ou esquizotímica e quase sempre incomodam a pessoa amada com a impertinência do seu comportamento, alguns chegam a ameaçar a pessoa quando não correspondido e nestas ocasiões podem ter sérias implicações policiais e legais; outros são tímidos e retraídos e quase não expressam seus sentimentos, arredios, preferem a idéia do amor puro e isento de qualquer maledicência.

6- Voyeurismo: Desvio sexual caracterizado pela sensação de prazer ao observar pessoas nuas ou em atividades sexuais. O portador desta parafília tem interesse voltado exclusivamente para a observação, não havendo interesse sexual pela pessoa observada, ficando a satisfação orgástica realizada através da masturbação. O curso do voyeurismo é crônico e se inicia ainda na adolescência. Geralmente o voyeur começa suas atividades e alguns persistem colecionando ou deliciando-se com revistas, filmes ou sites pornográficos.
Interesse médico-legal: Os portadores deste transtorno costumam, devido o curso crônico, passarem despercebidos, entretanto, quando incomodativos ou quando houver grave prejuízo social ou funcional, ameaçando a intimidade alheia, ficam expostos a conflitos pessoais e envolvimento policial.
7- Narcisismo: A designação vem da mitologia grega, quando Narciso ao vê sua imagem refletida nas águas de uma fonte, impressionado por sua beleza, apaixonou-se por si mesmo e, desse amor, morreu. O narcisismo consiste em um transtorno que denota comprometimento da personalidade, na qual a pessoa acometida tem um excessivo amor pessoal, com tendência a ser o centro das atenções e um senso de beleza que dificulta qualquer tipo de relação com outra pessoa, por não achá-la suficientemente bela ou a altura da sua sabedoria. Os narcisistas costumam ser individualistas e incapazes de dividirem sentimentos. São indivíduos que beijam o próprio retrato, masturbam-se em frente de um espelho ou se exibem para uma platéia única.
Interesse médico-legal: Geralmente são pessoas individualistas ou solitárias e não causam ou atentam contra a ordem e costumes. Às vezes o narcisismo aparece como sintoma de doença mental e pode prejudicar o funcionamento pessoal. Poucos são os problemas causados por este transtorno, algumas vezes quando associado ao exibicionismo, podem causar algum atentado contra o pudor ou como sintoma de sofrimento mental, serem mais expostos a estes problemas e sofrerem repressão policial.
8- Sadismo: Desvio sexual na qual o indivíduo portador desta parafília só experimenta prazer sexual por meio de sofrimento físico ou psicológico, dominação e violência sobre uma pessoa do sexo oposto ou do mesmo sexo. É um desvio de curso crônico, com início geralmente na idade adulta, podendo estar presente a partir da adolescência. O sadismo caracterizá-se pelo caráter repetitivo do ato, estando envolvido diretamente com satisfação sexual. As atividades sádicas variam em intensidade ou grau de severidade, de acordo com o Profº Teixeira (1954, p.120-122), estas atividades se classificam em:
1- Leve ou de 1º Grau: caracteriza-se pelo sadismo imaginário, na qual o indivíduo se satisfaz em escrever, imaginar, ler, assistir a filmes ou peças teatrais relacionados com o tema, na qual a evocação ou aparecimento de cenas violentas podem provocar-lhe orgasmos. Outras vezes o simples insulto ou ofensa à parceira ou parceiro, ditos na maioria das vezes aos sussurros, propiciam intenso prazer sexual.
2- Moderado ou de 2º Grau: mais grave que os casos anteriores, esta forma de sadismo já apresenta alguma agressão ou ofensa física determinada, observa-se nos agressores condutas típicas como beliscões, mordeduras, picadas com objetos perfurantes em diversas partes do corpo, queimaduras com fósforos ou isqueiros, tapas, flagelações com chicotes, fios elétricos, cintos ou conduta de amarrar a parceira ou parceiro com o intuito de torturá-lo (a).
3- Grave ou de 3º e 4º Grau: Aqui se observa lesões mais graves, como as mutilações, dilaceração de órgãos genitais, esquartejamento, degolamento, agressão com instrumentos contundentes e perfurocortantes e assassinatos. Todas as agressões são capazes de provocar grande satisfação sexual e muitas vezes o orgasmo só é conseguido com uma dessas atitudes de violência ou com a morte da parceira ou parceiro.
Interesse médico-legal: As manifestações sádicas variam de intensidade e gravidade, e de acordo com estas manifestações, podemos estabelecer o grau de comprometimento e de responsabilidade do sádico. As manifestações leves quase sempre não o levam a ter envolvimento policial; as manifestações mais graves, devido o grau de sofrimento físico da vítima, levam o agressor a responder penalmente pelos seus atos. É importante enfatizar que muitas pessoas ofendidas por sádicos cooperam e aceitam sua flagelação com igual satisfação sexual, outras vezes quando obrigadas a violências ou sujeitas a ultrajes desmoralizantes, recorrem aos recursos legais, obrigando os agressores a responderem penalmente. Os sádicos podem estar relacionados com alguns transtornos mentais e dentre eles, o transtorno de personalidade anti-social é o mais comum e o mais grave, o sádico com manifestações anti-sociais são de alta periculosidade e propensos a qualquer tipo de violência para sua satisfação.
