domingo, 22 de junho de 2025

 O DOMINGO COM MARROM GLACÊ

Hamilton Raposo Miranda Filho 


Tenho me preocupado nos últimos anos com o futuro do marrom glacê. Um doce pouco lembrado, mas que tem a cara e a marca registrada da sobremesa típica da casa dos meus pais.


Não era uma sobremesa comum; tinha lá seus encantos e particularidades. A marca preferida dos meus pais era Cica, servida sempre após o almoço de domingo, na companhia do insubstituível e irresistível queijo de cuia.


O almoço especial do domingo tinha, invariavelmente, galinha ao molho pardo e algumas vezes, linguiça de Buriti Bravo, trazida pelo seu Teodoro, um amigo de infância do meu pai, e como “Petit Résistance”, alguma invenção culinária da minha irmã Hamilena, tirada dos seus inúmeros cadernos de receitas. O comando da cozinha era de Crisálida, uma negra quilombola, companheira dos meus pais, enquanto tiveram vida. De Crisálida, além do afeto e da companhia, trago a coroa de São Benedito como presente de casamento.


Durante o almoço discutíamos política, comíamos e bebíamos vinho tinto Raposa ou Cabeça de Touro. Às vezes, com a finalidade de melhorar o sabor do vinho, adicionávamos Guaraná Jesus, uma mistura bizarra que unia e divertia a família. Compartilhavam a mesa e a família: Teresa, Marli e Estela, todas irmãs de alma e que muito me ajudaram na minha formação e educação.

Após o almoço, o marrom glacê, em companhia do queijo de cuia, era servido triunfalmente e depois, em um ritual contemporâneo, brindávamos a alegria e a presença de todos sob a benção do aperitivo San Rafael, finalizando a tarde com alguns comprimidos de Metionina ou Xantinon B12.

A lembrança do marrom glacê surgiu em uma dessas conversas de fim de ano. E em época de Naked Cake, tortas, pavês e sofisticados suflês, a simplicidade do marrom glacê e dos doces caseiros perderam o espaço merecido e ganhou o esquecimento moderno da sofisticação. Aqui em casa não faltam marrom glacê, goiabada cascão e queijo de cuia, e que se dane o colesterol e o triglicérides.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

 FUTEBOL DE SALÃO E AS TRIBOS DE INDIOS (do livro Crônicas das Minhas Memórias - Hamilton Raposo Miranda Filho )


Todos os meus amigos do futebol e fora do futebol sabem da minha paixão pelo Sampaio Correia Futebol Clube, a Bolívia Querida. Sou daqueles torcedores que vão ao Castelão e ao Nhozinho Santos, incentivar sua equipe. Não perdia os programas do Herberth Fontenele, o comentarista mais boliviano que existiu, e como ele, faço tudo para ver o Sampaio campeão. Não meço esforços – cheguei a viajar com o time em jogos fora de São Luís, na companhia de “Geografia”, de saudosa memória, Filadelfo, Alberto Junior, Pit Caju, dentre outros grandes desportistas.


Gostar ou não de futebol é uma coisa, ser apaixonado é outra bem diferente. São Luís, a ilha rebelde, desperta paixão, ou você gosta ou não gosta. Sempre foi assim. Aqui se torce pelo Moto Clube ou pelo Sampaio Correia, alguns até que se arriscam a torcer pelo Maranhão Atlético Clube em ocasiões muitos especiais. Meu pai era maqueano e considero o Maranhão Atlético Clube o meu segundo time, mas a paixão é ser rubro-negro ou tricolor. Na política é a mesma coisa – até algum tempo atrás, ou você gostava do Sarney ou odiava o Sarney.

 Atualmente é Flávio Dino - ou você gosta, ou não gosta dele. Houve um tempo que a polarização política era entre Cafeteira e Sarney – até que em 1985, em face da necessidade de eleger Tancredo Neves para a Presidência da República, os dois se aproximaram, e em 1986 Cafeteira elegeu-se governador do Maranhão com o apoio de Sarney.


Sou apaixonado pelo rádio AM, e anos atrás a Rádio Difusora era a minha emissora favorita, que sintonizava para ouvir Lima Junior, Fernando Sousa, Clésio Muniz, Jota Alves e Guioberto Alves. Também ouvia, pela Rádio Timbira, Rui Dourado, Jairo Rodrigues, Canarinho, Hélio Rego e vários outros. Passei muito tempo ouvindo o Domingo é Nosso, Alegria na Taba, Futebol de Meia Tigela, Ronda Policial e outros programas inesquecíveis. Ouvi e me atualizei com os acontecimentos políticos através do Difusora Opina, na voz grave e marcante de Fernando Sousa, lendo os textos escritos por Bernardo Coelho de Almeida. Como esquecer a Guerra dos Mundos, quer encenou a suposta invasão de extraterrestres em São Luís, causando o maior pandemônio na cidade. Vivíamos sem a Globo, TV a cabo ou internet. E mesmo assim, vivíamos com intensa paixão.


A paixão era tanta, que a avenida Beira-Mar ficava lotada em dias de jogos de futebol de salão, hoje futsal, no Casino Maranhense, principalmente quando a partida era entre dois dos times mais queridos da cidade: o Drible e o Cometas. O Drible, fantástico time dos irmãos Saldanha, reunia atletas como Lobão, Luizinho, Chedão, Guilherme e Mota, enquanto o Cometas contava com Dunga, Biné, Poé, Nonato Cassas e Elias. Eram noites inesquecíveis!


Certa vez assisti na Praça da Alegria a um exemplo de paixão explicita, uma briga entre dois blocos de carnaval, as tribos de índios Pownee e Apaches. Eram duas paixões. São Luís gostava de tribos de índios no carnaval e os fãs sempre acompanhavam estes blocos. O sentimento era visceral e chegavam a brigar quando se encontravam, partiam aos gritos uns para cima dos outros com tambores, lanças, reco-recos e tamborins. Eu adorava as tribos de índio do carnaval maranhense e confesso aqui um sonho que não realizei: sair em uma tribo daquelas no carnaval. Uma grande frustração.

domingo, 1 de junho de 2025

 GINÁSIO COSTA RODRIGUES, PALCO DE GRANDES EVENTOS

Hamilton Raposo Miranda Filho ( do livro Cronicas das Minhas Memórias).


A globalização da diversão é um fato; São Luís, apesar de ficar de fora do circuito dos grandes eventos do país, participa ativamente, à sua maneira, de quase tudo. A cidade repagina aquilo que é visto nos grandes centros e cria uma versão maranhense. A tradição cultural da Ilha, apesar de intocável, carece de divulgação e investimento. O fato é que a cidade pulsa festivamente e tem opção para todos.

As principais atrações até a década de 1960 eram as festas religiosas, incluindo a de São Benedito, concorridíssima. O grande evento realizado, até então, era a Feira de Incentivo e Desenvolvimento da Indústria e do Comercio (FIDIC).


A FIDIC era realizada na Praça Deodoro, que ficava cercada por horríveis tapumes de madeira, e, além dos estandes das empresas participantes, havia shows artísticos e um parque de diversão. Foi a primeira vez que eu vi uma montanha russa!


Logo após a realização da FIDIC, teve início, com uma divulgação muito maior, a Exposição Agropecuária do Maranhão (EXPOEMA), realizada na sede do Fomento Agrícola, no bairro do Outeiro da Cruz, onde hoje funciona a APAE.

Neste período, alguns cantores e bandas com apelo popular e na onda da Jovem Guarda, começavam a se apresentar em São Luís. Roberto Carlos fez seu primeiro show em São Luís no Ginásio Costa Rodrigues. Depois veio The Clevers, que fez bastante sucesso e quase permanecia na cidade, os Incríveis, Leno e Lilian. Todos se apresentavam no Ginásio Costa Rodrigues, então um mix de teatro com praça de esporte - na verdade, a primeira arena multiuso do Brasil.


A cidade funcionava lentamente ao ritmo do videoteipe. Os programas de televisão eram gravados e reapresentados pela única emissora de televisão do estado, a TV Difusora. Durante os anos de 1966 e 1967 respirávamos festivais de música popular e o principal deles foi o da TV Record, que revelou Caetano Veloso, Chico Buarque, Mutantes, Gilberto Gil, Edu Lobo, Elis Regina, Jair Rodrigues, MPB 4, Nara Leão, Tom Jobim, Nelson Motta, Milton Nascimento, os irmãos Caymmi e muitos outros. 


São Luís mais uma vez mostrou-se inserida no contexto nacional e por aqui realizou o Festival de Música Popular do Maranhão, no Ginásio Costa Rodrigues, projetando cantores e compositores no universo artístico maranhense e nacional. Sérgio Habibe, Mochel, César Teixeira, Chico e Antônio Saldanha, Ubiratan Sousa, Lopes Bogéa, Bandeira Tribuzi foram alguns dos que pontificaram nestes festivais.

“Louvação a São Luís”, transformada em hino oficial da cidade, foi uma das vencedoras em um desses festivais, realizados no Ginásio Costa Rodrigues.

Mesmo sendo de multiuso, a essência do Costa Rodrigues é o esporte, e no esporte grandes atletas desenvolveram ali suas habilidades, para a alegria dos torcedores: atletas como Tião, Hermílio, Zeca, Zé Costa, Gafanhoto, Cão, Gil, Júlio Bezerra, Telma, Biguá, Vitché, Fátima, Phil, Paulão, Carlos, Ivone, Helena, Roseana Sarney, Silvana Teixeira, Teresa Bandeira, Djalma Campos, Fifi, João Bala e o sensacional time de vôlei feminino do Colégio Dom Bosco.


A vida ludovicense passava pelo Ginásio Costa Rodrigues. Todos os eventos esportivos e culturais, desde a década de 1960, foram realizados no Ginásio Costa Rodrigues. Amizades consolidadas, disputas acirradas, ânimos exaltados, torcidas, namoros, casamentos, inovações musicais, educação e cultura - ali aconteceu de tudo.


O meu amigo, advogado e professor universitário Heraldo Moreira lembra que na fachada do ginásio eram exibidos os versos do poeta Gonçalves Dias: “A vida é um combate, que aos fracos abate e aos fortes e bravos só pode exaltar”. Estes versos, recitados todos os dias, lidos e relidos, serviam como lição de vida, espécie de mantra para o sucesso.


A partir dos anos 90, o Ginásio Costa Rodrigues amargou uma fase de declínio, com problemas estruturais e de falta de investimento. Porém, após ampla reforma em sua fachada e instalações físicas, e graças ao surgimento e ótima ascensão no cenário nacional do Sampaio Basquete, o ginásio ganhou vida e esperança para a realização de grandes eventos, que é sua legítima vocação.

sexta-feira, 23 de maio de 2025

 DIÁRIOS, COLEÇÕES E O MEU BAÚ DE OSSOS (A DESCOBERTA DE MANOELA). 

do livro Crônicas das minhas memórias.

