sexta-feira, 23 de maio de 2025

 DIÁRIOS, COLEÇÕES E O MEU BAÚ DE OSSOS (A DESCOBERTA DE MANOELA). 

do livro Crônicas das minhas memórias.

Hamilton Raposo Miranda Filho


Sem nenhuma pretensão de ser Pedro Nava, o emérito médico e escritor de Baú de Ossos, expresso hoje a emoção de abrir o meu baú com a falante e indagativa Manoela, minha neta. Sou obrigado a confessar que também tenho o meu baú de ossos e ali guardo com muito orgulho clássicos e originais da Psiquiatria, como Pacheco e Silva, Henrique Roxo, Nobre de Melo, Henry Ey, Alves Garcia, livros com páginas amareladas, recordações e uma coleção de selos.


A minha geração foi marcada por diários e coleções. Poucos adolescente não tiveram um diário. Confidências, segredos e ingenuidades, tudo era registrado e escondido dos adultos fiscalizadores. Os diários tinham formato e características próprias, alguns artisticamente desenhados, outros mais simples, todos cheios de segredos.


As coleções também faziam parte do universo lúdico juvenil. Havia coleções de tudo: selos, lápis, flâmulas, moedas, times de botões, caixas de fósforos, tampinhas ou figurinhas. Tudo era colecionado e compartilhado. Ainda hoje mantenho guardada uma coleção de selos. Cada selo tem uma conquista ou uma história. 


A coleção de revistas do meu tio Franklin me fascinava. Ele a protegia em um guarda-roupa na casa da minha avó Flora. Era uma fantástica coleção de revistas e jornais. As revistas Cruzeiro, Tico-Tico e Revista dos Esportes, os Jornais O Globo e Dos Esportes me fascinavam e me entretinham. Acho que aprendi a gostar de futebol lendo a Revista dos Esportes e a respeitar o América Futebol Clube, pela admiração e respeito ao meu Tio Franklin. 


Na década de 1970 um casal de publicitários americano resolveu declarar o amor que sentiam um pelo outro com uma mensagem ingênua: “amar é....” Este fenômeno invadiu o Brasil, e São Luís não podia ficar de fora dessa onda, com frases feitas, bonecos, desenhos e botons. Não havia uma adolescente que não tivesse em seu caderno de escola a mensagem: “amar é...”. 


O álbum de figurinhas foi outra diversão da minha geração. Mas acho que nunca concluí um álbum, sempre faltava uma ou duas figurinhas para encerrar. A minha mãe costumava encapar os meus álbuns, de tão importantes que eram. A cidade se envolvia e se motivava na compra e troca de figurinhas. Os álbuns geralmente eram de filmes épicos, jogadores de futebol, artistas, clubes e países. Tudo era diversão, não havia pressa, nem wi-fi.


Visitei neste final de semana o meu baú de recordações e respondi como pude às perguntas de Manoela. Descobri que cada selo, cada livro ou carta conta um pouco da história das pessoas com as quais convivi e da cidade que nasci e me criei. Manoela entra assim, sem querer, para a história do meu baú de ossos.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

 OFERTORIO (do livro A Missa dos Oprimidos)

Hamilton Raposo Miranda Filho 


Trazei as cinzas dos desconhecidos,

Dos desaparecidos,

Dos sem sortes e dos sem nomes,

Dos pobres e dos oprimidos.


Depositai as cinzas nos pés

Daquele que defendeu

O criminoso,

O pobre

E o oprimido.


Depositai as cinzas nos pés

Daquele que foi migrante

Em terra estranha,

Daquele que sentiu fome e sede.


Depositai as cinzas do teu sacrifício

Nos pés daquele que foi preso

E morto por legalistas

E justiceiros de plantão.


Depositais as cinzas do teu sacrifício

Nos pés daquele que em vida

Andou com os excluídos e minorias.

Depositai as cinzas do teu sacrifício

Nos pés daquele que é a vida,

Esperança e salvação.

terça-feira, 20 de maio de 2025

 EVANGELHO ( do livro A Missa dos Oprimidos - Monólogo)

Hamilton Raposo Miranda Filho 


CARCOMIDA

I

Nada mais me resta,

Apenas os restos e o fadigar do fim.

As lembranças são restos,

Restos de uma vida

Restos de uma paixão finita

Que se perdeu com o tempo.

Restos são restos.