9- Masoquismo: É o desvio, na qual a satisfação sexual, o prazer erótico, só é alcançada pelo indivíduo através de sua humilhação, sofrimento físico ou moral. O masoquismo tem curso crônico, com início nos primeiros anos da idade adulta, com tendência a repetir o mesmo ato masoquista durante o curso de sua vida. Não há preferência quanto ao sexo, parece haver discreta tendência para o sexo feminino. O masoquismo possui classificação quanto à intensidade e severidade dos atos masoquistas, geralmente os estágios mais leves contentam-se em alcançar o prazer sexual através de fantasias de espancamento, maus tratos físicos e de grande humilhação do parceiro ou parceira; os casos mais severos do masoquismo, o indivíduo só alcança o orgasmo através de humilhações, de servidão extrema, satisfação em ouvir insultos ou palavras ofensivas contra sua honra e moral; outras vezes não satisfeito com esse comportamento passivo e obediente, o masoquista procura meios violentos ou satisfação sendo sujos por excrementos humanos; nesses casos o indivíduo, também, satisfaz-se com surras, picadas, cortes, chicotadas e outros meios violentos para satisfazerem-se sexualmente.
Interesse médico-legal: Geralmente o masoquista não procura as autoridades policiais para denunciar seu agressor. O prazer em trazer consigo marcas e cicatrizes da sua flagelação, não provoca no parafílico nenhum constrangimento ou vergonha, muitas vezes as cicatrizes são troféus que revelam a satisfação sexual alcançada. Em alguns casos, o médico é chamado para identificar ou esclarecer, se as marcas encontradas são resultados de agressão não consentida; em outros casos, devido à gravidade do sofrimento imposto com finalidade de alcançar o prazer sexual, pode resultar em morte acidental. Nesses casos a autoridade deve proceder como se tratasse de um homicídio. Algumas vezes, o masoquismo pode ser causa de anulações de casamento e em outras, o encontro da plena satisfação quando se associa ao sádico.
10- Riparofilia: Desvio sexual na qual o sujeito portador só encontra prazer sexual naquilo que normalmente provoca aversão, nojo ou com características de sujeira ou imundice. Alguns parafílicos riparofílicos só se satisfazem com parceiros (as) sujos ou com odor de fezes, manipulando ou poluindo-se com excrementos; outros buscam o prazer em pessoas com odor de urina ou exalando mau cheiro corporal.
Interesse médico-legal: Os portadores deste distúrbio sexual têm frequentemente relação com doença mental, muitos são portadores de graves transtornos mentais e apresentam o desvio sexual como sintoma desses transtornos. Aqueles, isentos de doenças mentais, geralmente ficam expostos ao ridículo, às desconsiderações e à incompreensão do ato. A atividade riparofílica necessita da concordância ou indiferença do parceiro e, necessariamente, não se configura como atentado ao pudor ou infração penal, a não ser que haja provocação de pessoas que discordam do convite ou da preferência do indivíduo.
11- Bestialidade ou Zoofilia: Desejo sexual caracterizado pela atração e satisfação sexual por animais. Os portadores deste transtorno, geralmente, solitários ou portadores de transtornos mentais, escolhem animais, indiferentes ao porte deles, em substituição a um relacionamento humano, para satisfazerem suas necessidades, quer por desejo instintivo desviado, quer por comprometimento mental grave.
Interesse médico-legal: Podem os zoofílicos ter implicações legais envolvendo atentado ao pudor e agressão contra animais, configurando-se nesses casos de crime ambiental. Esses desvios demonstram certo comprometimento mental, cuja expressão psicopatológica pode se limitar ao desvio ou fazer parte, como sintoma, do quadro clínico psiquiátrico, necessitando, assim, de cuidados clínicos especializados.
12- Necrofilia: Trata-se de um desvio na preferência sexual, na qual o indivíduo tem desejo sexual por cadáveres, insepultos ou já sepultados, violando túmulos ou urnas fúnebres. Alguns se tratam de doentes mentais, outros com componentes sádicos na sua personalidade, expressam esse desvio em cemitérios, igrejas ou com pessoas vivas, desde de que estas simulem estarem mortas, deitadas em caixão ou em ambiente triste e sombrio.
Interesse médico-legal: Detectar se o indivíduo por conta desse desvio sexual é portador de algum transtorno mental, caso o necrófilo não apresente sinais indicativos de doença mental, configura-se o seu ato de crime de vilipêndio de cadáver.
13- Pedofilia: de acordo com Parisotto(2007), este transtorno parafílico é definido como sendo a presença de fantasias e excitação sexual com crianças pré-púberes, efetivando tais urgências, com sentimento de angústia e sofrimento. Identifica o abusador como maior de 16 anos de idade e pelo menos 5 anos mais velho do que a vítima. O DSM IV Manual ... (1995, p. 499-500) testifica a pedofilia como sendo a atividade sexual com criança pré-púbere (geralmente com 13 anos ou menos) e o indivíduo pedófilo deve ter 16 anos ou mais e pelo menos 5 anos mais velho que a vítima. O DSM IV identifica que os portadores desse transtorno sentem atração sexual por crianças de uma determinada faixa etária, por sexo ou por ambos os sexos, estando, então classificados os pedófilos em tipo exclusivo ou não exclusivo, de acordo com a sua distorção sexual ou preferência. Os ataques sexuais sobre crianças geralmente tomam a forma de abordagens verbais ou excitação genital, ou podem consistir em fazer carinhos na criança sem contato especialmente genital (STORR, 1976, p. 95). O grau de comprometimento do pedófilo, a sua gravidade, varia de acordo com a presença de comorbidades, o uso de substâncias, o sadomasoquismo, o transtorno de personalidade anti-social tornam o agente capaz de ato violento, sujeito a crimes hediondos e reincidivantes em suas manifestações.
Interesse médico-legal: A identificação deste transtorno, apesar da dificuldade do diagnóstico precoce, tem efeito profilático sobre possíveis danos à sociedade, principalmente às crianças. Os portadores deste desvio sexual estão sujeitos a crimes de atentados contra o pudor e a outros crimes relacionados à violência contra menores. A identificação de comorbidades sinaliza a gravidade do pedófilo e a imposição de penalidades para os seus atos. Os pedófilos respondem pelas conseqüências dos seus atos através de mecanismos legais existentes.

