sábado, 2 de novembro de 2024

 

KATÁ, O TERROR DE SÃO LUÍS NO INÍCIO DA DÉCADA DA 1970.

 

 No final da década de 1960 a pacata São Luís foi surpreendida por um brutal crime de homicídio. Um homem, morador nas imediações da Rua do Norte, chegando à Praça da Saudade, havia assassinado com vários golpes de faca a sua própria esposa, que segundo informações da época, estaria grávida e após o transloucado ato, o homem teria atentado contra a sua própria vida, sendo levado ao Hospital do Pronto Socorro e sobrevivido. Desde esta época havia dúvida sobre a sanidade mental deste homem.

E quem era este homem, que com tamanha crueldade, foi capaz de assassinar a sua esposa, que estava grávida de seu próprio filho, sem nenhum motivo que justificasse este ato de tamanha violência?

Esta pessoa tinha as iniciais de O.N.G.F, conhecido nos bairros de São Pantaleão, Madre-Deus e adjacências pela alcunha de Katá. Ele morava na Rua do Norte, em frente à Praça da Saudade, afirmava ter a profissão de marceneiro e havia servido o Exército Brasileiro, nº 912 e vivia perambulando pela Rua do Norte, Praça da Saudade e Rua de São Pantaleão. Tinha um porte físico tipo atlético e era um contumaz usuário de maconha e constantemente envolvia-se em confusões, tinha um comportamento agressivo e desafiador.

Katá costumava-se vestir-se com roupas femininas e assim caminhava pelas ruas da cidade geralmente armado com uma faca tipo “peixeira” escondida por baixo da roupa e quando provocado, por estar usando roupas femininas, reagia sempre de forma ameaçadora.

Foi preso por diversas vezes e desde a época do brutal assassinato, o advogado contratado pela família para a sua defesa, Dr. José de Jesus Jansen Pereira, alegava que o seu constituinte era inimputável e deveria ser transferido para o Hospital Nina Rodrigues.

Conheci Katá na década de 1970 quando estudava no Liceu Maranhense e confesso que morria de medo ao vê-lo falando sozinho, com trajes inadequados ou insultando as pessoas. Posteriormente, o conheci pessoalmente, e conversei com ele por diversas vezes quando estagiava no Hospital Nina Rodrigues sob a supervisão da extraordinária professora e psiquiatra, Dra. Maria Olímpia Carneiro Mochel.

O.N.G.F, o Katá, possuía diversas internações no Hospital Nina Rodrigues. A primeira internação aconteceu no período de 06/08/1965 a 31/09/1965 e a última internação em 14/02/1982, quando foi preso no bairro do Desterro portando diversos cartuchos de maconha. Em todas as internações de Katá, todas em caráter compulsória, ele se evadia, pouquíssimas vezes recebeu alta melhorada. Uma dado me chamou atenção, era que Katá mesmo submetido a todas as terapias existentes na época, aí se inclui o eletrochoque, Katá não apresentava melhora do ponto de vista de conviver em sociedade, talvez o consumo exagerado de maconha tenha agravado o seu espado psicopatológico.

Na análise da documentação que tenho em posse, Katá tinha no prontuário o diagnóstico de “Personalidade Psicopática”, sendo assim, juridicamente semi-imputável.

No dia 03/05/1971 O.N.G.F, o Katá, foi submetido a uma nova perícia a pedido do seu advogado e realizado pelo médico psiquiatra e professor, Dr. Beethovem Matos Chagas, que o diagnosticou como portador de “Esquizofrenia Paranoide”, sendo assim, inimputável, livre de qualquer tipo de condenação.

Após a perícia e já de alta médica e com recomendação de manter o tratamento no ambulatório do Hospital Nina Rodrigues, Katá permaneceu agressivo, resistente ao tratamento e extremamente ameaçador, embora não tivesse mais cometido nenhum crime de homicídio, permaneceu consumindo maconha e foi preso diversas vezes.

A sua última internação aconteceu no dia 14/2/1982, sempre de forma compulsória e nesta época, Katá não tinha mais os pais e nenhum parente que pudesse ou tivesse coragem em acolhe-lo, vivia pelas ruas e assentava-se no bairro do Desterro, conhecido pelas inúmeras “boca de fumo”.

No dia 25/05/1982, eu, médico recém-formado e ainda na especialização em Psiquiatria, com interesse na Psiquiatria Forense, por influência do estimado professor e o mais renovado psiquiatra forense do Brasil, Prof. Dr. Talvane Marins Moraes, recebi no estado do Rio de Janeiro, uma intimação assinada pelo MM Juiz de Direito, Dr. Sebastião Leopoldo M. de Campos, Titular da 6ª Vara Criminal da Capital, convocando-me para ser perito oficial no exame de sanidade mental em O.N.G.F, o Katá.

Em julho, durante meu período de férias do curso de especialização, iniciei o exame mental em Katá, que já estava bastante alquebrado e com sinais de sintomas psicóticos. Katá não esperou a conclusão do exame e evadiu-se do Hospital Nina Rodrigues, algum tempo depois, doente e com sequelas de um AVC, Katá veio a óbito em sua residência.

Assim foi a história de Katá, mais um personagem da cidade de São Luís. Uma triste história!

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

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