Hamilton Raposo Miranda Filho


Sem nenhuma pretensão de ser Pedro Nava, o emérito médico e escritor de Baú de Ossos, expresso hoje a emoção de abrir o meu baú com a falante e indagativa Manoela, minha neta. Sou obrigado a confessar que também tenho o meu baú de ossos e ali guardo com muito orgulho clássicos e originais da Psiquiatria, como Pacheco e Silva, Henrique Roxo, Nobre de Melo, Henry Ey, Alves Garcia, livros com páginas amareladas, recordações e uma coleção de selos.


A minha geração foi marcada por diários e coleções. Poucos adolescente não tiveram um diário. Confidências, segredos e ingenuidades, tudo era registrado e escondido dos adultos fiscalizadores. Os diários tinham formato e características próprias, alguns artisticamente desenhados, outros mais simples, todos cheios de segredos.


As coleções também faziam parte do universo lúdico juvenil. Havia coleções de tudo: selos, lápis, flâmulas, moedas, times de botões, caixas de fósforos, tampinhas ou figurinhas. Tudo era colecionado e compartilhado. Ainda hoje mantenho guardada uma coleção de selos. Cada selo tem uma conquista ou uma história. 


A coleção de revistas do meu tio Franklin me fascinava. Ele a protegia em um guarda-roupa na casa da minha avó Flora. Era uma fantástica coleção de revistas e jornais. As revistas Cruzeiro, Tico-Tico e Revista dos Esportes, os Jornais O Globo e Dos Esportes me fascinavam e me entretinham. Acho que aprendi a gostar de futebol lendo a Revista dos Esportes e a respeitar o América Futebol Clube, pela admiração e respeito ao meu Tio Franklin. 


Na década de 1970 um casal de publicitários americano resolveu declarar o amor que sentiam um pelo outro com uma mensagem ingênua: “amar é....” Este fenômeno invadiu o Brasil, e São Luís não podia ficar de fora dessa onda, com frases feitas, bonecos, desenhos e botons. Não havia uma adolescente que não tivesse em seu caderno de escola a mensagem: “amar é...”. 


O álbum de figurinhas foi outra diversão da minha geração. Mas acho que nunca concluí um álbum, sempre faltava uma ou duas figurinhas para encerrar. A minha mãe costumava encapar os meus álbuns, de tão importantes que eram. A cidade se envolvia e se motivava na compra e troca de figurinhas. Os álbuns geralmente eram de filmes épicos, jogadores de futebol, artistas, clubes e países. Tudo era diversão, não havia pressa, nem wi-fi.


Visitei neste final de semana o meu baú de recordações e respondi como pude às perguntas de Manoela. Descobri que cada selo, cada livro ou carta conta um pouco da história das pessoas com as quais convivi e da cidade que nasci e me criei. Manoela entra assim, sem querer, para a história do meu baú de ossos.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

 OFERTORIO (do livro A Missa dos Oprimidos)

Hamilton Raposo Miranda Filho 


Trazei as cinzas dos desconhecidos,

Dos desaparecidos,

Dos sem sortes e dos sem nomes,

Dos pobres e dos oprimidos.


Depositai as cinzas nos pés

Daquele que defendeu

O criminoso,

O pobre

E o oprimido.


Depositai as cinzas nos pés

Daquele que foi migrante

Em terra estranha,

Daquele que sentiu fome e sede.


Depositai as cinzas do teu sacrifício

Nos pés daquele que foi preso

E morto por legalistas

E justiceiros de plantão.


Depositais as cinzas do teu sacrifício

Nos pés daquele que em vida

Andou com os excluídos e minorias.

Depositai as cinzas do teu sacrifício

Nos pés daquele que é a vida,

Esperança e salvação.

terça-feira, 20 de maio de 2025

 EVANGELHO ( do livro A Missa dos Oprimidos - Monólogo)

Hamilton Raposo Miranda Filho 


CARCOMIDA

I

Nada mais me resta,

Apenas os restos e o fadigar do fim.

As lembranças são restos,

Restos de uma vida

Restos de uma paixão finita

Que se perdeu com o tempo.

Restos são restos.

Restou-me um cadáver,

Um corpo sem alma

E um copo vazio.


II


Deixaste-me caído

Como o bêbado em marcha trôpega 

A tropeçar e cair pela vida,

Deixaste-me apenas.

Não me deste nenhuma alternativa,

Lamentaste de forma vil e cruel

O sorriso que ainda trago

E a perseverança da luta.

Venceste de forma cruel

E humilhaste a quem te deu vida,

E não te envergonhaste

Daqueles que caídos

Estenderam as mãos 

À procura do nada.


III


Foste passageira como um tsunami,

Arrasaste vidas,

Emoções e esperanças, 

Deixastes restos.

Restos para o amanhã.

Apenas restos,

Restos de corpos caídos,

Ainda que pútridos,

Tiveste a dignidade 

De não chamar os urubus,

Deixaste à mercê do tempo,

Na degradação lenta

E famigerada das bactérias

E por trás do sorriso gasoso

Causado pelo perfume inebriante da decomposição,

Vi em teu rosto uma lágrima

Ou talvez,

Uma gota de chorume

De arrependimento ou gozo.

De nojo, vomitaste na boca daquele que te deu vida,

Vômitos de restos,

Purulentos...

E causaste náusea

Naqueles que te seguiam,

E em comoção,

Todos vomitaram sobre os corpos caídos,

Todos eram restos,

Menos as bactérias, 

Prenúncio de vida,

E começo da morte.


IV


O fim

É a tangência do começo

E oblíquo da razão.

E matematicamente 

Desenhaste enigmaticamente um triângulo,

Como se fosse um losango,

E em cada triângulo

Depositaste um corpo,

Um homem e uma mulher,

E admiraste a nudez disforme da putrefação,

Como um voyeur,

Que, de longe,

Admira e fantasia

A vida e a morte.


V


Não tiveste culpa,

Tu não tens culpa,

A culpa é resto, são restos que restaram,

Restos da moral,

Restos da vida,

Restos da morte.


VI


Cansado,

Depositei restos de flores

Em um túmulo vazio.

Sentei-me,

Cansado e debruçado sobre o sepulcro;

Resta-me apenas esperar pelos restos,

Restos inúteis,

E enchê-lo de nada,

Ou de apenas sobras, 

Daquilo que não serviu

Ou daquilo que restou.


VII


O túmulo estava cheio,

Cheio do nada,

Apenas restos de cadáveres,

Que, sem nada, 

Esperam ser preenchidos

Por novos cadáveres

Ou restos de vida.

As flores que depositei murcharam com o tempo,

Sobraram espinhos e talos secos, 

Que, em contemplação passiva, 

Morrem e odorizam a morte.


Ficaste perturbada com a minha presença,

Pois a minha visita é perturbadora

E provoca uma revoada de urubus,

Como gaivotas a beira-mar a procura de restos;

E magnetizado pelo ballet beethoveniano dos urubus

E pela correria faminta dos ratos,  

Satisfiz-me com a devoração prazerosa dos restos da morte.


Contentei-me com o seu fim

E com a degustação de seus restos,

Nada sobrou,

Apenas urubus, ratos e baratas.

sábado, 17 de maio de 2025

A CASA DE HEITOR E DE AMÉLIA (do livro Crônicas das Minhas Memórias)
Hamilton Raposo Miranda Filho

A casa de Heitor Franklin da Costa e de Amélia Galiza Franklin da Costa fica na Rua de Santa Rita, em frente ao imóvel em que nasci e morei. Ali residiam, além de Heitor e Amélia, suas filhas Guiomar, Sílvia, Cláudia e Flávia; Gastão, que era irmão de Heitor, e Sofia, irmã de Amélia. A casa é de uma beleza arquitetônica inigualável e simboliza o estilo de residências da década de 1950. Entretanto a minha lembrança vagueia pela vida que aquela casa transpirava e pelos espaços ocupados por pessoas. 

Heitor era um cientista por vocação. Entendia de mecânica, fotografia, pintura e se arriscava em grandes inventos. Tinha uma garagem, na verdade um laboratório, com todas as ferramentas possíveis para qualquer tipo de trabalho. Ali ficava guardado um Citroen parecido com o do filme os “Intocavéis”, e este automóvel era montado e desmontado quantas vezes fosse necessário por Heitor. Não me lembro de ter visto aquele carro funcionando ou andando pelas ruas de São luís.  A oficina de Heitor me fascinava!

Amélia era toda-sorriso, companheira da minha mãe, de conversa diária, em casa ou pela janela, como convinha e quando necessário, de passeios pela Rua Grande e das missas de sábado à tarde na Igreja de São João. 

As filhas de Heitor e Amélia eram Guiomar, Silvia, Cláudia e Flávia (que teria a minha idade e foi chamada por Deus em uma tarde de setembro com pouco mais de 6 anos de idade).

A porta de entrada da casa tinha um sino, um pouco escondido, fixado no alto e por trás da porta, mas poucas pessoas tocavam aquele sino, preferiam bater palmas, avisando que tinha gente na porta. O sino devia servir para alertar a chegada ou a saída de algum conhecido. Tinha um valor simbólico e fora criação de Heitor Franklin da Costa.

Havia um terraço bem cuidado com algumas plantas em canteiros e ao lado esquerdo da casa, havia um local, talvez um galinheiro, ambiente comum nas casas da época. À direita, na entrada da garagem, em aclive com piso de cerâmica vermelha e encerado constantemente, eu costumava, durante as conversas de Amélia com minha mãe, escorregar sentado naquele revestimento, o que me deixava com marcas avermelhada da cera nos fundos da calça curta. Um pouco acima, um banco de madeira coberto por caramanchão servia de cenário para deliciosas conversas da minha mãe com Amélia, dona Vitória Libério e dona Vócia, uma vizinha da Rua de Santa Rita. Dona Vócia morava ao lado da casa do Seu Joaquim, um fascinante joalheiro, que consertava relógios, joias e outros apetrechos.  
A sala tinha três ambientes. No primeiro ambiente, logo na entrada da casa, ao lado da escada que levava à área residencial, havia um móvel escuro com o telefone sobre ele. Um luxo para época. Os outros dois ambientes eram decorados com uma mesa de jantar, um sofá com duas poltronas e uma cristaleira. O piso era de taco.

