domingo, 22 de junho de 2025

 O DOMINGO COM MARROM GLACÊ

Hamilton Raposo Miranda Filho 


Tenho me preocupado nos últimos anos com o futuro do marrom glacê. Um doce pouco lembrado, mas que tem a cara e a marca registrada da sobremesa típica da casa dos meus pais.


Não era uma sobremesa comum; tinha lá seus encantos e particularidades. A marca preferida dos meus pais era Cica, servida sempre após o almoço de domingo, na companhia do insubstituível e irresistível queijo de cuia.


O almoço especial do domingo tinha, invariavelmente, galinha ao molho pardo e algumas vezes, linguiça de Buriti Bravo, trazida pelo seu Teodoro, um amigo de infância do meu pai, e como “Petit Résistance”, alguma invenção culinária da minha irmã Hamilena, tirada dos seus inúmeros cadernos de receitas. O comando da cozinha era de Crisálida, uma negra quilombola, companheira dos meus pais, enquanto tiveram vida. De Crisálida, além do afeto e da companhia, trago a coroa de São Benedito como presente de casamento.


Durante o almoço discutíamos política, comíamos e bebíamos vinho tinto Raposa ou Cabeça de Touro. Às vezes, com a finalidade de melhorar o sabor do vinho, adicionávamos Guaraná Jesus, uma mistura bizarra que unia e divertia a família. Compartilhavam a mesa e a família: Teresa, Marli e Estela, todas irmãs de alma e que muito me ajudaram na minha formação e educação.

Após o almoço, o marrom glacê, em companhia do queijo de cuia, era servido triunfalmente e depois, em um ritual contemporâneo, brindávamos a alegria e a presença de todos sob a benção do aperitivo San Rafael, finalizando a tarde com alguns comprimidos de Metionina ou Xantinon B12.

A lembrança do marrom glacê surgiu em uma dessas conversas de fim de ano. E em época de Naked Cake, tortas, pavês e sofisticados suflês, a simplicidade do marrom glacê e dos doces caseiros perderam o espaço merecido e ganhou o esquecimento moderno da sofisticação. Aqui em casa não faltam marrom glacê, goiabada cascão e queijo de cuia, e que se dane o colesterol e o triglicérides.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

 FUTEBOL DE SALÃO E AS TRIBOS DE INDIOS (do livro Crônicas das Minhas Memórias - Hamilton Raposo Miranda Filho )


Todos os meus amigos do futebol e fora do futebol sabem da minha paixão pelo Sampaio Correia Futebol Clube, a Bolívia Querida. Sou daqueles torcedores que vão ao Castelão e ao Nhozinho Santos, incentivar sua equipe. Não perdia os programas do Herberth Fontenele, o comentarista mais boliviano que existiu, e como ele, faço tudo para ver o Sampaio campeão. Não meço esforços – cheguei a viajar com o time em jogos fora de São Luís, na companhia de “Geografia”, de saudosa memória, Filadelfo, Alberto Junior, Pit Caju, dentre outros grandes desportistas.


Gostar ou não de futebol é uma coisa, ser apaixonado é outra bem diferente. São Luís, a ilha rebelde, desperta paixão, ou você gosta ou não gosta. Sempre foi assim. Aqui se torce pelo Moto Clube ou pelo Sampaio Correia, alguns até que se arriscam a torcer pelo Maranhão Atlético Clube em ocasiões muitos especiais. Meu pai era maqueano e considero o Maranhão Atlético Clube o meu segundo time, mas a paixão é ser rubro-negro ou tricolor. Na política é a mesma coisa – até algum tempo atrás, ou você gostava do Sarney ou odiava o Sarney.

 Atualmente é Flávio Dino - ou você gosta, ou não gosta dele. Houve um tempo que a polarização política era entre Cafeteira e Sarney – até que em 1985, em face da necessidade de eleger Tancredo Neves para a Presidência da República, os dois se aproximaram, e em 1986 Cafeteira elegeu-se governador do Maranhão com o apoio de Sarney.


