HELENA COSTA MIRANDA, A MÃE MAIS INCRIVEL DO MUNDO! ( Minha homenagem ao dia das mães do Livro Minhas Lembranças de São Luís )
Escrever sobre a minha mãe, Helena Costa Miranda, foi muito mais difícil do que falar sobre o meu pai. São tantas histórias a serem contadas que se tornam impossíveis de numerá-las cronologicamente. Minha mãe transcendia alegria e vontade de viver, e para esta difícil missão, tive de recorrer à memorialista da família, a minha prima Marivalda Costa Figueiredo Lopes, que pediu auxílio a Regina, que do alto dos seus 90 anos, permanece com a lucidez de uma menina de 20 anos.
Regina era filha de Princesa, uma das muitas pessoas que moraram na casa da minha avó Flora. Princesa era uma negra descendente de alguma realeza africana. Nascida em Guimarães, não perdia um tambor festivo, seja de Crioula ou de Mina. Era portadora de todos os mistérios dos deuses. Princesa afastava qualquer quebranto e nos benzia quando adoecíamos. Regina, sua filha, não herdou o dom místico-religioso da mãe, estudou e se tornou enfermeira, tendo trabalhado no serviço público até a sua aposentadoria, e é com ela que Marivalda tira todas as suas dúvidas a respeito da família, a sua memória permanece intacta e os 90 anos parecem ainda não terem chegados para ela.
Mamãe nasceu em São Luís no dia 13 de agosto de 1914, filha de Hegezzippo Franklin da Costa e de Flora Camões da Costa. A família do meu avô era de Caxias, e ele com seus irmãos, primos e alguns amigos, ajudaram a fundar a Academia Caxiense de Letras. O meu avô Hegezzippo era filho de Franklin Pereira da Costa e de Hemetéria Caldas da Costa. A família da minha avó tinha origem portuguesa, mais precisamente da Vila do Conde, uma sub-região da área metropolitana do Porto, portanto uma cidade mais ao norte de Portugal, e o seu nome de solteira, Flora Raposo Camões, pode sugerir uma descendência do grande poeta lusitano. Os seus pais eram José Augusto de Carvalho Camões e Leocadia Raposo Camões.
O meu avô Hegezzippo, conhecido pelos netos e amigos como Zipo, ou vovô Zipo, iniciou sua vida em Caxias com um grupo de jovens intelectuais, ajudando a fundar a Academia Caxiense de Letras, mas por obra do destino teve que vir morar em São Luís onde conheceu a minha avó, Flora Raposo Camões. Trabalhou como comerciante de couro e depois foi guarda-livros e sócio de Antão Amaral, um comerciante de origem portuguesa que importava e comercializava fumo.
Hegezzippo Franklin da Costa e Flora Camões da Costa tiveram cinco filhos, Dercy Camões da Costa, José Augusto Camões da Costa, ambos falecidos precocemente - Dercy aos 16 anos e José Augusto aos 5 anos, os dois de causa desconhecida -, Helena Camões da Costa, Franklin Camões da Costa, nascido no dia 05 de maio 1916, e Maria do Carmo Camões da Costa, nascida em 16 de julho de 1917. Foram felizes na medida em que se pode mensurar a felicidade. Do meu tio Franklin me lembro da convivência e da sua contagiante alegria; da minha tia Maria, como chamava Maria do Carmo, lembro da sua simplicidade, empatia, resignação e religiosidade; tia Maria nunca reclamava da vida e, da sua religiosidade, guardo na lembrança a sua devoção por Santo Antônio e Nossa Senhora do Carmo. Tia Maria me deu como primos Marivalda, Kleber, José Franklin e Maria Gorete.
Minha mãe foi uma mulher decidida, dotada de uma independência e de uma comunicação fora do seu tempo ou da sua época. Sabia ouvir e falar, e como falava! Atendia a todos e era amiga de todos, não distinguia ninguém, um fato raro para sua época. Religiosa, mas não tanto como tia Maria. Fazia as mais absurdas promessas, para todos os seus santos, especialmente para São Judas Tadeu, o padroeiro das causas impossíveis, promessas alcançadas e outras não alcançadas. Muitas vezes recorria a padres e ao bispo para mudar de promessa, como a de não mais pintar o cabelo, cuja graça alcançou, mas não cumpriu o trato com o santo. Arrependida, recorreu ao arcebispo, na época Dom Delgado, para confessar o seu arrependimento e pedir a sua permissão para mudar de promessa. Conseguiu a benção do Arcebispo e no outro dia já estava com o cabelo pintado.