Na parte superior da casa, além dos quartos, havia o terraço, que fora o mais bonito que conheci, guarnecido por quatro cadeiras de ferro, sempre à disposição para uma boa conversa. O piso do terraço era de uma beleza inconfundível, todo em mosaico branco e preto. Foram muitas tardes na companhia da minha mãe, que de lembranças materializamos o passado. Naquelas tardes em que corria e brincava, observava naquele terraço, que o tempo passava sem clemência e sem volta.

domingo, 11 de maio de 2025

 HELENA COSTA MIRANDA, A MÃE MAIS INCRIVEL DO MUNDO! ( Minha homenagem ao dia das mães do Livro Minhas Lembranças de São Luís )


Escrever sobre a minha mãe, Helena Costa Miranda, foi muito mais difícil do que falar sobre o meu pai. São tantas histórias a serem contadas que se tornam impossíveis de numerá-las cronologicamente. Minha mãe transcendia alegria e vontade de viver, e para esta difícil missão, tive de recorrer à memorialista da família, a minha prima Marivalda Costa Figueiredo Lopes, que pediu auxílio a Regina, que do alto dos seus 90 anos, permanece com a lucidez de uma menina de 20 anos.

Regina era filha de Princesa, uma das muitas pessoas que moraram na casa da minha avó Flora. Princesa era uma negra descendente de alguma realeza africana. Nascida em Guimarães, não perdia um tambor festivo, seja de Crioula ou de Mina. Era portadora de todos os mistérios dos deuses. Princesa afastava qualquer quebranto e nos benzia quando adoecíamos. Regina, sua filha, não herdou o dom místico-religioso da mãe, estudou e se tornou enfermeira, tendo trabalhado no serviço público até a sua aposentadoria, e é com ela que Marivalda tira todas as suas dúvidas a respeito da família, a sua memória permanece intacta e os 90 anos parecem ainda não terem chegados para ela.


Mamãe nasceu em São Luís no dia 13 de agosto de 1914, filha de Hegezzippo Franklin da Costa e de Flora Camões da Costa. A família do meu avô era de Caxias, e ele com seus irmãos, primos e alguns amigos, ajudaram a fundar a Academia Caxiense de Letras. O meu avô Hegezzippo era filho de Franklin Pereira da Costa e de Hemetéria Caldas da Costa. A família da minha avó tinha origem portuguesa, mais precisamente da Vila do Conde, uma sub-região da área metropolitana do Porto, portanto uma cidade mais ao norte de Portugal, e o seu nome de solteira, Flora Raposo Camões, pode sugerir uma descendência do grande poeta lusitano. Os seus pais eram José Augusto de Carvalho Camões e Leocadia Raposo Camões.


O meu avô Hegezzippo, conhecido pelos netos e amigos como Zipo, ou vovô Zipo, iniciou sua vida em Caxias com um grupo de jovens intelectuais, ajudando a fundar a Academia Caxiense de Letras, mas por obra do destino teve que vir morar em São Luís onde conheceu a minha avó, Flora Raposo Camões. Trabalhou como comerciante de couro e depois foi guarda-livros e sócio de Antão Amaral, um comerciante de origem portuguesa que importava e comercializava fumo.


Hegezzippo Franklin da Costa e Flora Camões da Costa tiveram cinco filhos, Dercy Camões da Costa, José Augusto Camões da Costa, ambos falecidos precocemente - Dercy aos 16 anos e José Augusto aos 5 anos, os dois de causa desconhecida -, Helena Camões da Costa, Franklin Camões da Costa, nascido no dia 05 de maio 1916, e Maria do Carmo Camões da Costa, nascida em 16 de julho de 1917. Foram felizes na medida em que se pode mensurar a felicidade. Do meu tio Franklin me lembro da convivência e da sua contagiante alegria; da minha tia Maria, como chamava Maria do Carmo, lembro da sua simplicidade, empatia, resignação e religiosidade; tia Maria nunca reclamava da vida e, da sua religiosidade, guardo na lembrança a sua devoção por Santo Antônio e Nossa Senhora do Carmo. Tia Maria me deu como primos Marivalda, Kleber, José Franklin e Maria Gorete.


Minha mãe foi uma mulher decidida, dotada de uma independência e de uma comunicação fora do seu tempo ou da sua época. Sabia ouvir e falar, e como falava! Atendia a todos e era amiga de todos, não distinguia ninguém, um fato raro para sua época. Religiosa, mas não tanto como tia Maria. Fazia as mais absurdas promessas, para todos os seus santos, especialmente para São Judas Tadeu, o padroeiro das causas impossíveis, promessas alcançadas e outras não alcançadas. Muitas vezes recorria a padres e ao bispo para mudar de promessa, como a de não mais pintar o cabelo, cuja graça alcançou, mas não cumpriu o trato com o santo. Arrependida, recorreu ao arcebispo, na época Dom Delgado, para confessar o seu arrependimento e pedir a sua permissão para mudar de promessa. Conseguiu a benção do Arcebispo e no outro dia já estava com o cabelo pintado.


Meu pai amava a minha mãe, tenho guardadas quase todas as suas cartas de amor escritas para ela, quando ele estudava Medicina em Belém. Meu pai chamava minha mãe de Rainha da Casa e sorria ao falar, e olha que arrancar um sorriso do meu pai era uma coisa muito difícil, somente as pessoas mais íntimas tiveram o prazer de ver o meu pai esboçar um sorriso ou contar uma piada.


Quando se casaram, meus pais foram morar em Bacabal, depois em Pedreiras e por último em Coroatá. O deslocamento para Bacabal e Pedreiras era na lancha do comandante Zé Pereira; para Coroatá era no trem da Rede Ferroviária ou em um velho jipe Land Rover. Depois de anos vivendo no interior e com três filhos na idade de estudar o curso primário, Hamilena, José e Paulo, meus pais resolveram morar de vez em São Luís e compraram a casa do político e amigo do meu pai, Ivar Figueiredo Saldanha, a casa da Praça da Alegria.


Minha mãe estudou no Colégio Santa Teresa e se formou como professora normalista. Iniciou a sua vida profissional na Vila Maranhão e depois, não suportando mais a travessia diária do Rio Bacanga em uma pequena canoa e os solavancos de um jipe Willis cara-baixa, após a travessia do Rio Bacanga, conseguiu a sua transferência para ensinar no Jardim de Infância Alcides Pereira, situado no antigo Campo do Ourique, onde eu me alfabetizei, juntamente com todos os meus primos.


Na Praça da Alegria minha mãe fez amizades para a eternidade - se existir uma vida após a morte, com certeza todas as amigas da minha mãe estão fazendo o maior sucesso no céu. Eram inúmeras as amigas: de conversas, dos passeios diários na Rua Grande, do trabalho, das missas dominicais e de ouvir as suas reclamações dos longos sermões dos padres. Porém os assuntos entre elas eram comentados com muita alegria. Enumerar todas as suas amigas é uma tarefa quase impossível, foram tantas, mas aqui gostaria de citar Amélia, dona Vitória Libério, dona Maria, a mãe de Maria do Carmo, Maria Lídia, Lurdinha e Fátima, dona Maria Goes, dona Francisquinha, dona Nair Garcês, e muitas e muitas amizades formadas na Praça da Alegria e no seu convívio social.


A grande habilidade da minha mãe, além da habilidade de ensinar, era a de conversar e de fazer amizades, porém, não tinha vocação para a cozinha, minha mãe não sabia fritar um ovo ou passar um café. Certa vez a nossa secretária Crisálida tirou as suas merecidas férias e partiu para Bacabal; no dia seguinte a minha mãe se aventurou em passar um café, simplesmente ela não sabia ligar o fogão e foi para a porta da rua pedir ao primeiro que passasse que ligasse o fogão e lhe ensinasse a passar o café. 


Gostava de política e nos ensinou a gostar de política, e na época da campanha eleitoral, costumava baixar o som da televisão, quando algum candidato surgia na tela para falar do seu candidato preferido. Dizia que o candidato oponente ao seu estava de castigo.


Dona Helena era a festa e o social em pessoa, tomava a frente de tudo, das compras de casa e da vida dos filhos. Tudo era comemorado na nossa casa, mesmo a contragosto do meu pai, um sertanejo duro e tímido nas suas expressões emocionais. Minha mãe, a Rainha da Casa, determinava as comemorações. 


Helena se despediu da vida como sempre desejou, dormindo sem dor ou sofrimento, e quem a viu primeiro partindo desta vida, notou um sorriso de despedida no seu rosto. Eu tive a felicidade de ver minha mãe partindo para o céu, sorrindo e feliz como foi, durante a sua vida neste plano terrestre.

sexta-feira, 9 de maio de 2025

 1ª LEITURA (do Livro a Missa do Oprimido - Monologo) 

HHamilton Raposo Miranda Filho

POEMA PARA O DEMÔNIO

“Abram-se as cortinas,

Acendam-se as luzes,

Vai começar o maior espetáculo da Terra,

Um show de luzes e cores,

Que jamais será esquecido”.

Assim anunciava

Um vassalo anfitrião,

O mestre-de-ordem do Império

E candidato ao fracasso eterno.


II

A entrada é franca

E ninguém deve faltar

Ao magnifico show da vida.

Os déspotas, 

Iluministas do engodo,

Anfitriões da mentira

E cortesãos do reino,

Estavam ali

Para dar alegria ao povo,

Ao pobre povo,

Sempre sedento

De pão,

Vida

E alegria.


III

Juntavam-se,

E a cada mentira contada,

Mais o povo se ajuntava...

Estavam felizes,

Haveria diversão

E comida.

Os enamorados,

Os ardentes de paixão,

Teriam energia sexual inesgotável,

Ninguém mais trabalhará, 

Haverá de ser decretado

O estado permanente do prazer.


IV

O reino pareceria um circo,

Havia luzes em todos os lugares,

Os atores

Eram os malabaristas da vida,

Doutores,

Gente como a gente...

E para facilitar a entrada dos convidados,

Os cortesãos,

Bajuladores de ofício,

Mentirosos de plantão,

Alpinistas sociais

E embusteiros,

Recepcionavam os convidados

Com a falsidade

E a malícia dos famosos.


V

O grande apresentador

Do reino encantado

Vestia-se soberbamente.

No rosto maquiado,

Trazia o sorriso do convencimento

E a alegria comum dos bem-nascidos.

O apresentador,

Rei da alegria, 

Brincava e sorria, 

E cada espectador,

Coadjuvante do espetáculo,

Era presenteado com uma bola de gás,

Para que ironicamente

Sorrisse com a festa

E não se lembrasse da vida.

VI


Na festa do reino encantado 

Não havia vergonha,

Não havia dor

E não havia lugar para o trabalho

E todos estariam felizes.

O reino da fantasia

Tinha alegorias incandescentes,

O ambiente transpirava éter,

E todos, inebriados pelo perfume,

Gritavam vivas 

À onipotência do rei!