Restou-me um cadáver,

Um corpo sem alma

E um copo vazio.


II


Deixaste-me caído

Como o bêbado em marcha trôpega 

A tropeçar e cair pela vida,

Deixaste-me apenas.

Não me deste nenhuma alternativa,

Lamentaste de forma vil e cruel

O sorriso que ainda trago

E a perseverança da luta.

Venceste de forma cruel

E humilhaste a quem te deu vida,

E não te envergonhaste

Daqueles que caídos

Estenderam as mãos 

À procura do nada.


III


Foste passageira como um tsunami,

Arrasaste vidas,

Emoções e esperanças, 

Deixastes restos.

Restos para o amanhã.

Apenas restos,

Restos de corpos caídos,

Ainda que pútridos,

Tiveste a dignidade 

De não chamar os urubus,

Deixaste à mercê do tempo,

Na degradação lenta

E famigerada das bactérias

E por trás do sorriso gasoso

Causado pelo perfume inebriante da decomposição,

Vi em teu rosto uma lágrima

Ou talvez,

Uma gota de chorume

De arrependimento ou gozo.

De nojo, vomitaste na boca daquele que te deu vida,

Vômitos de restos,

Purulentos...

E causaste náusea

Naqueles que te seguiam,

E em comoção,

Todos vomitaram sobre os corpos caídos,

Todos eram restos,

Menos as bactérias, 

Prenúncio de vida,

E começo da morte.


IV


O fim

É a tangência do começo

E oblíquo da razão.

E matematicamente 

Desenhaste enigmaticamente um triângulo,

Como se fosse um losango,

E em cada triângulo

Depositaste um corpo,

Um homem e uma mulher,

E admiraste a nudez disforme da putrefação,

Como um voyeur,

Que, de longe,

Admira e fantasia

A vida e a morte.


V


Não tiveste culpa,

Tu não tens culpa,

A culpa é resto, são restos que restaram,

Restos da moral,

Restos da vida,

Restos da morte.


VI


Cansado,

Depositei restos de flores

Em um túmulo vazio.

Sentei-me,

Cansado e debruçado sobre o sepulcro;

Resta-me apenas esperar pelos restos,

Restos inúteis,

E enchê-lo de nada,

Ou de apenas sobras, 

Daquilo que não serviu

Ou daquilo que restou.


VII


O túmulo estava cheio,

Cheio do nada,

Apenas restos de cadáveres,

Que, sem nada, 

Esperam ser preenchidos

Por novos cadáveres

Ou restos de vida.

As flores que depositei murcharam com o tempo,

Sobraram espinhos e talos secos, 

Que, em contemplação passiva, 

Morrem e odorizam a morte.


Ficaste perturbada com a minha presença,

Pois a minha visita é perturbadora

E provoca uma revoada de urubus,

Como gaivotas a beira-mar a procura de restos;

E magnetizado pelo ballet beethoveniano dos urubus

E pela correria faminta dos ratos,  

Satisfiz-me com a devoração prazerosa dos restos da morte.


Contentei-me com o seu fim

E com a degustação de seus restos,

Nada sobrou,

Apenas urubus, ratos e baratas.

sábado, 17 de maio de 2025

A CASA DE HEITOR E DE AMÉLIA (do livro Crônicas das Minhas Memórias)
Hamilton Raposo Miranda Filho

A casa de Heitor Franklin da Costa e de Amélia Galiza Franklin da Costa fica na Rua de Santa Rita, em frente ao imóvel em que nasci e morei. Ali residiam, além de Heitor e Amélia, suas filhas Guiomar, Sílvia, Cláudia e Flávia; Gastão, que era irmão de Heitor, e Sofia, irmã de Amélia. A casa é de uma beleza arquitetônica inigualável e simboliza o estilo de residências da década de 1950. Entretanto a minha lembrança vagueia pela vida que aquela casa transpirava e pelos espaços ocupados por pessoas. 

Heitor era um cientista por vocação. Entendia de mecânica, fotografia, pintura e se arriscava em grandes inventos. Tinha uma garagem, na verdade um laboratório, com todas as ferramentas possíveis para qualquer tipo de trabalho. Ali ficava guardado um Citroen parecido com o do filme os “Intocavéis”, e este automóvel era montado e desmontado quantas vezes fosse necessário por Heitor. Não me lembro de ter visto aquele carro funcionando ou andando pelas ruas de São luís.  A oficina de Heitor me fascinava!

