sábado, 6 de outubro de 2018


CONVERSA DE MARANHENSE.
O maranhense sempre foi um brasileiro diferenciado, e muito bem diferenciado. Não fomos fundados por portugueses, a nossa posição geográfica é indefinida e a nossa linguagem, a nossa forma de comunicação, nos diferencia de todos os outros brasileiros.
Falar que está arreliado é o mesmo que dizer que está irritado ou desassossegado. Se esta irritação extrapolou os limites e criou-se uma confusão, costumamos chamar esta situação de cascaria e o indivíduo causador da cascaria é o casqueiro. O casqueiro é diferente do fuxiqueiro, que é aquele que faz o fuxico, o leva e trás. Fuxico é o disse me disse. E o final de todo fuxico é uma grande cascaria.
Em toda cascaria ou fuxicagem, você pode ouvir uma pérola linguística maranhense, o “eu vou te da-le”, que é o mesmo que bater em alguém. O “eu vou te da-le” é uma frase ameaçadora, é o extremo da raiva de um maranhense casqueiro, e se alguém de outro estado ouvir o “eu vou te da-le um bogue”, avise para que saia da frente que o maranhense casqueiro está com raiva.
O bogue significa esmurrar uma outra pessoa e tem o mesmo significado que o sopapo ou murro. O bogue mais terrível é o bogue no “pé do ouvido”, é terrível, um verdadeiro “pescoção”. Confesso que nunca dei um bogue em ninguém, fiquei somente na vontade, faltaram-me coragem e força física. Em uma ocasião senti vontade de dá um bogue em um colega quando disputava uma lanceada na Praça da Alegria, outra vez foi jogando bolinha e o parceiro não avisou o “casa ou bola porco leitão”. E se você não entendeu, com certeza nunca empinou papagaio ou jogou bolinha de gude.
A desaprovação de uma situação ou quando não tenha nenhum valor ou significado, ou aquilo que não presta ou que não tenha serventia, identificamos esta situação como fuleragem, tanto que o causador da fuleragem é o fuleiro, o imprestável ou irresponsável.
Pior que a fuleragem é a esculhambação, situação onde existe corrupção, malversação pública ou privada, ou descuido com a moral. O esculhambado é o grande causador da esculhambação.
Se algo quebrou ou apresentou algum defeito, tenha certeza que está escangalhado e que precisa de conserto. O maranhense não diz que um objeto está quebrado, ele diz que está escangalhado. Se este objeto for um carro e se estiver bastante usado, com certeza este carro é uma “casqueta”
A presença de alguém muito econômico, que não gosta de desperdiçar nada, alguém que nunca divide uma conta e que sempre dá uma desculpa para sair na hora da divisão da conta, este é o canhenga.
Adoeceu, sentiu algum incômodo e pede por ajuda ou por socorro, o maranhense vai dizer “me acode” e se ouvir “me vale ou valha-me”, tenha certeza que é um pedido de clemência ou da ajuda Divina para o seu sofrimento.
O hum, hum ou hém, hém são palavras afirmativas ou negativas, e o seu sentido depende do contexto de quem fala ou de quem ouve. Outras vezes não tem significado nenhum, o maranhense simplesmente ignora a conversa dizendo hum, hum ou hém, hém.
Colocar uma roupa no cabide do guarda-roupa é compreensível, entretanto o maranhense coloca a roupa na cruzeta, ele não fecha o zíper, ele fecha o ríri e ele abotoa a camisa depois de engomada.
O “piqueno ou piquena” não significa o antônimo de grande ou o tamanho das pessoas. Refere à faixa etária ou as características infantis da pessoa.Pode às vezes ter um caráter pejorativo e não sei por que alguns quando chamados de piqueno, devolve em tom raivoso que piqueno é “filho de cego”, confesso que nunca entendi esta resposta.
Não existe expressão mais maranhense que “qualhira ou qualira”. Adoramos ser identificado por qualira, talvez seja a identificação mais autêntica do maranhense, e em qualquer lugar do mundo se o maranhense ouve alguém chamando-o de qualira, ele tem a certeza que um outro maranhense está por perto. O qualira pode até ser comparável com “gay, fresco ou veado”, mas não tem caráter homofóbico. Qualira é um estado de espírito e qualhiragem ou deixar de fazer qualhiragem, é o mesmo que pedir para uma pessoa deixar de fazer besteira ou chatice, portanto se alguém lhe chamar de qualhira ou qualira, não se arrilie e nem faça cascaria, sente num mocho e descanse.
Em caso de admiração, ouve-se o “éguas”! Éguas é uma palavra exclamativa e superlativa e utilizada pelo maranhense no sentido de exagero.
O órgão genital feminino é o xiri e junto com o qualira, formam uma dupla 100% maranhense e que resiste bravamente a todos os modismos e invasões culturais, são duas identidades genuinamente maranhenses. O maranhense não vive sem xiri, sem qualhiragem e sem farinha d’água.

Hamilton Raposo


Um comentário:

Unknown disse...

Meu querido Hamilton, li novamente com o riso estampado na alma. Que belo texto, porque escrito com uma mescla de senso de humor e de clarividência. Já era tempo de o amigo ter o seu espaço personalizado para divulgar seus escritos. Parabéns.