E, contagiados pela alegria,

Esqueceram que serão

Vassalos na eternidade.

domingo, 4 de maio de 2025

 

50 SABORES E LUGARES LUDOVICENSES (do livro Minhas Lembranças de São Luís).
Hamilton Raposo Miranda Filho

A variedade de informações culinárias ou gastronômicas que aparece nos canais de televisão atiça o paladar e seduz aqueles que de restrições alimentares sobrevivem. O pecado da gula transcende a razão de qualquer um.

São Luís tem o charme e a tipicidade própria do maranhense no quesito gastronomia. A cidade tem paladares e odores inconfundíveis. Lugares e características que contam histórias e fascinam quem nasceu aqui ou tem o privilégio de morar na ilha mais bonita do Brasil. Pontuei 52 situações gastronômicas e dessas imagino que pelos menos 10 o leitor conheça e tenha tido o prazer de experimentar. Delicie-se e não morra de saudade, São Luís está sempre com a mesa pronta para te servir.

1-Jantar no Restaurante Palheta.
2-Pão cheio recheado com camarão seco, vendido nas ruas do centro de São Luís.
3-Cachorro-quente do Companheiro ou do Sousa, respectivamente, no Beco da Pacotilha e no estacionamento da Praia Grande (sem goumertização).
4-Caldo de ovos do João do Caldo.
5-Galeto da Base do Rabelo.
6-Calderada do Germano.
7-Sorvete de coco na casquinha.
8-Quebra-queixo.
9-Pirulito enrolado com papel de seda e vendido principalmente na Praia Grande e Praça Deodoro.
10-Peixe Pedra cozido ou frito em São José de Ribamar.
11-Peixe Serra frito com arroz de cuxá.
12-Torta de camarão seco.
13-Torta de caranguejo.
14-Sururu no leite de coco.
15-Juçara com farinha d’agua e camarão seco.
16- Arroz de Jaçanã (em tempos de politicamente incorreto e sem compromisso com o meio ambiente descia muito bem, mas hoje nem pensar).
17-Galinha de parida com pirão.
18-Peixada da Peixaria Carajás.
19-Caldo de cana do antigo abrigo da Praça João Lisboa ou do Bar do Cajueiro, na Rua Afonso Pena.
20-Queijo de São Bento.
21-Cola- Guaraná Jesus.
22-Frango assado na brasa do Restaurante Frango Dourado, no Anil.
24-Feijoada do Baiano.
25-Costela de porco da Base da Diquinha, no Diamante.
26-Gelado da Praia Grande (que os modernos costumam chamar de Reviver) ou do antigo Nhozinho Santos.
27-Bolachinha da Padaria Santa Maria e da Padaria Nossa Senhora de Fátima.
28-Cuscuz Ideal.
29-Roleto de cana vendido na Praça da Matriz, em São José de Ribamar.
30-Descascar e comer uma tanja na porta da Igreja de São José.
31-Kibe do Abdon, na Praça da 32-Misericórdia, ou de dona Nilza, na antiga Padaria do Anil.
33-Manga de fiapo com farinha d’agua.
34-Tiquira da Feira da Praia Grande.
35 -Cola Jeneve.
36- Sorveteria Elefantinho.
37-Pastel do Garoto do Bigode, na Praça Deodoro.
38- Murici amassado com açúcar.
39- Pamonhas vendidas pelas ruas do centro de São Luís.
40- Uma parada para encher o estômago na Churrascaria Filipinho.
41- Sorvete de ameixa do extinto bar do Hotel Central, para os saudosistas.
42- Quem está na casa dos 70 não esquece o sanduíche de pernil do extinto Moto Bar.
43- A Base da Lenoca quando ainda era na Praça Pedro II.
44- Espetinho de camarão do Jaguarema ou do Lítero.
45- Ingá, maria pretinha, canapu e guajuru.
46- Pizzaria Internacional na Cohab ou na Cohama.
47- Mocotó, sarrabulho ou cozidão do Mercado Central.
48- Bar do Amendoeira e o seu tradicional bode no leite de coco servido em sua calçada, no Olho d’Agua.
49- Quem frequentou a Praia da Ponta d’Areia antes do espigão não se esquece do Bar Tóquio, das peladas, da cerveja e do caranguejo.
50- Mocotó e feijoada da Base do Binoca, no Vinhais Velho.
51- A novidade do Hibiscus, na Vila Palmeira, na década de 1980.
52- Restaurante La Boheme frequentado pela turma da moda e do poder político da época.

Lembre-se que a sua memória afetiva e gustativa está sempre preservada. Alguns desses itens se perderam com o processo de crescimento da cidade, outros ainda resistem bravamente e nos identificam culturalmente. Bom apetite (ou boas lembranças) e ótima diversão

sábado, 3 de maio de 2025

 CANTICO DE ENTRADA (do livro A Missa dos Oprimidos)

Hamilton Raposo 

A benção a todas as Marias,

Marias esquecidas,

Marias violentadas,

Marias prostituidas

A benção a todas Marias.

Marias sem terras,

Marias famintas,

Marias desaparecidas.

A benção a todas as Marias.

Marias sem oportunidades,

Marias excluídas,

Marias maltratadas. 

A benção, meu senhor Deus,

Pai e Protetor.

A benção meu Senhor Deus,

Amado e Justiceiro.

A benção, meu senhor Deus.

Aleluia, Aleluia, …

quinta-feira, 1 de maio de 2025

 

POEMA PARA DEUS

 

PARTE I

 O esterco estava sobre a mesa,

 O banquete seria servido,

 Começava o festival da decadência.

 Estavam reunidos

 Os famintos incongruentes

 Vorazes da devassidão,

 Crustáceos do anonimato

 E da escuridão absurda da alma humana.

 

Todos

 Transvestidos em legalistas

 E leguleios do passado hipócrita

 Que satisfazem na mesa

 A sua fome idólatra,

 Com o caos da moralidade.

 

Alimentam-se do seu próprio vômito,

 E no pedestal do medo e da fantasia,

 O ódio se fez vida

 E do ódio criaste uma geração.

 

Assim ruminas o vento,

 Com sussurros inaudíveis,

 Lamentam a decomposição enigmática do rei.

Satisfeitos,

 Os varões de moral marmórea

 Estupram a verdade

 E se ajoelham aos pés santíssimos,

 Confessando profanamente

 A bem-aventurança da mentira.

 

PARTE II

 A leveza do pecador

 É a graça da vingança,

 É a graça do humilde,

 É a tua vontade em permitir

 Ao intrépido perseguidor,

 Ao nefasto moralista,

 Ao príncipe da desigualdade e do ódio,

 Ao maligno da devassidão,

 Que encontre no seu caminho

 Na escuridão úmida

 Das tormentas destruidoras

 E das erupções ardentes,

 Que queimarão a tua alma disforme,

 Falsa,

 Hipócrita e destruidora.

 

De ti nada restará,

 Do pó vieste

 E ao pó retornarás...

 E não levarás coroa de flores

 E o teu jazigo será esquecido

 No anonimato dos defuntos

 E na imensidão do inferno.

 

Foi consumada

 A vingança da graça,

 A vingança do humilde

 E daquele que se fez oprimido.


 PARTE III

 Por onde tu andas

 Se deixaste sem nenhuma misericórdia

 Aqueles que te deram vida,

 Aqueles que te dão vida?

 

Por onde tu andas

 Se deixaste triunfar

 O príncipe opressor,

 O Senhor da Maldade,

 O cristão devasso,

 Incenso do ódio

 E perseguidor dos fracos e dos oprimidos?

 

Por onde tu andas

 Se deixaste morrer e sangrar

 Aqueles que deveriam ir a ti,

 Vítimas da intolerância

 que clamam pelo teu nome?

 

Por onde tu andas

 Se deixaste a sangria diária

 Dos imperfeitos

 E das Marias de todos os dias

 Apunhaladas pela espada falsa do amor?

 

Por onde tu andas

 Se deixaste que o amor manso e pacífico

 Fosse covardemente

 Assassinado pela mentira e violência?

 

Por onde tu andas

 Se deixaste de servir a mesa

 Para florescer a devassidão da fome,

 E permitiste que o carvão,

 O calor insalubre

 E a lama de Mariana

 Estivesse à mesa?

 

Por onde tu andas

 E por que permites

 A inversão da lógica da igualdade

 E da subalterna divisão do pão nosso de cada dia?

 Por onde tu andas?

EUESTOU AQUI”!

sexta-feira, 11 de abril de 2025

 COLÉGIOS. MESTRES E DOUTORES DO SABER (do Livro Minhas Memórias de São Luís)

Hamilton Raposo Miranda Filho


Todos os dias eu agradeço por nascer e morar na melhor e mais bonita cidade do Brasil. São Luís é riquíssima em cultura, gastronomia, arquitetura e belezas naturais. Nenhuma cidade do Brasil reúne esses elementos com tamanha harmonia e predominância.


São luís também tem seus encantos na educação. Colégios que resistem, outros que fisicamente deixaram de existir, mas insistem em permanecerem vivos na memória da cidade. 


Professores, grandes mestres da educação, escolas que se eternizaram na história de São Luís e que marcaram a vida social da cidade, formando cidadãos e cidadãs, numa época em que as aulas eram ministradas com o suporte de giz, quadro negro e cartolina. E aqui vai uma lembrança de uma geração que viveu o privilégio de conhecer estas escolas e seus grandes mestres:


1- Instituto Raimundo Cerveira e Colégio Zoé Cerveira - Família Nascimento de Moraes.

2- Colégio Conceição de Maria - Professoras Maria Ferreira e Lucinha Ferreira.

3 Colégio São Luís Gonzaga - Professora Zuleide Bogéa.

4- Colégio Liceu Maranhense - Professores José Rosa, Sued, Concita Quadros, Luís Aranha e muitos outros.

5- Colégio Maristas - Irmão Jorge, Irmão Pio, Irmão José...

6- Colégio São Luís - Professores Luís Rego e Luís Augusto.

7- Colégio Ateneu Teixeira Mendes - Professor Solano Rodrigues.

8- Colégio Cardoso Amorim - Professor Capitulino.

9- Colégio Centro Caixeiral - Professores Washington e Álvaro.

10 - Academia do Comércio: Professor Waldemar Carvalho.

11- Colégio Santa Teresa: Madre Câmara, Madre Coutinho, Madre Guiomar, Madre Lima.

12 - Colégio Batista: Professor Figueiredo.

13 - Colégio Rosa Castro - Professora Zuíla.

14 - Escola Técnica - Professor Ronald Carvalho.

15 - Escola Santa Terezinha - Família Valois.

16 - Colégio Dom Bosco - Professor Luís Pinho e Professora Maria Isabel.

18 - Colégio Girassol - Professora Déa Vasques e Ana Maria Belfort.