Amélia era toda-sorriso, companheira da minha mãe, de conversa diária, em casa ou pela janela, como convinha e quando necessário, de passeios pela Rua Grande e das missas de sábado à tarde na Igreja de São João. 

As filhas de Heitor e Amélia eram Guiomar, Silvia, Cláudia e Flávia (que teria a minha idade e foi chamada por Deus em uma tarde de setembro com pouco mais de 6 anos de idade).

A porta de entrada da casa tinha um sino, um pouco escondido, fixado no alto e por trás da porta, mas poucas pessoas tocavam aquele sino, preferiam bater palmas, avisando que tinha gente na porta. O sino devia servir para alertar a chegada ou a saída de algum conhecido. Tinha um valor simbólico e fora criação de Heitor Franklin da Costa.

Havia um terraço bem cuidado com algumas plantas em canteiros e ao lado esquerdo da casa, havia um local, talvez um galinheiro, ambiente comum nas casas da época. À direita, na entrada da garagem, em aclive com piso de cerâmica vermelha e encerado constantemente, eu costumava, durante as conversas de Amélia com minha mãe, escorregar sentado naquele revestimento, o que me deixava com marcas avermelhada da cera nos fundos da calça curta. Um pouco acima, um banco de madeira coberto por caramanchão servia de cenário para deliciosas conversas da minha mãe com Amélia, dona Vitória Libério e dona Vócia, uma vizinha da Rua de Santa Rita. Dona Vócia morava ao lado da casa do Seu Joaquim, um fascinante joalheiro, que consertava relógios, joias e outros apetrechos.  
A sala tinha três ambientes. No primeiro ambiente, logo na entrada da casa, ao lado da escada que levava à área residencial, havia um móvel escuro com o telefone sobre ele. Um luxo para época. Os outros dois ambientes eram decorados com uma mesa de jantar, um sofá com duas poltronas e uma cristaleira. O piso era de taco.

Na parte superior da casa, além dos quartos, havia o terraço, que fora o mais bonito que conheci, guarnecido por quatro cadeiras de ferro, sempre à disposição para uma boa conversa. O piso do terraço era de uma beleza inconfundível, todo em mosaico branco e preto. Foram muitas tardes na companhia da minha mãe, que de lembranças materializamos o passado. Naquelas tardes em que corria e brincava, observava naquele terraço, que o tempo passava sem clemência e sem volta.

domingo, 11 de maio de 2025

 HELENA COSTA MIRANDA, A MÃE MAIS INCRIVEL DO MUNDO! ( Minha homenagem ao dia das mães do Livro Minhas Lembranças de São Luís )


Escrever sobre a minha mãe, Helena Costa Miranda, foi muito mais difícil do que falar sobre o meu pai. São tantas histórias a serem contadas que se tornam impossíveis de numerá-las cronologicamente. Minha mãe transcendia alegria e vontade de viver, e para esta difícil missão, tive de recorrer à memorialista da família, a minha prima Marivalda Costa Figueiredo Lopes, que pediu auxílio a Regina, que do alto dos seus 90 anos, permanece com a lucidez de uma menina de 20 anos.

Regina era filha de Princesa, uma das muitas pessoas que moraram na casa da minha avó Flora. Princesa era uma negra descendente de alguma realeza africana. Nascida em Guimarães, não perdia um tambor festivo, seja de Crioula ou de Mina. Era portadora de todos os mistérios dos deuses. Princesa afastava qualquer quebranto e nos benzia quando adoecíamos. Regina, sua filha, não herdou o dom místico-religioso da mãe, estudou e se tornou enfermeira, tendo trabalhado no serviço público até a sua aposentadoria, e é com ela que Marivalda tira todas as suas dúvidas a respeito da família, a sua memória permanece intacta e os 90 anos parecem ainda não terem chegados para ela.


Mamãe nasceu em São Luís no dia 13 de agosto de 1914, filha de Hegezzippo Franklin da Costa e de Flora Camões da Costa. A família do meu avô era de Caxias, e ele com seus irmãos, primos e alguns amigos, ajudaram a fundar a Academia Caxiense de Letras. O meu avô Hegezzippo era filho de Franklin Pereira da Costa e de Hemetéria Caldas da Costa. A família da minha avó tinha origem portuguesa, mais precisamente da Vila do Conde, uma sub-região da área metropolitana do Porto, portanto uma cidade mais ao norte de Portugal, e o seu nome de solteira, Flora Raposo Camões, pode sugerir uma descendência do grande poeta lusitano. Os seus pais eram José Augusto de Carvalho Camões e Leocadia Raposo Camões.


