segunda-feira, 1 de outubro de 2018


CARCOMIDA
Nada mais me resta,
Apenas os restos e o fadigar do fim.
As lembranças são restos,
Restos de uma vida
Restos de uma paixão finita
Que se perdeu com o tempo.
Restos são restos.
Restou-me um cadáver,
Um corpo sem alma
E um copo vazio.

Deixaste-me caído
Como o bêbado em marcha trôpega
A tropeçar e cair pela vida,
Deixaste-me apenas.
Não me deste nenhuma alternativa,
Lamentaste de forma vil e cruel
O sorriso que ainda trago
E a perseverança da luta.
Venceste de forma cruel
E humilhaste a quem te deu vida,
E não te envergonhaste
Daqueles que caídos
Estenderam as mãos
À procura do nada.

Foste passageira como um tsunami,
Arrasaste vidas,
Emoções e esperanças,
Deixastes restos.
Restos para o amanhã.
Apenas restos,
Restos de corpos caídos,
Ainda que pútridos,
Tiveste a dignidade
De não chamar os urubus,
Deixaste à mercê do tempo,
Na degradação lenta
E famigerada das bactérias
E por trás do sorriso gasoso
Causado pelo perfume inebriante da decomposição,
Vi em teu rosto uma lágrima
Ou talvez,
Uma gota de chorume
De arrependimento ou gozo.
De nojo, vomitaste na boca daquele que te deu vida,
Vômitos de restos,
Purulentos...
E causaste náusea
Naqueles que te seguiam,
E em comoção,
Todos vomitaram sobre os corpos caídos,
Todos eram restos,
Menos as bactérias,
Prenúncio de vida,
E começo da morte.

O fim
É a tangência do começo
E oblíquo da razão.
E matematicamente
Desenhaste enigmaticamente um triângulo,
Como se fosse um losango,
E em cada triângulo
Depositaste um corpo,
Um homem e uma mulher,
E admiraste a nudez disforme da putrefação,
Como um voyeur,
Que, de longe,
Admira e fantasia
A vida e a morte.

Não tiveste culpa,
Tu não tens culpa,
A culpa é resto, são restos que restaram,
Restos da moral,
Restos da vida,
Restos da morte.

Cansado,
Depositei restos de flores
Em um túmulo vazio.
Sentei-me,
Cansado e debruçado sobre o sepulcro;
Resta-me apenas esperar pelos restos,
Restos inúteis,
E enchê-lo de nada,
Ou de apenas sobras,
Daquilo que não serviu
Ou daquilo que restou.

O túmulo estava cheio,
Cheio do nada,
Apenas restos de cadáveres,
Que, sem nada,
Esperam ser preenchidos
Por novos cadáveres
Ou restos de vida.
As flores que depositei murcharam com o tempo,
Sobraram espinhos e talos secos,
Que, em contemplação passiva,
Morrem e odorizam a morte.

Ficaste perturbada com a minha presença,
Pois a minha visita é perturbadora
E provoca uma revoada de urubus,
Como gaivotas a beira-mar a procura de restos;
E magnetizado pelo ballet beethoveniano dos urubus
E pela correria faminta dos ratos, 
Satisfiz-me com a devoração prazerosa dos restos da morte.

Contentei-me com o seu fim
E com a degustação de seus restos,
Nada sobrou,
Apenas urubus, ratos e baratas.













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