Sou apaixonado pelo rádio AM, e anos atrás a Rádio Difusora era a minha emissora favorita, que sintonizava para ouvir Lima Junior, Fernando Sousa, Clésio Muniz, Jota Alves e Guioberto Alves. Também ouvia, pela Rádio Timbira, Rui Dourado, Jairo Rodrigues, Canarinho, Hélio Rego e vários outros. Passei muito tempo ouvindo o Domingo é Nosso, Alegria na Taba, Futebol de Meia Tigela, Ronda Policial e outros programas inesquecíveis. Ouvi e me atualizei com os acontecimentos políticos através do Difusora Opina, na voz grave e marcante de Fernando Sousa, lendo os textos escritos por Bernardo Coelho de Almeida. Como esquecer a Guerra dos Mundos, quer encenou a suposta invasão de extraterrestres em São Luís, causando o maior pandemônio na cidade. Vivíamos sem a Globo, TV a cabo ou internet. E mesmo assim, vivíamos com intensa paixão.


A paixão era tanta, que a avenida Beira-Mar ficava lotada em dias de jogos de futebol de salão, hoje futsal, no Casino Maranhense, principalmente quando a partida era entre dois dos times mais queridos da cidade: o Drible e o Cometas. O Drible, fantástico time dos irmãos Saldanha, reunia atletas como Lobão, Luizinho, Chedão, Guilherme e Mota, enquanto o Cometas contava com Dunga, Biné, Poé, Nonato Cassas e Elias. Eram noites inesquecíveis!


Certa vez assisti na Praça da Alegria a um exemplo de paixão explicita, uma briga entre dois blocos de carnaval, as tribos de índios Pownee e Apaches. Eram duas paixões. São Luís gostava de tribos de índios no carnaval e os fãs sempre acompanhavam estes blocos. O sentimento era visceral e chegavam a brigar quando se encontravam, partiam aos gritos uns para cima dos outros com tambores, lanças, reco-recos e tamborins. Eu adorava as tribos de índio do carnaval maranhense e confesso aqui um sonho que não realizei: sair em uma tribo daquelas no carnaval. Uma grande frustração.

domingo, 1 de junho de 2025

 GINÁSIO COSTA RODRIGUES, PALCO DE GRANDES EVENTOS

Hamilton Raposo Miranda Filho ( do livro Cronicas das Minhas Memórias).


A globalização da diversão é um fato; São Luís, apesar de ficar de fora do circuito dos grandes eventos do país, participa ativamente, à sua maneira, de quase tudo. A cidade repagina aquilo que é visto nos grandes centros e cria uma versão maranhense. A tradição cultural da Ilha, apesar de intocável, carece de divulgação e investimento. O fato é que a cidade pulsa festivamente e tem opção para todos.

As principais atrações até a década de 1960 eram as festas religiosas, incluindo a de São Benedito, concorridíssima. O grande evento realizado, até então, era a Feira de Incentivo e Desenvolvimento da Indústria e do Comercio (FIDIC).


A FIDIC era realizada na Praça Deodoro, que ficava cercada por horríveis tapumes de madeira, e, além dos estandes das empresas participantes, havia shows artísticos e um parque de diversão. Foi a primeira vez que eu vi uma montanha russa!


Logo após a realização da FIDIC, teve início, com uma divulgação muito maior, a Exposição Agropecuária do Maranhão (EXPOEMA), realizada na sede do Fomento Agrícola, no bairro do Outeiro da Cruz, onde hoje funciona a APAE.

Neste período, alguns cantores e bandas com apelo popular e na onda da Jovem Guarda, começavam a se apresentar em São Luís. Roberto Carlos fez seu primeiro show em São Luís no Ginásio Costa Rodrigues. Depois veio The Clevers, que fez bastante sucesso e quase permanecia na cidade, os Incríveis, Leno e Lilian. Todos se apresentavam no Ginásio Costa Rodrigues, então um mix de teatro com praça de esporte - na verdade, a primeira arena multiuso do Brasil.


A cidade funcionava lentamente ao ritmo do videoteipe. Os programas de televisão eram gravados e reapresentados pela única emissora de televisão do estado, a TV Difusora. Durante os anos de 1966 e 1967 respirávamos festivais de música popular e o principal deles foi o da TV Record, que revelou Caetano Veloso, Chico Buarque, Mutantes, Gilberto Gil, Edu Lobo, Elis Regina, Jair Rodrigues, MPB 4, Nara Leão, Tom Jobim, Nelson Motta, Milton Nascimento, os irmãos Caymmi e muitos outros. 


São Luís mais uma vez mostrou-se inserida no contexto nacional e por aqui realizou o Festival de Música Popular do Maranhão, no Ginásio Costa Rodrigues, projetando cantores e compositores no universo artístico maranhense e nacional. Sérgio Habibe, Mochel, César Teixeira, Chico e Antônio Saldanha, Ubiratan Sousa, Lopes Bogéa, Bandeira Tribuzi foram alguns dos que pontificaram nestes festivais.