O meu avô Hegezzippo, conhecido pelos netos e amigos como Zipo, ou vovô Zipo, iniciou sua vida em Caxias com um grupo de jovens intelectuais, ajudando a fundar a Academia Caxiense de Letras, mas por obra do destino teve que vir morar em São Luís onde conheceu a minha avó, Flora Raposo Camões. Trabalhou como comerciante de couro e depois foi guarda-livros e sócio de Antão Amaral, um comerciante de origem portuguesa que importava e comercializava fumo.


Hegezzippo Franklin da Costa e Flora Camões da Costa tiveram cinco filhos, Dercy Camões da Costa, José Augusto Camões da Costa, ambos falecidos precocemente - Dercy aos 16 anos e José Augusto aos 5 anos, os dois de causa desconhecida -, Helena Camões da Costa, Franklin Camões da Costa, nascido no dia 05 de maio 1916, e Maria do Carmo Camões da Costa, nascida em 16 de julho de 1917. Foram felizes na medida em que se pode mensurar a felicidade. Do meu tio Franklin me lembro da convivência e da sua contagiante alegria; da minha tia Maria, como chamava Maria do Carmo, lembro da sua simplicidade, empatia, resignação e religiosidade; tia Maria nunca reclamava da vida e, da sua religiosidade, guardo na lembrança a sua devoção por Santo Antônio e Nossa Senhora do Carmo. Tia Maria me deu como primos Marivalda, Kleber, José Franklin e Maria Gorete.


Minha mãe foi uma mulher decidida, dotada de uma independência e de uma comunicação fora do seu tempo ou da sua época. Sabia ouvir e falar, e como falava! Atendia a todos e era amiga de todos, não distinguia ninguém, um fato raro para sua época. Religiosa, mas não tanto como tia Maria. Fazia as mais absurdas promessas, para todos os seus santos, especialmente para São Judas Tadeu, o padroeiro das causas impossíveis, promessas alcançadas e outras não alcançadas. Muitas vezes recorria a padres e ao bispo para mudar de promessa, como a de não mais pintar o cabelo, cuja graça alcançou, mas não cumpriu o trato com o santo. Arrependida, recorreu ao arcebispo, na época Dom Delgado, para confessar o seu arrependimento e pedir a sua permissão para mudar de promessa. Conseguiu a benção do Arcebispo e no outro dia já estava com o cabelo pintado.


Meu pai amava a minha mãe, tenho guardadas quase todas as suas cartas de amor escritas para ela, quando ele estudava Medicina em Belém. Meu pai chamava minha mãe de Rainha da Casa e sorria ao falar, e olha que arrancar um sorriso do meu pai era uma coisa muito difícil, somente as pessoas mais íntimas tiveram o prazer de ver o meu pai esboçar um sorriso ou contar uma piada.


Quando se casaram, meus pais foram morar em Bacabal, depois em Pedreiras e por último em Coroatá. O deslocamento para Bacabal e Pedreiras era na lancha do comandante Zé Pereira; para Coroatá era no trem da Rede Ferroviária ou em um velho jipe Land Rover. Depois de anos vivendo no interior e com três filhos na idade de estudar o curso primário, Hamilena, José e Paulo, meus pais resolveram morar de vez em São Luís e compraram a casa do político e amigo do meu pai, Ivar Figueiredo Saldanha, a casa da Praça da Alegria.


Minha mãe estudou no Colégio Santa Teresa e se formou como professora normalista. Iniciou a sua vida profissional na Vila Maranhão e depois, não suportando mais a travessia diária do Rio Bacanga em uma pequena canoa e os solavancos de um jipe Willis cara-baixa, após a travessia do Rio Bacanga, conseguiu a sua transferência para ensinar no Jardim de Infância Alcides Pereira, situado no antigo Campo do Ourique, onde eu me alfabetizei, juntamente com todos os meus primos.