19 - Colégio São Vicente de Paula

20 - Curso de Inglês John Kennedy - Professora Jean Mouse Camarão.


 Mestres, os doutores do saber, merecerão sempre o registro da história pela dedicação na arte de educar. Aqui cito alguns que passaram pela minha vida e me marcaram para sempre: Dimas, Raimunda Santos, Maria da Graça Jorge, Concita Quadros, Sued, Monteiro, Cota Varela, Adelaide, dona Severa, Floriano de Jesus, Bibiano, Ramiro Azevedo, Botão, Conceição Bastos, e muitos outros que levarei na memória para sempre.


Confesso com orgulho e admiração que tive a honra de estudar em algumas dessas escolas e de ser aluno destes grandes Mestres.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

 O FUTURO DA CLASSE MÉDIA NO CAPITALISMO, AINDA EXISTE ESPERANÇA PARA O SOCIALISMO

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO


Todas as potências da velha Europa uniram-se para combater os novos modelos ideológicos que contrariavam os privilégios das classes dominantes. E assim, o Papa Pio IX, o Czar Nicolau I, Metternick, os radicais franceses e os policiais alemães, todos combateram a nova forma política e econômica advinda de Karl Marx, o Materialismo Dialético.


Em 1848, Karl Marx na cidade de Londres, afirmou que já “é tempo dos comunistas exporem a todo mundo o seu modo de ver e pensar, as suas tendências, expondo ao mundo, o que seja o espectro do comunismo.”


A história de todas as sociedades que existiram até os nossos dias, sempre houve a história de lutas entre as classes sociais: homens livres e escravos, patrícios e plebeus, barões feudais e servos, patrões e empregados, opressores e oprimidos. A luta de classe é uma transformação revolucionária na construção de uma sociedade mais igualitária. 


A evolução das sociedades coincide com a revolução industrial, que fez surgir novas classes sociais. A exploração do trabalho se tornou um lugar comum. O crescimento do mercado fez com que a manufatura se tornasse insuficiência, surge a máquina, a produção industrial e o novo burguês.


Anteriormente, a burguesia destruiu todas as relações feudais, patriarcais e os sentimentos idílicos. Destruiu campos, áreas ocupadas, destruiu as relações humanas, restringindo todas as relações no “pagamento em dinheiro.”


O Burguês moderno, através da exploração do mercado mundial, retirou da indústria sua base nacional, tonando-se cosmopolita e muito pior, disseminou guerras por capital e lucro, destruiu singularidades próprias de cada povo e transformou o vassalo em defensor do capital e o oprimido em defensor do opressor. Surge o “Eu Civilizado.”


O “eu civilizado” é o consumidor de produtos novos, produtos para as “necessidades novas”, geralmente produzidos em outros países. O “eu civilizado” perde o seu contato cultural e intelectual com o seu lugar e consome a produção cultural e intelectual de um outro lugar, como se fosse um patrimônio comum de todos. O novo burguês, opressor por excelência, obriga todas as nações, sob pena de extinção, a adotarem o novo modelo de pensamento da burguesia opressora. 


A burguesia, a elite do capital, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade e o capital em poucas mãos. A participação popular e a força produtiva foi substituída pela livre concorrência como uma constituição política e social, com o domínio econômico e político da nova burguesia, sem nenhuma participação do trabalhador.


E a cada crise que acontece na sociedade, grande parte dos produtos fabricados ou industrializados, são destruídos pelo capital, como também são destruídos a força produtiva, os trabalhadores são demitidos e a sociedade se vê aniquilada. As crises sociais suprimem os meios legais de subsistência da sociedade, a indústria e o comércio ficam impotentes para a nova força do capital, o capital especulativo e volátil. A força deste capital esmaga o trabalhador e a classe que ascendeu socialmente, a classe média, que ao receber o seu salário, devolve parte do salário a elite burguesa, em forma de aluguel, financiamento, plano de saúde, empréstimos consignados, pagamentos de tributos e pagamentos com educação


A nova classe social, a classe média, empobrece com o tempo e cai no proletariado. Suas habilidades são desvalorizadas pelos novos métodos de produção e pela idade no trabalho. A perda social e econômica é o caminho sem volta da classe média.


O capital sobreviverá somente da especulação, exploração e da produção de armas e guerras. As armas produzidas, poderão voltar-se contra os senhores do capital. Assim será!

quinta-feira, 27 de março de 2025

 REI, REINALDO FARAY (sem correção do Livro Personagens de São Luís)

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

Quem poderia imaginar que um maranhense Cururupu, descendente de libaneses, poderia ser o maior e mais prestigiado ator, diretor, autor, produtor e bailarino clássico do Maranhão e um dos maiores do Brasil? 


Pois este maranhense que saiu de Cururupu, cidade do litoral maranhense, para estudar e se tornar oficial da Marinha Brasileira na cidade de Belém do Pará, acabaria descobrindo nesta cidade o talento para representar, produzir peças teatrais e dançar. Este grande maranhense se chamava Reinaldo Faray.


A vida teatral de Reinaldo Faray apesar de se iniciar em Belém, ganhou contorno profissional no antigo território do Amapá, onde dirigiu a Fundação de Cultura daquele território.


Reinaldo Faray estudou teatro e ballet clássico na Fundação Brasileira de Teatro na cidade do Rio de Janeiro, e no início da década de 1950, a convite do SESC, retornou para o Maranhão e se estabeleceu em São Luís, onde fundou nesta instituição o Teatro Escola do SESC. Nesta mesma década, se desliga do SESC e funda um grupo de teatro chamado de Teatro de Equipe do Maranhão.

Algum tempo depois, no início da década de 1960, Reinaldo Faray fundou o Teatro Experimental do Maranhão, o TEMA, que aglutinou grandes artistas de São Luís como Eugênio Giust, Lúcia Nascimento, Regina Teles, Aldo Leite, Tácito Borralho, Carlos Lima, Domingos Tourinho e tantos outros artistas que desfilaram os seus talentos artísticos juntos com Reinaldo Faray no Teatro Artur Azevedo, Teatro da Escola Técnica, Teatro da Igreja de São Pantaleão e no Teatro do SESC. Ressalto que a primeira peça teatral que assistir foi no Teatro da Igreja de São Pantaleão e chamava-se “As Sandálias do Pescador” e que tinha como atores principais, Reinaldo Faray e Carlos Lima.


O Teatro Experimental do Maranhão representou para as artes cênicas do Maranhão o que o Teatro Tablado, um grupo e escola de teatro fundado por Maria Clara Machado, representou para as artes cênicas do Rio de Janeiro e do Brasil.


Reinaldo Faray tinha inúmeras facetas. Produziu, dirigiu e atuou em diversos programas de televisão, como telenovelas, ballet e entretenimento; produziu, dirigiu e atuou em inúmeras peças teatrais em Macapá, Belém, São Luís e outras capitais do Brasil.


Entretanto, o Reinaldo Faray que conhecíamos e privamos um pouco da sua convivência, era o Reinaldo bailarino, o pioneiro do ballet clássico no Maranhão e que fundou a primeira escola de ballet em São Luís, situada no Clube das Mães. Através da Escola de Ballet do Clube das Mães vieram todos os bailarinos e bailarinas do Maranhão, todos com talento reconhecidos no Brasil e no mundo.


Aquele homem que produzia, dirigia e atuava no Teatro Experimental do Maranhão e que encantava a sociedade ludovicense com passos de “plié, feté, petit jeté ou tendu,..”esperava pacientemente fevereiro chegar e deixava tudo que era clássico de lado e mergulhava na cultura popular, transformando-se em um grande folião, participando dos desfiles de fantasias nos clubes sociais da época ou desfilando como destaque na Favela do Samba, sua escola preferida.


E como toda farra, alegria e despojamento tinha um fim, tudo acabava e começava na quarta-feira de cinzas. Reinaldo Faray não descansava, o prazer pela dança e pelo teatro recomeçava e como fazia todos os anos, começava com os ensaios da peça teatral a Paixão de Cristo.


Reinaldo Faray de despediu da vida aos 72 anos, no dia 18 de fevereiro de 2003. E aquele adolescente que saiu de Cururupu para ser oficial da Marinha Brasileira, se transformou no maior artista de artes cênicas do Maranhão e com certeza não merecia apenas o nome em uma concha artística como homenagem. O Maranhão tem um débito muito grande com seu maior artista.


Reinaldo Faray, presente!

sábado, 22 de março de 2025

 CINEMAS E A IMPORTÂNCIA CULTURAL DOS TAJRAS (do livro Crônicas das Minhas Memórias)

Hamilton Raposo Miranda Filho


Dia desses conversei com um amigo sobre cinema, ou melhor, conversei sobre filmes e salas de exibição. O amigo, por ser mais jovem, não conheceu os antigos cinemas, lembrou-se apenas do Cine Roxy e das sessões pornôs que eram exibidas na década de 1980. Não conheceu o Éden, Rialto, Monte Castelo ou Passeio. Nasceu na decadência das grandes salas de exibição.


Comentei com ele sobre a importância de José Bernardo Tajra no contexto cultural da cidade. José Bernardo foi um dos maiores conhecedores de cinema no Brasil e um grande colecionador, seu acervo era fantástico. Possuía todos os filmes da Metro Gold Meyer e se dizia portador de uma doença chamada “metrite”, dada a sua paixão pelos filmes produzidos pela Metro. José Bernardo era filho do libanês Moisés Tajra, o maior empresário de cinema que o Maranhão já teve.


A nossa conversa se transformou em um monólogo, dada a minha verborrágica exposição sobre Moisés Tajra. O empresário foi proprietário dos Cines Éden, Roxy, Rialto, Rival e Ribamar (este localizado na cidade de São José de Ribamar). O Cine São Luís, Monte Castelo e Passeio eram de uma outra família descendente de libaneses, os Dualibe, da cidade de Viana. O Cine São Luís funcionou no Teatro Artur Azevedo. Era muito cinema para uma cidade com uma população de 300 mil habitantes. Talvez por serem uma das poucas diversões da cidade, os cinemas tinham público e qualidade.


A conversa voltou-se para o campo afetivo e confessei que o primeiro filme que assistir foi “A Paixão de Cristo”, no Cine Ribamar, em companhia da minha mãe, que chorou a sessão inteira, emocionada com o sofrimento de Jesus. O Cine Ribamar ficava ao lado da casa dos meus pais, naquele município. E como em toda cidade do interior, havia no Cine Ribamar um serviço de alto-falantes, “A Voz Caramuru”, que anunciava as atrações cinematográficas e os pedidos musicais. 