“Louvação a São Luís”, transformada em hino oficial da cidade, foi uma das vencedoras em um desses festivais, realizados no Ginásio Costa Rodrigues.

Mesmo sendo de multiuso, a essência do Costa Rodrigues é o esporte, e no esporte grandes atletas desenvolveram ali suas habilidades, para a alegria dos torcedores: atletas como Tião, Hermílio, Zeca, Zé Costa, Gafanhoto, Cão, Gil, Júlio Bezerra, Telma, Biguá, Vitché, Fátima, Phil, Paulão, Carlos, Ivone, Helena, Roseana Sarney, Silvana Teixeira, Teresa Bandeira, Djalma Campos, Fifi, João Bala e o sensacional time de vôlei feminino do Colégio Dom Bosco.


A vida ludovicense passava pelo Ginásio Costa Rodrigues. Todos os eventos esportivos e culturais, desde a década de 1960, foram realizados no Ginásio Costa Rodrigues. Amizades consolidadas, disputas acirradas, ânimos exaltados, torcidas, namoros, casamentos, inovações musicais, educação e cultura - ali aconteceu de tudo.


O meu amigo, advogado e professor universitário Heraldo Moreira lembra que na fachada do ginásio eram exibidos os versos do poeta Gonçalves Dias: “A vida é um combate, que aos fracos abate e aos fortes e bravos só pode exaltar”. Estes versos, recitados todos os dias, lidos e relidos, serviam como lição de vida, espécie de mantra para o sucesso.


A partir dos anos 90, o Ginásio Costa Rodrigues amargou uma fase de declínio, com problemas estruturais e de falta de investimento. Porém, após ampla reforma em sua fachada e instalações físicas, e graças ao surgimento e ótima ascensão no cenário nacional do Sampaio Basquete, o ginásio ganhou vida e esperança para a realização de grandes eventos, que é sua legítima vocação.

sexta-feira, 23 de maio de 2025

 DIÁRIOS, COLEÇÕES E O MEU BAÚ DE OSSOS (A DESCOBERTA DE MANOELA). 

do livro Crônicas das minhas memórias.

Hamilton Raposo Miranda Filho


Sem nenhuma pretensão de ser Pedro Nava, o emérito médico e escritor de Baú de Ossos, expresso hoje a emoção de abrir o meu baú com a falante e indagativa Manoela, minha neta. Sou obrigado a confessar que também tenho o meu baú de ossos e ali guardo com muito orgulho clássicos e originais da Psiquiatria, como Pacheco e Silva, Henrique Roxo, Nobre de Melo, Henry Ey, Alves Garcia, livros com páginas amareladas, recordações e uma coleção de selos.


A minha geração foi marcada por diários e coleções. Poucos adolescente não tiveram um diário. Confidências, segredos e ingenuidades, tudo era registrado e escondido dos adultos fiscalizadores. Os diários tinham formato e características próprias, alguns artisticamente desenhados, outros mais simples, todos cheios de segredos.


As coleções também faziam parte do universo lúdico juvenil. Havia coleções de tudo: selos, lápis, flâmulas, moedas, times de botões, caixas de fósforos, tampinhas ou figurinhas. Tudo era colecionado e compartilhado. Ainda hoje mantenho guardada uma coleção de selos. Cada selo tem uma conquista ou uma história. 


A coleção de revistas do meu tio Franklin me fascinava. Ele a protegia em um guarda-roupa na casa da minha avó Flora. Era uma fantástica coleção de revistas e jornais. As revistas Cruzeiro, Tico-Tico e Revista dos Esportes, os Jornais O Globo e Dos Esportes me fascinavam e me entretinham. Acho que aprendi a gostar de futebol lendo a Revista dos Esportes e a respeitar o América Futebol Clube, pela admiração e respeito ao meu Tio Franklin. 


Na década de 1970 um casal de publicitários americano resolveu declarar o amor que sentiam um pelo outro com uma mensagem ingênua: “amar é....” Este fenômeno invadiu o Brasil, e São Luís não podia ficar de fora dessa onda, com frases feitas, bonecos, desenhos e botons. Não havia uma adolescente que não tivesse em seu caderno de escola a mensagem: “amar é...”. 