6 IMPLICAÇÕES LEGAIS

Art.129 (C.P.B): Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.
Pena: Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Art.130 (C.P.B): Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio venéreo, de que sabe ou deve saber que está contaminado.
Pena: Detenção de 3 (três) meses a 1 (ano)

Art.131 (C.P.B): Praticar, com fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio.
Pena:

Art. 213 (C.P.B): Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.
Pena: Reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Art. 214 (C.P.B): Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Pena: Reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Art. 215 (C.P.B): Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude
Pena: Reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos

Art. 216 (C.P.B): Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à pratica de ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Pena: Reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Art. 216 – A (C.P.B): Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena: Detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Art. 218 (C.P.B): Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo.
Pena: Reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Art. 233 (C.P.B): Praticar ato obsceno em lugar público, aberto ou exposto ao público.
Pena: Detenção 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.

Art. 234 (C.P.B): Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno.
Pena: Detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos ou multa.



























CONCLUSÃO


Historicamente as disfunções sexuais e as parafílias acompanham o homem em toda a sua trajetória de vida. A possibilidade da existência de um destes transtornos serviu de pretexto para as mais diferentes interpretações. Entretanto, a concepção moralista, a possibilidade do pecado, ignora os achados científicos para a explicação de tais comportamentos, dificultando o entendimento e a possibilidade de ajuda.
A interpretação psicanalítica de Freud foi sem dúvida um marco divisor entre o conhecimento empírico e a possibilidade de uma explicação técnica-científica. A partir de Freud, diversas correntes doutrinárias, sociológicas, psicológicas e biológicas, tentam explicar o porquê dos desvios sexuais.
A Lei, guardiã dos costumes e da ordem, mantém sob tutela aqueles comportamentos que a sociedade julga ser inconveniente ou inaceitável, independente de qualquer explicação técnica. Tipifica aquilo que a sociedade não aceita.
O avanço do mercado pornográfico, a liberação sexual, a revolução feminista, o comportamento permissivo de vários setores da sociedade, incluindo-se a família em relação a sexualidade, permitiu que esta, tivesse uma visão liberal do comportamento sexual, aceitando determinadas condutas como atividades preliminares ou complementares da atividade sexual, sem contudo, permitir ou conceber, explicações científicas sobre estas atividades, preferindo ouvir ou aceitar supostas teorias televisivas do comportamento humano.
Tentamos neste trabalho explicar através de ampla revisão bibliográfica os desvios sexuais ou parafílias, demonstrando através de várias correntes doutrinárias, que os desvios sexuais são fenômenos multicausais, que mobilizam o comportamento e a vontade, podendo trazer sofrimento e prejuízo pessoal e social.













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