Na Praça da Alegria minha mãe fez amizades para a eternidade - se existir uma vida após a morte, com certeza todas as amigas da minha mãe estão fazendo o maior sucesso no céu. Eram inúmeras as amigas: de conversas, dos passeios diários na Rua Grande, do trabalho, das missas dominicais e de ouvir as suas reclamações dos longos sermões dos padres. Porém os assuntos entre elas eram comentados com muita alegria. Enumerar todas as suas amigas é uma tarefa quase impossível, foram tantas, mas aqui gostaria de citar Amélia, dona Vitória Libério, dona Maria, a mãe de Maria do Carmo, Maria Lídia, Lurdinha e Fátima, dona Maria Goes, dona Francisquinha, dona Nair Garcês, e muitas e muitas amizades formadas na Praça da Alegria e no seu convívio social.


A grande habilidade da minha mãe, além da habilidade de ensinar, era a de conversar e de fazer amizades, porém, não tinha vocação para a cozinha, minha mãe não sabia fritar um ovo ou passar um café. Certa vez a nossa secretária Crisálida tirou as suas merecidas férias e partiu para Bacabal; no dia seguinte a minha mãe se aventurou em passar um café, simplesmente ela não sabia ligar o fogão e foi para a porta da rua pedir ao primeiro que passasse que ligasse o fogão e lhe ensinasse a passar o café. 


Gostava de política e nos ensinou a gostar de política, e na época da campanha eleitoral, costumava baixar o som da televisão, quando algum candidato surgia na tela para falar do seu candidato preferido. Dizia que o candidato oponente ao seu estava de castigo.


Dona Helena era a festa e o social em pessoa, tomava a frente de tudo, das compras de casa e da vida dos filhos. Tudo era comemorado na nossa casa, mesmo a contragosto do meu pai, um sertanejo duro e tímido nas suas expressões emocionais. Minha mãe, a Rainha da Casa, determinava as comemorações. 


Helena se despediu da vida como sempre desejou, dormindo sem dor ou sofrimento, e quem a viu primeiro partindo desta vida, notou um sorriso de despedida no seu rosto. Eu tive a felicidade de ver minha mãe partindo para o céu, sorrindo e feliz como foi, durante a sua vida neste plano terrestre.

sexta-feira, 9 de maio de 2025

 1ª LEITURA (do Livro a Missa do Oprimido - Monologo) 

HHamilton Raposo Miranda Filho

POEMA PARA O DEMÔNIO

“Abram-se as cortinas,

Acendam-se as luzes,

Vai começar o maior espetáculo da Terra,

Um show de luzes e cores,

Que jamais será esquecido”.

Assim anunciava

Um vassalo anfitrião,

O mestre-de-ordem do Império

E candidato ao fracasso eterno.


II

A entrada é franca

E ninguém deve faltar

Ao magnifico show da vida.

Os déspotas, 

Iluministas do engodo,

Anfitriões da mentira

E cortesãos do reino,

Estavam ali

Para dar alegria ao povo,

Ao pobre povo,

Sempre sedento

De pão,

Vida

E alegria.


III

Juntavam-se,

E a cada mentira contada,

Mais o povo se ajuntava...

Estavam felizes,

Haveria diversão

E comida.

Os enamorados,

Os ardentes de paixão,

Teriam energia sexual inesgotável,

Ninguém mais trabalhará, 

Haverá de ser decretado

O estado permanente do prazer.


IV

O reino pareceria um circo,

Havia luzes em todos os lugares,

Os atores

Eram os malabaristas da vida,

Doutores,

Gente como a gente...

E para facilitar a entrada dos convidados,

Os cortesãos,

Bajuladores de ofício,

Mentirosos de plantão,

Alpinistas sociais

E embusteiros,

Recepcionavam os convidados

Com a falsidade

E a malícia dos famosos.


V

O grande apresentador

Do reino encantado

Vestia-se soberbamente.

No rosto maquiado,

Trazia o sorriso do convencimento

E a alegria comum dos bem-nascidos.

O apresentador,

Rei da alegria, 

Brincava e sorria, 

E cada espectador,

Coadjuvante do espetáculo,

Era presenteado com uma bola de gás,

Para que ironicamente

Sorrisse com a festa

E não se lembrasse da vida.

VI


Na festa do reino encantado 

Não havia vergonha,

Não havia dor

E não havia lugar para o trabalho

E todos estariam felizes.