O álbum de figurinhas foi outra diversão da minha geração. Mas acho que nunca concluí um álbum, sempre faltava uma ou duas figurinhas para encerrar. A minha mãe costumava encapar os meus álbuns, de tão importantes que eram. A cidade se envolvia e se motivava na compra e troca de figurinhas. Os álbuns geralmente eram de filmes épicos, jogadores de futebol, artistas, clubes e países. Tudo era diversão, não havia pressa, nem wi-fi.


Visitei neste final de semana o meu baú de recordações e respondi como pude às perguntas de Manoela. Descobri que cada selo, cada livro ou carta conta um pouco da história das pessoas com as quais convivi e da cidade que nasci e me criei. Manoela entra assim, sem querer, para a história do meu baú de ossos.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

 OFERTORIO (do livro A Missa dos Oprimidos)

Hamilton Raposo Miranda Filho 


Trazei as cinzas dos desconhecidos,

Dos desaparecidos,

Dos sem sortes e dos sem nomes,

Dos pobres e dos oprimidos.


Depositai as cinzas nos pés

Daquele que defendeu

O criminoso,

O pobre

E o oprimido.


Depositai as cinzas nos pés

Daquele que foi migrante

Em terra estranha,

Daquele que sentiu fome e sede.


Depositai as cinzas do teu sacrifício

Nos pés daquele que foi preso

E morto por legalistas

E justiceiros de plantão.


Depositais as cinzas do teu sacrifício

Nos pés daquele que em vida

Andou com os excluídos e minorias.

Depositai as cinzas do teu sacrifício

Nos pés daquele que é a vida,

Esperança e salvação.

terça-feira, 20 de maio de 2025

 EVANGELHO ( do livro A Missa dos Oprimidos - Monólogo)

Hamilton Raposo Miranda Filho 


CARCOMIDA

I

Nada mais me resta,

Apenas os restos e o fadigar do fim.

As lembranças são restos,

Restos de uma vida

Restos de uma paixão finita

Que se perdeu com o tempo.

Restos são restos.

Restou-me um cadáver,

Um corpo sem alma

E um copo vazio.


II


Deixaste-me caído

Como o bêbado em marcha trôpega 

A tropeçar e cair pela vida,

Deixaste-me apenas.

Não me deste nenhuma alternativa,

Lamentaste de forma vil e cruel

O sorriso que ainda trago

E a perseverança da luta.

Venceste de forma cruel

E humilhaste a quem te deu vida,

E não te envergonhaste

Daqueles que caídos

Estenderam as mãos 

À procura do nada.


III


Foste passageira como um tsunami,

Arrasaste vidas,

Emoções e esperanças, 

Deixastes restos.

Restos para o amanhã.

Apenas restos,

Restos de corpos caídos,

Ainda que pútridos,

Tiveste a dignidade 

De não chamar os urubus,

Deixaste à mercê do tempo,

Na degradação lenta

E famigerada das bactérias

E por trás do sorriso gasoso

Causado pelo perfume inebriante da decomposição,

Vi em teu rosto uma lágrima

Ou talvez,

Uma gota de chorume

De arrependimento ou gozo.

De nojo, vomitaste na boca daquele que te deu vida,

Vômitos de restos,

Purulentos...

E causaste náusea

Naqueles que te seguiam,

E em comoção,

Todos vomitaram sobre os corpos caídos,

Todos eram restos,

Menos as bactérias, 

Prenúncio de vida,

E começo da morte.


IV


O fim

É a tangência do começo

E oblíquo da razão.

E matematicamente 

Desenhaste enigmaticamente um triângulo,

Como se fosse um losango,

E em cada triângulo

Depositaste um corpo,

Um homem e uma mulher,

E admiraste a nudez disforme da putrefação,

Como um voyeur,

Que, de longe,

Admira e fantasia

A vida e a morte.


V


Não tiveste culpa,

Tu não tens culpa,

A culpa é resto, são restos que restaram,

Restos da moral,

Restos da vida,

Restos da morte.


VI


Cansado,

Depositei restos de flores

Em um túmulo vazio.

Sentei-me,

Cansado e debruçado sobre o sepulcro;

Resta-me apenas esperar pelos restos,

Restos inúteis,

E enchê-lo de nada,

Ou de apenas sobras, 

Daquilo que não serviu

Ou daquilo que restou.