Logo depois da “Paixão de Cristo”, assisti a alguns filmes de Mazzaropi e a algumas chanchadas da Atlântida, no Cine São Luís. Em todas as ocasiões estava sempre na companhia dos meus pais ou do meu irmão José Franklin ou da minha irmã Hamilena. Meu pai tinha um gosto apurado, preferia a ópera e os filmes do Charles Chaplin. Seu gosto musical também era refinado, e a prova disso era a sua fantástica coleção de discos de músicas clássicas, que conservo, junto com a coleção de ópera. Alguns destes discos são de 45 rot./min.


A década de 1960 talvez tenha sido a mais profícua para o cinema, todas as salas exibiram os grandes clássicos de crítica e de bilheteria. A sensibilidade artística e o bom gosto estético de José Bernardo e a visão comercial de Moisés Tajra fizeram de São Luís uma cidade de cinemas.


A minha lembrança cinematográfica vai muito além da “Paixão de Cristo”, dos filmes de Carlito ou das chanchadas da Atlântida. Uma das melhores experiências que tive com a chamada telona foi ouvir o grito do Tarzan, e tenho quase certeza que toda a minha geração ouviu ou repetiu o grito do Tarzan. 


A década produziu filmes como Lawrence da Arábia, Bem-Hur, o premiadíssimo musical A Noviça Rebelde, o épico Spartacus, o revolucionário Perdidos na Noite, a ficção extraordinária de 2001: Uma odisseia no espaço, os românticos Dr. Jivago, Candelabro Italiano e Romeu e Julieta, o assustador Bebê de Rosemary, o clássico do western Os Brutus Também Amam e o lento e apaixonante pop do cinema francês Um homem e Uma mulher. Todos exibidos em salas com lotação completa. Foram muitos filmes e muitas histórias. Certa vez contabilizei mais de 100 filmes de sucesso da década de 1960, incluindo o Cinema Novo brasileiro.


A diferença de idade entre mim e o interlocutor não impediu que formássemos um consenso: São Luís é uma cidade vocacionada ao cinema.

sábado, 8 de março de 2025

 PREPARAÇÃO PARA O EXAME DE ADMISSÃO (do livro Crônicas das minhas memórias).

HHamilton Raposo Miranda Filho


Em 1969 os meus pais decidiram que eu deveria estudar na mais tradicional escola do Maranhão, o Liceu Maranhense. Assim tive que deixar o Colégio Zoé Cerveira, uma escola menor, onde fiz uma parte do ginásio. O Zoé Cerveira era de propriedade de uma família de intelectuais e de renomados professores, a família Nascimento de Moraes. Ali fui aluno de grandes mestres, como o professor e intelectual Paulo Nascimento de Moraes, um dos maiores conhecedores da geopolítica israelense e do mundo árabe; Raimundo Nascimento de Moraes, excelente matemático, que, com sua formidável didática, fazia com que os alunos se apaixonassem por equações, contas e números; dona Nadir, era um caso a parte: rígida e extremamente disciplinadora, ensinava Geografia e o com seu vozeirão nos fazia conhecer o mundo; e por fim o imortal poeta, um dos primeiros ambientalistas brasileiros e esquerdistas de carteirinha, Nascimento de Moraes Filho, que fazia da sala de aula uma reunião da academia de letras, recitava poemas e ensinava Português, por meio de obras de inestimável valor literário. A eles sou eternamente grato.


Por causa deles adquiri uma certa base escolar, mas precisava de um reforço para enfrentar o dificílimo exame de admissão do Liceu Maranhense, espécie de vestibular para o colegial; no meu caso para a 4ª série do ginásio. Eram cinquenta vagas para mais de mil inscritos. Tinha necessidade de conhecimento adicional, sobretudo, nas disciplinas de Português e Matemática. Coube às professoras Ceci Mota e Maria da Graça Jorge, todas renomadíssimas, a tarefa de me ensinarem todos os macetes de Matemática e Português, respectivamente, para enfrentar o exame de admissão do Liceu Maranhense.


As aulas de Matemática da professora Ceci Mota, eram ministradas na sala de jantar de sua residência, uma casa muito simpática, situada na Rua do Pespontão. A professora Ceci Mota tinha um irmão que divertia a todos os alunos com sua malandragem e picardia, um boêmio e contador de histórias e de estórias. Conheci-o pelo apelido de “Maneta”. Ele dava o seu show à parte, antes de iniciar a aula preparatória, que acontecia duas vezes por semana, às terças e quintas-feiras, pela manhã.


As aulas de Português da professora Maria da Graça Jorge, uma renomada professora maranhense e reconhecida pela disciplina e saber linguístico, eram ministradas também em sua residência, uma bela casa de dois andares, situada no Caminho da Boiada. Neste imóvel havia um pequeno cômodo adaptado para sala de aula, com carteiras e um quadro verde, diferente dos quadros negros do Colégio Zoé Cerveira. As aulas, muito rígidas e disciplinadas, aconteciam também duas vezes por semana, no período vespertino.


Chegou o dia do tão esperado exame de admissão, eu me sentia preparadíssimo para as provas da seleção. Fui até o local das provas acompanhado da minha mãe, dona Helena, que não deixaria jamais o seu filho, conhecido pela sua hiperatividade, ir sozinho se submeter a tão importante exame para o mais tradicional colégio do Maranhão.


Fiz a seleção em janeiro, e quinze dias depois, na véspera de um carnaval, saiu o tão esperado resultado. Era enfim um liceista, tinha sido aprovado com louvor para o Liceu Maranhense.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

 CARNAVAL COM RUM MONTILA E COCA-COLA

HAMILTONRAPOSO DE MIRANDA FILHO

Venho acompanhando à distância, como dizia o imortal Herbert Fontenele, a resistência e discussões dos promotores da cultura e carnavalescos com os gestores públicos, diante da situação financeira do país, do estado, da capital e da briga de confete e serpentina entre o governador e o prefeito para quem faz o melhor carnaval em São Luís. Confesso que venho de uma São Luís bem mais tranquila, com pouco mais de 300 mil habitantes e que não tinha nenhuma preocupação com a realização do carnaval, ele acontecia naturalmente, espontaneamente.


Havia, indiferente às crises sociais, econômicas ou políticas, uma efervescência indisciplinada e transgressora, que movia a cidade em seu conjunto cultural e social voltada exclusivamente para a desorganização do carnaval. Existia porém, uma lógica cartesiana, as tardes pertenciam aos blocos de sujos, blocos tradicionais e escolas de sambas sem abre-alas, comissão de frente ou destaques; as noites eram reservadas para os clubes sociais, Jaguarema, Litero, Cassino Maranhense, Montese, Clube dos Sargentos e Califórnia Clube de Campo para os mais afoitos e corajosos. 


As crises pessoais, sociais e econômicas acabavam sempre após a primeira dose de Rum Montila com Coca-Cola, a bebida da época, causadora de uma ressaca mortífera, e em termo comparativo, seria o Corote contemporâneo.


O cotidiano da cidade era bem rígido, São Luís adormecia às 22 horas após as novelas Saramandaia, Ossos do Barão ou após as peripécias políticas e sexuais de Odorico Paraguaçu no Bem-Amado. As manhãs eram reservadas para as obrigações escolares, frequentávamos o Liceu, Marista, Escola Normal, Rosa Castro, Santa Teresa, Atheneu, São Vicente, Escola Técnica, Cardoso Amorim, CEMA, Centro Caixeral e Colégio São Luís. A tarde tínhamos a única opção de lazer na cidade, passear ou marcar ponto, como se dizia na época, na Rua Grande, o nosso shopping center, ali tínhamos cinema, lanchonetes e a única escada rolante da cidade. 


A cidade guardava-se pacientemente para o carnaval. Não havia preparação oficial, a espontaneidade transgressora organizava a bagunça, e todos se pervertiam na inocência do carnaval de São Luís. 


As manhãs carnavalescas e pré-carnavalesca passavam pelo Grêmio Litero Recreativo Português com suas matinais carnavalescas. A noite a alegria se repetia também nos outros clubes sociais. Vale lembrar a disputa que existia entre os clubes sociais para quem fazia a melhor festa, ou qual a melhor banda carnavalesca. Era um privilégio ter um Nonato e seu Conjunto ou os Fantoches animando as festas e somente a presença destas bandas, já era garantia de sucesso em qualquer festa carnavalesca. Havia o desfile de fantasias no Jaguarema com as presenças alegre e divertida de Benys, Bezerra e de Chico Coimbra.  Os namoros juvenis começavam no Jaguarema, mas não resistiam às matinais do Litero. 


As festas tinham o perfume proibido do lança-perfume e o sabor de Rum Montila com Coca-Cola. Aos poucos o confete e serpentina deram lugar à maisena. São Luís mudava e com ela o carnaval também mudava, a Turma do Quinto perdeu o seu clarim, a Águia do Samba desapareceu e o Imperador do Samba perdeu a sua autoridade monárquica.

Viva o carnaval e renove-se.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

 BARILOCHE FUTEBOL CLUBE E O MURO DA CASA DE GEDEÃO

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

O transporte coletivo de São Luís sempre foi um problema. Houve um tempo, em decorrência da falta de ônibus, que a maioria dos veículos de transporte eram kombis, a simpática van da Volkswagen, chamadas pela população de lotação e que hoje seriam as vans de transporte alternativo. E justamente nestas Kombis é que o Bariloche Futebol Clube embarcava e desembarcava para as suas partidas de futebol no Jaguarema ou na Ponta D’Areia.


O Bariloche era um time de pelada que foi formado durante as férias de julho em São José de Ribamar na década de 1970 e permanecido como time de pelada por alguns anos.

Jogavam no Bariloche Rui e Rubem Lamar, Stelinho, Geraldo Mathias, Paulo, Paulista, Valois, eu, Zé Lopes, Gedeão, Afonso e outros que passavam temporariamente para reforçar o time em algum clássico de “pernas de pau”.


A dissolução do Bariloche aconteceu por absoluta falta de vitórias e nas poucas que aconteciam, tivemos a providencial ajuda de São Pedro, sempre chovia nos dias em conseguimos vencer algum adversário. O desempenho do time era sofrível se comparado com o Fluminense de Ricardo Dualibe, Paulo Sérgio Oliveira e Fred; do Flamengo de Fernando Sarney, Tininho e Lobatinho. Resolvemos acabar o time, afinal de conta não queríamos ser um Íbis da vida, considerado como o pior time do mundo!


Após a dissolução do time, eu, Rubem e Rui fomos jogar na Medicina; Paulo e Paulista formaram um grupo de pagode e resolveram estudar, na música eram piores que no futebol, Paulo é administrador em Belém e Paulista trabalha em São Paulo; Geraldo é engenheiro aposentado; Valois foi escrivão da Polícia Federal e foi descansar no céu; Zé Lopes e Stelinho são comerciantes; Gedeão é advogado. Penso que o Bariloche além de formar amigo, serviu também para formar cidadãos e profissionais.