O reino da fantasia

Tinha alegorias incandescentes,

O ambiente transpirava éter,

E todos, inebriados pelo perfume,

Gritavam vivas 

À onipotência do rei!

E, contagiados pela alegria,

Esqueceram que serão

Vassalos na eternidade.

domingo, 4 de maio de 2025

 

50 SABORES E LUGARES LUDOVICENSES (do livro Minhas Lembranças de São Luís).
Hamilton Raposo Miranda Filho

A variedade de informações culinárias ou gastronômicas que aparece nos canais de televisão atiça o paladar e seduz aqueles que de restrições alimentares sobrevivem. O pecado da gula transcende a razão de qualquer um.

São Luís tem o charme e a tipicidade própria do maranhense no quesito gastronomia. A cidade tem paladares e odores inconfundíveis. Lugares e características que contam histórias e fascinam quem nasceu aqui ou tem o privilégio de morar na ilha mais bonita do Brasil. Pontuei 52 situações gastronômicas e dessas imagino que pelos menos 10 o leitor conheça e tenha tido o prazer de experimentar. Delicie-se e não morra de saudade, São Luís está sempre com a mesa pronta para te servir.

1-Jantar no Restaurante Palheta.
2-Pão cheio recheado com camarão seco, vendido nas ruas do centro de São Luís.
3-Cachorro-quente do Companheiro ou do Sousa, respectivamente, no Beco da Pacotilha e no estacionamento da Praia Grande (sem goumertização).
4-Caldo de ovos do João do Caldo.
5-Galeto da Base do Rabelo.
6-Calderada do Germano.
7-Sorvete de coco na casquinha.
8-Quebra-queixo.
9-Pirulito enrolado com papel de seda e vendido principalmente na Praia Grande e Praça Deodoro.
10-Peixe Pedra cozido ou frito em São José de Ribamar.
11-Peixe Serra frito com arroz de cuxá.
12-Torta de camarão seco.
13-Torta de caranguejo.
14-Sururu no leite de coco.
15-Juçara com farinha d’agua e camarão seco.
16- Arroz de Jaçanã (em tempos de politicamente incorreto e sem compromisso com o meio ambiente descia muito bem, mas hoje nem pensar).
17-Galinha de parida com pirão.
18-Peixada da Peixaria Carajás.
19-Caldo de cana do antigo abrigo da Praça João Lisboa ou do Bar do Cajueiro, na Rua Afonso Pena.
20-Queijo de São Bento.
21-Cola- Guaraná Jesus.
22-Frango assado na brasa do Restaurante Frango Dourado, no Anil.
24-Feijoada do Baiano.
25-Costela de porco da Base da Diquinha, no Diamante.
26-Gelado da Praia Grande (que os modernos costumam chamar de Reviver) ou do antigo Nhozinho Santos.
27-Bolachinha da Padaria Santa Maria e da Padaria Nossa Senhora de Fátima.
28-Cuscuz Ideal.
29-Roleto de cana vendido na Praça da Matriz, em São José de Ribamar.
30-Descascar e comer uma tanja na porta da Igreja de São José.
31-Kibe do Abdon, na Praça da 32-Misericórdia, ou de dona Nilza, na antiga Padaria do Anil.
33-Manga de fiapo com farinha d’agua.
34-Tiquira da Feira da Praia Grande.
35 -Cola Jeneve.
36- Sorveteria Elefantinho.
37-Pastel do Garoto do Bigode, na Praça Deodoro.
38- Murici amassado com açúcar.
39- Pamonhas vendidas pelas ruas do centro de São Luís.
40- Uma parada para encher o estômago na Churrascaria Filipinho.
41- Sorvete de ameixa do extinto bar do Hotel Central, para os saudosistas.
42- Quem está na casa dos 70 não esquece o sanduíche de pernil do extinto Moto Bar.
43- A Base da Lenoca quando ainda era na Praça Pedro II.
44- Espetinho de camarão do Jaguarema ou do Lítero.
45- Ingá, maria pretinha, canapu e guajuru.
46- Pizzaria Internacional na Cohab ou na Cohama.
47- Mocotó, sarrabulho ou cozidão do Mercado Central.
48- Bar do Amendoeira e o seu tradicional bode no leite de coco servido em sua calçada, no Olho d’Agua.
49- Quem frequentou a Praia da Ponta d’Areia antes do espigão não se esquece do Bar Tóquio, das peladas, da cerveja e do caranguejo.
50- Mocotó e feijoada da Base do Binoca, no Vinhais Velho.
51- A novidade do Hibiscus, na Vila Palmeira, na década de 1980.
52- Restaurante La Boheme frequentado pela turma da moda e do poder político da época.