Meu pai amava a minha mãe, tenho guardadas quase todas as suas cartas de amor escritas para ela, quando ele estudava Medicina em Belém. Meu pai chamava minha mãe de Rainha da Casa e sorria ao falar, e olha que arrancar um sorriso do meu pai era uma coisa muito difícil, somente as pessoas mais íntimas tiveram o prazer de ver o meu pai esboçar um sorriso ou contar uma piada.
Quando se casaram, meus pais foram morar em Bacabal, depois em Pedreiras e por último em Coroatá. O deslocamento para Bacabal e Pedreiras era na lancha do comandante Zé Pereira; para Coroatá era no trem da Rede Ferroviária ou em um velho jipe Land Rover. Depois de anos vivendo no interior e com três filhos na idade de estudar o curso primário, Hamilena, José e Paulo, meus pais resolveram morar de vez em São Luís e compraram a casa do político e amigo do meu pai, Ivar Figueiredo Saldanha, a casa da Praça da Alegria.
Minha mãe estudou no Colégio Santa Teresa e se formou como professora normalista. Iniciou a sua vida profissional na Vila Maranhão e depois, não suportando mais a travessia diária do Rio Bacanga em uma pequena canoa e os solavancos de um jipe Willis cara-baixa, após a travessia do Rio Bacanga, conseguiu a sua transferência para ensinar no Jardim de Infância Alcides Pereira, situado no antigo Campo do Ourique, onde eu me alfabetizei, juntamente com todos os meus primos.
Na Praça da Alegria minha mãe fez amizades para a eternidade - se existir uma vida após a morte, com certeza todas as amigas da minha mãe estão fazendo o maior sucesso no céu. Eram inúmeras as amigas: de conversas, dos passeios diários na Rua Grande, do trabalho, das missas dominicais e de ouvir as suas reclamações dos longos sermões dos padres. Porém os assuntos entre elas eram comentados com muita alegria. Enumerar todas as suas amigas é uma tarefa quase impossível, foram tantas, mas aqui gostaria de citar Amélia, dona Vitória Libério, dona Maria, a mãe de Maria do Carmo, Maria Lídia, Lurdinha e Fátima, dona Maria Goes, dona Francisquinha, dona Nair Garcês, e muitas e muitas amizades formadas na Praça da Alegria e no seu convívio social.
A grande habilidade da minha mãe, além da habilidade de ensinar, era a de conversar e de fazer amizades, porém, não tinha vocação para a cozinha, minha mãe não sabia fritar um ovo ou passar um café. Certa vez a nossa secretária Crisálida tirou as suas merecidas férias e partiu para Bacabal; no dia seguinte a minha mãe se aventurou em passar um café, simplesmente ela não sabia ligar o fogão e foi para a porta da rua pedir ao primeiro que passasse que ligasse o fogão e lhe ensinasse a passar o café.
Gostava de política e nos ensinou a gostar de política, e na época da campanha eleitoral, costumava baixar o som da televisão, quando algum candidato surgia na tela para falar do seu candidato preferido. Dizia que o candidato oponente ao seu estava de castigo.
Dona Helena era a festa e o social em pessoa, tomava a frente de tudo, das compras de casa e da vida dos filhos. Tudo era comemorado na nossa casa, mesmo a contragosto do meu pai, um sertanejo duro e tímido nas suas expressões emocionais. Minha mãe, a Rainha da Casa, determinava as comemorações.
Helena se despediu da vida como sempre desejou, dormindo sem dor ou sofrimento, e quem a viu primeiro partindo desta vida, notou um sorriso de despedida no seu rosto. Eu tive a felicidade de ver minha mãe partindo para o céu, sorrindo e feliz como foi, durante a sua vida neste plano terrestre.