Éramos muitos unidos e aprendemos a dirigir ao mesmo tempo e da maneira mais irresponsável e menos recomendável que existe. Rubens Lamar sabia passar a marcha ré no automóvel do seu pai. Retirávamos escondido o carro sempre depois das 22 horas, enquanto dormia embalado pela brisa de São José, e nos revezarmos na direção. O percurso era grande, contornávamos a Igreja, subíamos a Rua Grande até o Cruzeiro e voltávamos pela Rua Grande repetindo o percurso com cada um na direção, sem nenhuma responsabilidade ou orientação.


Essa autoescola improvisada e ilegal acabou quando Paulo e Rubens derrubaram o muro da casa de Gedeão. A confusão estava formada. Todos foram punidos, inclusive Gedeão, vítima e algoz ao mesmo tempo. O assunto foi amplamente discutido entre as meninas, companheiras das férias: Lucia e Fátima Mathias, Celinha irmã de Paulo, Fátima Queiroz, Maria Estela, Lídia e Liduina, Raquel, Helena, Gracinha, Mônica e Ana Maria irmã de Stelinho. 


As férias acabaram, nossos pais tiveram que pagar o prejuízo e o grupo nunca mais se encontrou com o fim do Bariloche Futebol Clube, uma pena, mas ficou a lembrança e o meu casamento com a Lúcia anos depois

sábado, 15 de fevereiro de 2025

 CHAUFFEUR, UMA HOMENAGEM AO SEU JACINTO, ASTROLÁBIO E TODOS OS CHOFERES DE SÃO LUIS (PERSONAGENS DE SÃO LUÍS)!

HAMILTON RAPOSODE MIRANDA FILHO


A vocação cosmopolita de São Luís é surpreendente. São Luís é ilha rebelde, Atenas Brasileira, Jamaica Brasileira, ilha do amor ou simplesmente, São Luís.


São Luís nasceu com o charme típico dos franceses, foi cortejada por piratas holandeses e foi a musa inspiradora dos portugueses. A cidade é indiscutivelmente a mais europeia das cidades brasileiras, ou melhor, da zona equatorial, e o que se discute há algum tempo, muito antes do que as outras cidades, é a questão da mobilidade urbana, transporte público, tarifa única, bilhete eletrônico e concorrência pública. Até um VLT já tentaram implantar como solução de transporte público, ligando o nada a coisa alguma. Agora a discussão é sobre o BLT.


Houve um tempo, mais precisamente na década de 1960, que todas as categorias profissionais se manifestavam, e se um entrava em greve, logo o outro também entrava. Eram bancários, marinheiros, motorneiros, comerciários, estudantes, funcionários públicos e camponeses, todos reclamavam de alguma coisa, geralmente se a questão era sobre o piso salarial, condição de trabalho ou liberdade democrática. 


Havia em São Luís uma categoria profissional, os choferes, que não se manifestavam por nada e nem se deixavam manifestar. Automóveis e ônibus quase não existiam. O ônibus mais conhecido na cidade era o “cara baixo” e disputava a preferência dos usuários com os bondes, principalmente para os que se dirigiam para o João Paulo, Cutim do Padre e Anil. 


Chauffeur ou chofer em um afrancesado maranhense, era o profissional que dirigia um veículo automotor, e como a nossa vocação sempre foi em virar Paris, assim tratávamos os nossos condutores de veículos, motoristas eram os que lidavam com motores, depois, com a massificação do transporte urbano, os choferes passaram a ser chamados de motorista. 


O termo motorista, sem nenhum charme maranhense, foi incorporado ao nosso palavreado através do contato com o proletariado paulista, substituindo o chauffeur por motorista.


O chauffeur não fazia paralização e ninguém imaginava um Jacinto, Astrolábio, Vadeco, Alemãozinho, Sebastião, Paulo Veiga, Zé Espicha ou Jacu parando um Bel Air 56, Dodge 51, Hudson, Studeback, Citroen ou Perfect em plena Praça João Lisboa e impedir a passagem do Bonde de São Pantaleão. Isto seria um absurdo. 


O charme francês dos nossos choferes não tinha as mesmas características dos motoristas, não eram operários e muito menos sindicalizados, eram chauffeur.  


A elegância do seu Jacinto, que além de chauffeur, era um educador de trânsito, e assim o fez, ao se aposentar, enveredar por aquilo que fazia de melhor: Ser Professor. O seu Jacinto, como era chamado, sempre de terno de linho branco, fazia ponto no Posto Hilmam, ao lado do antigo Hotel Serra Negra.


Um chauffeur conduzia geralmente um carro de praça e em São Luís não se chamava de taxi, chamava-se de carro de praça, na verdade um antecessor dos urbes ou dos carros lotação, que os paulistas adoram e imaginam que foram eles os pioneiros deste meio de condução. 


O “carro de praça” dos elegantes choferes virou com a explosão demográfica, o popular “carrinho”, o conhecido meio de transporte que serve principalmente o bairro do Anjo da Guarda ao Centro da Cidade. O “carrinho” do Anjo da Guarda, os motorneiros dos simpáticos e saudosos bondes e os nossos choferes, por questão de elegância, charme e independência, deveriam ser considerados patrimônio imaterial de São Luís.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

 A PRAÇA JOÃO LISBOA, O REINADO DO REI DOS HOMENS!

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

A Praça João Lisboa é o coração da cidade de São Luís, também conhecida como Largo do Carmo, uma homenagem a Igreja Nossa Senhora do Carmo e ao Convento dos Frades Capuchinhos.

A praça foi inaugurada em 1901 pelo Governador João Gualberto Torreão da Costa e pelo Intendente Alexandre Colares Moreira Junior, em homenagem ao grande escritor, jornalista, historiador, deputado provincial e patrono da cadeira número 18 da Academia Brasileira de Letras, João Francisco Lisboa, nascido em 1812 no município de Pirapemas e falecido na cidade de Lisboa, no dia 26 de abril de 1863.

A Praça João Lisboa sempre foi o ponto nevrálgico de São Luís, além de ter sido importante centro financeiro, foi também importante centro comercial e político. Atrevo-me a dizer, que a Praça João Lisboa foi o mais importante centro político da capital maranhense. Foi da Praça João Lisboa que ecoaram os inflamados discursos de Neiva Moreira, deputado cassado e exilado pelo golpe militar de 1964, e de Lino Machado, fundador do Partido Republicano e deputado constituinte de 1946. Foi Lino Machado o fundador do Jornal O Combate, principal veículo de oposição ao PSD de Vitorino Freire.

Foi na Praça João Lisboa que se iniciou a greve de 1950, que transformou a cidade de São Luís em clima de guerra civil. Foi na Praça João Lisboa, na sacada da Igreja Nossa Senhora do Carmo, que Jânio da Silva Quadros fez o mais inflamado discurso da eleição presidencial de 1960.

A Praça João Lisboa ou o Largo do Carmo, sempre será o coração e o sistema nervoso da cidade e ali, bem em frente a igreja, funcionou durante anos, até o final da década de 1970, o senado da praça ou senadinho, como costumavam chamar os seus membros, entre estes tinha jornalistas, advogados, empresários, políticos, estudantes, professores, médicos,..., todos liderados pelo “Presidente Vitalício”, Michel Nazar.

Entretanto, quem reinou na Praça João Lisboa de forma altiva, às vezes petulante, outras vezes com um comportamento ameaçador, foi um personagem caricato e popularmente chamado de Rei dos Homens.

Rei dos homens estava sempre vestido com um paletó surrado pelo tempo, e por baixo, várias camisas puídas e desgastada pelo uso, dando-lhe um aspecto de maltrapilho sem realeza.

Em um artigo publicado na Folha de São Paulo em 2004, o ex-presidente e escritor José Sarney, trata o Rei dos Homens como um homem magro, alto, pálido de olhos avermelhados.

Rei dos Homens entre um trago e outro, fazia previsões, falava sozinho e se dizia enviado de Deus e em seus delírios místicos, confundia santidades com pessoas comuns e mortais.

Rei dos Homens, segundo o escritor José Sarney, tinha o nome Iwalter; para alguns frequentadores do abrigo da Praça João Lisboa, companheiros de copo e de cruz do Rei dos Homens, afirmavam que o verdadeiro nome de Rei dos Homens era Raimundo Nonato e que ele tinha familiares que moravam no bairro do Monte Castelo.

Rei dos Homens é um personagem da Praça João Lisboa e de São Luís que infelizmente não deixou nenhum herdeiro em seu reinado

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

 A BEATA DA IGREJA DA SÉ (PERSONAGENS DE SÃO LUÍS).

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

Diariamente uma mulher negra, com a aparência cansada, de baixa estatura, emagrecida e sempre vestida como se fosse uma freira, amanhecia no pátio da Igreja da Sé com uma bíblia desgastada pelo tempo e pelo uso, e ali começava a falar verborragicamente e initerruptamente versículos bíblicos e palavras desconexas todos os dias, e só se retirava no final da tarde quando as portas da igreja se fechavam.


Aquela mulher era uma “beata” para uns ou louca para outros, pouco se alimentava ou ingeria algum líquido durante a sua pregação solitária. Passava o dia falando de Deus, do mundo e de qualquer coisa que florescesse em sua mente.


A jornalista Patrícia Cunha em janeiro de 2018, em uma matéria para o Jornal Imparcial, descrevia a mística da Igreja da Sé com uma aparência altiva e falante. “A beata da Sé” como a jornalista preferiu chama-la, tinha o nome de Joana Vieira Muros e uma história de vida, sacrifício, luta e devoção.


O sofrimento, a viuvez, o abandono e a incompreensão de muitos, inclusive de clérigos, aos pouco foram consumindo o pouco que restava de sua saúde mental.


Conheci a “beata” e tive a oportunidade de conversar com ela no Hospital Nina Rodrigues, acho que no final da década de 1980 ou começo de 1990, quando a elite religiosa de São Luís tentou interna-la compulsoriamente neste hospital. Pouco falamos, e após a retirada dos policiais que a levaram para o hospital, apontei para a “beata” a porta de saída do hospital, informando que ela só ficaria internada se quisesse, logicamente que do jeito que ela chegou, ela saiu.


A minha atitude contrariou o diretor do hospital que temia alguma represália judicial para mim e para ele, por desobediência a uma ato judicial, afinal era uma internação compulsória, porém injusta.


A “beata da Sé” saiu pela porta da frente do Hospital Nina Rodrigues e nunca mais voltou.


Dona Joana Vieira Muros, a “beata da Igreja da Sé”, é mais uma personagem de São Luís

sábado, 18 de janeiro de 2025

 

TRADIÇÃO, BARES E A MEMÓRIA AFETIVA (2023).