Lembre-se que a sua memória afetiva e gustativa está sempre preservada. Alguns desses itens se perderam com o processo de crescimento da cidade, outros ainda resistem bravamente e nos identificam culturalmente. Bom apetite (ou boas lembranças) e ótima diversão

sábado, 3 de maio de 2025

 CANTICO DE ENTRADA (do livro A Missa dos Oprimidos)

Hamilton Raposo 

A benção a todas as Marias,

Marias esquecidas,

Marias violentadas,

Marias prostituidas

A benção a todas Marias.

Marias sem terras,

Marias famintas,

Marias desaparecidas.

A benção a todas as Marias.

Marias sem oportunidades,

Marias excluídas,

Marias maltratadas. 

A benção, meu senhor Deus,

Pai e Protetor.

A benção meu Senhor Deus,

Amado e Justiceiro.

A benção, meu senhor Deus.

Aleluia, Aleluia, …

quinta-feira, 1 de maio de 2025

 

POEMA PARA DEUS

 

PARTE I

 O esterco estava sobre a mesa,

 O banquete seria servido,

 Começava o festival da decadência.

 Estavam reunidos

 Os famintos incongruentes

 Vorazes da devassidão,

 Crustáceos do anonimato

 E da escuridão absurda da alma humana.

 

Todos

 Transvestidos em legalistas

 E leguleios do passado hipócrita

 Que satisfazem na mesa

 A sua fome idólatra,

 Com o caos da moralidade.

 

Alimentam-se do seu próprio vômito,

 E no pedestal do medo e da fantasia,

 O ódio se fez vida

 E do ódio criaste uma geração.

 

Assim ruminas o vento,

 Com sussurros inaudíveis,

 Lamentam a decomposição enigmática do rei.

Satisfeitos,

 Os varões de moral marmórea

 Estupram a verdade

 E se ajoelham aos pés santíssimos,

 Confessando profanamente

 A bem-aventurança da mentira.

 

PARTE II

 A leveza do pecador

 É a graça da vingança,

 É a graça do humilde,

 É a tua vontade em permitir

 Ao intrépido perseguidor,

 Ao nefasto moralista,

 Ao príncipe da desigualdade e do ódio,

 Ao maligno da devassidão,

 Que encontre no seu caminho

 Na escuridão úmida

 Das tormentas destruidoras

 E das erupções ardentes,

 Que queimarão a tua alma disforme,

 Falsa,

 Hipócrita e destruidora.

 

De ti nada restará,

 Do pó vieste

 E ao pó retornarás...

 E não levarás coroa de flores

 E o teu jazigo será esquecido

 No anonimato dos defuntos

 E na imensidão do inferno.

 

Foi consumada

 A vingança da graça,

 A vingança do humilde

 E daquele que se fez oprimido.


 PARTE III

 Por onde tu andas

 Se deixaste sem nenhuma misericórdia

 Aqueles que te deram vida,

 Aqueles que te dão vida?

 

Por onde tu andas

 Se deixaste triunfar

 O príncipe opressor,

 O Senhor da Maldade,

 O cristão devasso,

 Incenso do ódio

 E perseguidor dos fracos e dos oprimidos?

 

Por onde tu andas

 Se deixaste morrer e sangrar

 Aqueles que deveriam ir a ti,

 Vítimas da intolerância

 que clamam pelo teu nome?

 

Por onde tu andas

 Se deixaste a sangria diária

 Dos imperfeitos

 E das Marias de todos os dias

 Apunhaladas pela espada falsa do amor?

 

Por onde tu andas

 Se deixaste que o amor manso e pacífico

 Fosse covardemente

 Assassinado pela mentira e violência?

 

Por onde tu andas

 Se deixaste de servir a mesa

 Para florescer a devassidão da fome,

 E permitiste que o carvão,

 O calor insalubre

 E a lama de Mariana

 Estivesse à mesa?

 

Por onde tu andas

 E por que permites

 A inversão da lógica da igualdade

 E da subalterna divisão do pão nosso de cada dia?

 Por onde tu andas?

EUESTOU AQUI”!