VII


O túmulo estava cheio,

Cheio do nada,

Apenas restos de cadáveres,

Que, sem nada, 

Esperam ser preenchidos

Por novos cadáveres

Ou restos de vida.

As flores que depositei murcharam com o tempo,

Sobraram espinhos e talos secos, 

Que, em contemplação passiva, 

Morrem e odorizam a morte.


Ficaste perturbada com a minha presença,

Pois a minha visita é perturbadora

E provoca uma revoada de urubus,

Como gaivotas a beira-mar a procura de restos;

E magnetizado pelo ballet beethoveniano dos urubus

E pela correria faminta dos ratos,  

Satisfiz-me com a devoração prazerosa dos restos da morte.


Contentei-me com o seu fim

E com a degustação de seus restos,

Nada sobrou,

Apenas urubus, ratos e baratas.

sábado, 17 de maio de 2025

A CASA DE HEITOR E DE AMÉLIA (do livro Crônicas das Minhas Memórias)
Hamilton Raposo Miranda Filho

A casa de Heitor Franklin da Costa e de Amélia Galiza Franklin da Costa fica na Rua de Santa Rita, em frente ao imóvel em que nasci e morei. Ali residiam, além de Heitor e Amélia, suas filhas Guiomar, Sílvia, Cláudia e Flávia; Gastão, que era irmão de Heitor, e Sofia, irmã de Amélia. A casa é de uma beleza arquitetônica inigualável e simboliza o estilo de residências da década de 1950. Entretanto a minha lembrança vagueia pela vida que aquela casa transpirava e pelos espaços ocupados por pessoas. 

Heitor era um cientista por vocação. Entendia de mecânica, fotografia, pintura e se arriscava em grandes inventos. Tinha uma garagem, na verdade um laboratório, com todas as ferramentas possíveis para qualquer tipo de trabalho. Ali ficava guardado um Citroen parecido com o do filme os “Intocavéis”, e este automóvel era montado e desmontado quantas vezes fosse necessário por Heitor. Não me lembro de ter visto aquele carro funcionando ou andando pelas ruas de São luís.  A oficina de Heitor me fascinava!

Amélia era toda-sorriso, companheira da minha mãe, de conversa diária, em casa ou pela janela, como convinha e quando necessário, de passeios pela Rua Grande e das missas de sábado à tarde na Igreja de São João. 

As filhas de Heitor e Amélia eram Guiomar, Silvia, Cláudia e Flávia (que teria a minha idade e foi chamada por Deus em uma tarde de setembro com pouco mais de 6 anos de idade).

A porta de entrada da casa tinha um sino, um pouco escondido, fixado no alto e por trás da porta, mas poucas pessoas tocavam aquele sino, preferiam bater palmas, avisando que tinha gente na porta. O sino devia servir para alertar a chegada ou a saída de algum conhecido. Tinha um valor simbólico e fora criação de Heitor Franklin da Costa.

Havia um terraço bem cuidado com algumas plantas em canteiros e ao lado esquerdo da casa, havia um local, talvez um galinheiro, ambiente comum nas casas da época. À direita, na entrada da garagem, em aclive com piso de cerâmica vermelha e encerado constantemente, eu costumava, durante as conversas de Amélia com minha mãe, escorregar sentado naquele revestimento, o que me deixava com marcas avermelhada da cera nos fundos da calça curta. Um pouco acima, um banco de madeira coberto por caramanchão servia de cenário para deliciosas conversas da minha mãe com Amélia, dona Vitória Libério e dona Vócia, uma vizinha da Rua de Santa Rita. Dona Vócia morava ao lado da casa do Seu Joaquim, um fascinante joalheiro, que consertava relógios, joias e outros apetrechos.  
A sala tinha três ambientes. No primeiro ambiente, logo na entrada da casa, ao lado da escada que levava à área residencial, havia um móvel escuro com o telefone sobre ele. Um luxo para época. Os outros dois ambientes eram decorados com uma mesa de jantar, um sofá com duas poltronas e uma cristaleira. O piso era de taco.

Na parte superior da casa, além dos quartos, havia o terraço, que fora o mais bonito que conheci, guarnecido por quatro cadeiras de ferro, sempre à disposição para uma boa conversa. O piso do terraço era de uma beleza inconfundível, todo em mosaico branco e preto. Foram muitas tardes na companhia da minha mãe, que de lembranças materializamos o passado. Naquelas tardes em que corria e brincava, observava naquele terraço, que o tempo passava sem clemência e sem volta.