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

No último final de semana conversei com meu cunhado e afilhado, o cineasta Beto Maatuck, sobre a perda de referências na cidade ou a despreocupação do maranhense em conservar as mais autênticas identidades do povo e da cidade de São Luís. Comparamos com Belo Horizonte e ali se preservou uma cultura rigorosamente mineira: a cultura do pão de queijo, cachaça, leitão a pururuca, torresminho e doce de leite.

Certa vez neste espaço de convivência social, comentei sobre o pão cheio, o primeiro fast food genuinamente maranhense, sobre o quebra-queixo e do sorvete de coco na casquinha. Tudo isto deveria ser preservado como patrimônio cultural, histórico e gastronômico de São Luís. Uma identidade alimentar popular que o americano costuma chamar de comida de rua.

A nossa conversa contou com a participação do meu sogro, Ribamar Mathias, padeiro de profissão e filho do imigrante libanês Neif Mathias, antigo proprietário da Farmácia Popular, situada no Largo do Carmo. Nas proximidades da Farmácia Popular, a paisagem urbana e humana oferecia ao ludovicense o indiscutível sanduiche de peru, vendido na entrada do Edifício São Luís pelo empreendedor e futurólogo Moacir Neves, responsável por diversos empreendimentos imobiliários na cidade, dotado de inúmeras funções sociais e uma chamava atenção, a capacidade de vidência, que lhe fez guru de diversas autoridades.

O Bar do Castro situado no final da Rua do Sol, além da cerveja antártica estupidamente gelada na salmoura, o bar dispunha de mesas de sinuca para lazer e apostas. Reduto de boêmios, jornalistas, intelectuais e mortais comuns, fez época e não se fez tradição.

O Moto Bar o mais tradicional reduto boêmio da cidade fechou com o falecimento de Serafim Tavares Roque. Poucos se lembram do Moto Bar e do português Serafim, e muito menos das especialidades da casa: refresco de maracujá, azeitona portuguesa no azeite, pernil de porco, queijo de cuia e presunto de fabricação caseira.

A Praça João Lisboa, o antigo Largo do Carmo, sempre foi o coração da cidade, e de onde saia as decisões políticas e de onde se podia deliciar com o chá de pega-pinto na Fonte Maravilhosa ou tomar uma cafezinho no Bar do Jorge, restou apenas a lembrança.

O Bar do Hotel Central o mais eclético bar de São Luís, ponto de encontro de juristas, jornalistas, boêmios e da sociedade. O bar oferecia muito além de uma cerveja gelada ou do cigarro importado, oferecia o melhor sorvete de ameixa e de chocolate do mundo, nada se compara com estes sorvetes, nem isto restou como tradição.

Na Rua Grande, em frente da Padaria Cristal, ficava um dos bares mais tradicionais de São Luís, o Bar do Narciso, famoso por sua cerveja gelada e que disputava a preferência com o Bar do Castro. A Padaria Cristal rivalizava com Padaria Portuguesa a preferência por pães e doces na Rua Grande. Restaurantes famosos existiram, todos simples e com comida honesta, e cito o Restaurante Colombo, situado em frente ao Edifício Caiçara, com o seu famoso bife acebolado ou bife a cavalo, que saciou a fome de muitos e não fez tradição.

O Bar do Chico com seus pasteis e do suco de laranja da terra não existe mais e nem fez tradição, assim como o Bar do Cajueiro na Rua Afonso Pena, restou apenas o espaço material e a falta de memória.

O abrigo da Praça João Lisboa sobreviveu sem o olhar da vigilância sanitária e sem a lembrança da lanchonete do Guará com sua famosa abacatada e pão com ovo frito. Nada mais existe e muito menos a tradição.

Ozias Filho

Quando estudava no Liceu Maranhense,

sábado, 11 de janeiro de 2025

 CASAS, RESIDÊNCIAS, HISTÓRIA E RESISTÊNCIA.

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

As construções residenciais de São Luís referentes às décadas de 1950 e 1960 representam a primeira e mais profícua transformação paisagística da cidade, uma das fases mais transformadora para o que a cidade é hoje ou pensa em ser.


Diversas residências situadas no centro de São Luís ou em bairros próximos e emergentes para época, ainda se mantêm em sua opulência e beleza, alguns desfigurados ou transformados em pontos comerciais, repartições públicas ou em estacionamentos privados. Estas construções que resistem às transformações da cidade e passam despercebidas dentro do contexto de valorização do mal cuidado centro histórico e colonial.


Na Rua de Santa Rita a residência de Heitor Franklin da Costa se enquadra neste contexto estético. O piso da garagem em cerâmica vermelha, encerado com cera de carnaúba é de uma beleza indescritível. Na Rua dos Remédios, esquina com a Rua dos Afogados, tem um dos mais belos exemplares da arquitetura maranhense, a residência do Dr. Ernane Barros, hoje uma clínica de Ortopedia. Na Rua das Hortas podemos ainda admirar o prédio da Justiça Federal em frente a Praça Odorico Mendes, a residência de Dr. Gabriel Cunha, hoje Fundação Josué Montelo e diversas outras construções da década de 1950. Na Rua do Sol, esquina com a Rua de Santa Rita, chama à atenção a antiga residência da família Francis. A Avenida Beira-Mar conserva diversas casas belíssimas e de grande valor histórico, como a residência do ex-governador Pedro Neiva de Santana e do ex-prefeito Haroldo Tavares.


Saindo do centro da cidade, no coração do Canto da Fabril, uma residência resiste ao tempo, ao abandono e ao descaso público, a residência da família de Cesar Aboud, construída em pré-moldados importados da Inglaterra. Este exemplar da arquitetura maranhense, que se encontra em ruína, resiste a pouca importância dos gestores públicos com a história. Esta casa conta a história têxtil e política do Maranhão e não entendo como se joga no lixo a história de um passado progressista. No bairro do Monte Castelo a residência de Eduardo Aboud, onde funcionou uma clínica urológica, é outra construção que merece ser vista pela beleza e importância social e histórica. A residência da família Mendonça, chamada casa das bolas, adquiridas pela família de um famoso maçom da cidade, que retratava através daquelas bolas moldadas em toda a sua fachada, os triângulos referentes a simbologia maçônica. Mais acima, no chamado bairro do Apeadouro, um conjunto de residências representam a imponência deste período, e ali ficavam as residências da família Moraes Correia, de Robert e Edna Abreu, Gentil e Noris Garrido, Carlos e Zelinda Lima, e da família de Manduca Bogéa com a famosa águia guardando a entrada da casa e de outros belos exemplares do período que fizeram a cidade mais bonita e mais feliz.


A estética da cidade não ficou restrita às construções residenciais, a cidade despertava e se expandia além do Canto da Fabril. O projeto da Avenida Kennedy e a entrega de casa populares ao longo da avenida, entre a confluência da Avenida Kennedy com a Avenida Vitorino Freire até a Praça da Bíblia, foi o marco do crescimento da cidade para a periferia. O conjunto Filipinho, projetado por uma cooperativa, mantém as mesmas características até hoje. O conjunto Aldenora Belo foi responsável pelo surgimento e crescimento dos bairros da Alemanha, Ivar Saldanha e da Avenida dos Franceses, todos resistem bravamente ao tempo e ao crescimento urbano da cidade.  


São Luís resiste a tudo, sobrevive resistindo a todas as descaracterizações, desorganização, omissão e modismos, mesmo assim, permanece sendo a cidade mais bonita do Brasil!

domingo, 5 de janeiro de 2025

 

A RESISTENCIA DA VINAGREIRA E DO JONGOME.

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

Existe uma grande disputa no mundo contemporâneo e particularmente nos canais fechados de televisão, uma guerra sem fronteiras entre os adeptos da alimentação tipo fast food e os adeptos da alimentação natural, refletindo a disputa, na quantidade de programas e de reality shows na televisão. Aqui em São Luís esta disputa é bem mais antiga e a mistura de ingredientes culinários parece ser da nossa herança cultural e multirracial.

Confesso que sou de uma época em que lanche era merenda, lancheira era merendeira, professor era professor e tia era irmã da minha mãe ou do meu pai. A hierarquia era preservada e a alimentação preparada sem alternativos. A merenda que eu levava para a escola era preparada pela minha mãe, pão com ovo ou pão com goiabada, refresco de maracujá ou laranjada. Não existia suco. Suco é contemporâneo. Cola Jesus fugia o gás e ficava sem sabor.

A contemporaneidade gastronômica ludovicense está relacionada com a chegada do milk shake de chocolate e do misto quente na lanchonete da Loja Acácia e com o Restaurante Palheta no Aeroporto do Tirirical. O pão com manteiga ou com goiabada foi substituído pelas novidades da Loja Acácia. Aos poucos os hábitos provincianos ganharam feição americanizada e aos poucos íamos deixando de ser maranhense.

O café da manhã agora é breakfast. Substituiu-se o mingau de milho ou de tapioca, o cuscuz e beiju, por granola, pão integral, queijo branco e geleia. Alguns teimam em comer panquecas no café da manhã. Cará, macaxeira e bolo frito aos poucos saíram de cena. Entraram novos ingredientes no cardápio. O famoso e inigualável Cuscuz Ideal cedeu lugar aos cereais, e a primeira vez que ouvir alguém falar de cereais matinais, foi através do meu amigo Adolfo Paraiso há muito tempo, quando ainda fazíamos judô com o Professor Major Vicente Leitão da Rocha.

A tradicional juçara com farinha d’agua e camarão seco, ganhou uma versão sofisticada, agora é açaí e passou-se a tomar com mel, banana, guaraná e com a indigesta granola. Combinações saudáveis, porem aculturais.

Substituir o peixe pedra, a pescadinha boca-mole ou o uritinga por salmão de cativeiro, além de ser um absurdo, não tem o sabor da nossa maranhensidade gastronômica. Trocar a vinagreira, o jongome ou cheiro verde por acelga, brócolis ou alho-poró, é fugir das nossas raízes, é deixar o bumba-meu-boi e sair dançando a cumbia como se estivéssemos em Bogotá.

Proponho uma resistência gastronômica, uma guerra aos invasores da nossa cultura gastronômica, para não se trocar o nosso tradicional cachorro quente com a grife do inimitável Companheiro, pelo invasor hot-dog ou cachorro quente gourmetizado; o nosso tradicional caldo de cana pelo sulista e capitalista suco de frutas vermelhas; o azeite de coco babaçu pelo condenado óleo de canola ou o famosíssimo e delicioso pão cheio pelo igualmente capitalista, invasor e dominante hambúrguer. Não troque sua pitomba pelo transgênico morango e muito menos sua seriguela pelo azedo kiwi. Resista!